Da lama para o mundo
Conheça a história do Mangue Beat, mistura de rock com maracatu idealizada por Chico Science que abriu caminho para a cultura da periferia do Recife e conquistou admiradores mundo afora
Texto, fotos e vídeos de João Mauro Araújo, especial para a Repórter Brasil
Grafite em túnel do Recife homenageia o criador do Mangue Beat |
Ao aliar a batida forte de tambores com o som distorcido de guitarras elétricas, Science criou um gênero musical que conquistaria admiradores pelo Brasil afora e também no exterior, onde ele e sua banda, a Nação Zumbi, realizaram algumas turnês. Com letras ao mesmo tempo bem-humoradas e recheadas de crítica social, ele influenciou não só músicos, como artistas de outras áreas.
Além de colocar, na década de 1990, a capital pernambucana na vanguarda da produção musical, o Mangue Beat teve o mérito de despertar a auto-estima da juventude da periferia, ao valorizar as manifestações artísticas de grupos locais e tradicionais.
Mangue Beat associou complexidade dos manguezais a cena musical diversificada |
A grande projeção que as bandas Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A alcançaram, principalmente em meados da década de 1990, além de estimular a formação de novos conjuntos locais, teve forte influência sobre outros segmentos da produção artística pernambucana. Com o passar do tempo, porém, o movimento foi perdendo fôlego, e muitos músicos abandonaram o rótulo Mangue. Mesmo estes, no entanto, reconhecem a importância do papel dos "mangueboys" nos alicerces da cena atual.
Dez anos após o acidente de carro que vitimou Chico Science - notável articulador do movimento -, em fevereiro de 1997, a diversidade cultural introduzida pelo Mangue Beat continua a dar frutos. Basta acompanhar, durante o carnaval, as apresentações no palco do Pólo Mangue do Morro, no centro antigo do Recife, para constatar que ainda há muita gente tirando energia da lama.
Origem
As preocupações sociais de Chico Science são atribuídas à influência do pai, Francisco Luís França, que chegou a ser vereador em Olinda |
Ao contrário dos poetas que o antecederam, Francisco de Assis França, o Chico Science, conseguiu enxergar riqueza naquela paisagem pantanosa. Sua idéia foi associar a complexidade orgânica dos manguezais a uma proposta de cena musical diversificada.
Repentes e literatura de cordel acompanharam infância do compositor |
As apresentações nos palcos e nos videoclipes gravados com a banda Nação Zumbi traziam sempre, também, referências a caranguejos, que Chico Science conhecia desde os quatro anos de idade, quando a família mudou para o bairro de Rio Doce, em Olinda. A irmã Maria Goretti Lima relembra essa época, quando ele costumava brincar de apanhá-los com os amigos: "Perto de casa havia um rio e um manguezal enorme. Às vezes apareciam alguns caranguejos até no nosso quintal". Já as preocupações sociais e uma certa inclinação política do Malungo (palavra de origem africana que significa "companheiro"), como Science também era conhecido, costumam ser atribuídas à influência do pai, Francisco Luís França, que compara o filho à estrela-d´alva, por conta da luz que se apaga de maneira repentina.
Técnico de enfermagem na área de saúde ocupacional, primeiro em hospital, depois na indústria, seu França militou no sindicato dos enfermeiros, no Recife, e chegou a ser vereador de Olinda. Vestindo um avental branco, os olhos ocultos por trás dos óculos escuros, ele conta que, certa vez, chegou a ser demitido por defender o direito dos trabalhadores.
Atualmente, seu França trabalha no Espaço Ciência, um imenso museu a céu aberto localizado entre Recife e Olinda. No pavilhão de exposições onde desempenha suas funções, há algumas fotos de Chico Science. Fora do prédio, o artista também é lembrado, e a homenagem não poderia ser melhor: desde outubro de 1997 o local onde fica a trilha ecológica do parque leva seu nome. A área, de aproximadamente 20 mil metros quadrados, é o que restou de um manguezal depois dos aterros realizados na segunda metade do século passado sobre o estuário dos rios Beberibe e Capibaribe.
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