A barbárie está em Davos
Este ano o Forum Social Mundial será marcado por mobilizações simultâneas em todo o mundo como um contraponto ao Fórum de Davos. A luta contra a primazia do cálculo financista sobre a vida e da compreensão desta como mero apêndice do lucro é crucial para o futuro da humanidade. A análise é de Gilson Caroni Filho.
Gilson Caroni Filho - cartamaior
Estamos a poucas horas de um novo Fórum Social Mundial que será marcado, não por um encontro único, mas por mobilizações simultâneas em todo o mundo como um contraponto ao Fórum de Davos. Com certeza precisamos avançar nas discussões sobre uma nova ordem econômica e a reformulação da estrutura informativa mundial. Ainda mais quando a imprensa tenta ocultar o evento, dando a entender que houve uma “desistência” dos movimentos sociais na busca por caminhos alternativos à ordem hegemônica.
A história não caminha com a linearidade que alguns acreditam. Por vias transversas muitas previsões, acabam se confirmando. Não enquanto afirmação de um mundo acabado, síntese última, corolário dos corolários. Assim, talvez Fukuyama tenha acertado o desfecho de tramas que, durante décadas, marcaram Davos como epicentro de uma lógica destrutiva.
Se for fato que o capitalismo contemporâneo consolidou-se pela ação de forças e condições materiais identificáveis, temos um sistema passível de intervenção. Se, tal como as formações que lhe antecederam, o mundo do capital foi formado em circunstâncias históricas determinadas, sua superação não só é factível como desejável. Em suma, o lema "um outro mundo é possível" está longe de prenunciar que cinco mil organizações, redes e movimentos de 150 países tenham ido, há dois anos, a Porto Alegre participar de uma festiva "feira ideológica", como destacou a grande imprensa na ocasião. Um happening dos que não agregam valor e são incapazes de avançar além de protestos inconseqüentes. Essa foi a visão que deu a tônica da cobertura.
A necessidade, destacada por Emir Sader, em 2005, de buscar formulações propositivas, deixando para trás "concepções liberais de ONGs que tratam de restringir a luta por uma nova era ao que chamam de "sociedade civil" continua atual. Outro ponto que merece destaque é a importância de se desvencilhar da armadilha ideológica que propõe articulação superestrutural sem intervenção nas relações de dominação. Não há dúvida que é hora de transformar a massa crítica acumulada em uma teoria geral do capitalismo contemporâneo que se pretende combater.
Não se trata de, como destacou, à época, o sociólogo belga François Houtart, fazer do Fórum Social Mundial uma "Quinta Internacional", mas transformá-lo no norte de ação para os vários tipos de atores que dele participam.
Se nos restringirmos, pelos limites exigidos para a publicação desse artigo, à América Latina, teremos um quadro esclarecedor da necessidade de um pensamento crítico que corresponda às exigências da realidade histórico-social do subcontinente. Após duas décadas de neoliberalismo, presenciamos, até bem pouco tempo, economias estancadas pela reconversão de suas estruturas produtivas, taxas recordes de desemprego e a mais alta porcentagem de pobreza da história da região. Pagamentos de juros externos equivalentes a 2,4% do PIB regional superaram, por cinco anos consecutivos, os créditos obtidos.
Foi dessa desdita que surgiu o cenário contra-hegemônico e seus novos atores. Os movimentos indígenas que, em alguns países, exigiram a redefinição de Estado Nacional, os piqueteros que, face à crise argentina obtiveram adesão de segmentos médios, e o MST que, longe de se limitar a uma demanda por redistribuição de terras, continua lutando por uma nova gestão de propriedade e de governo.
São subjetivações sociais, forças emergentes ainda desprovidas da capacidade que, segundo Gramsci, definiria hegemonia: a de exercer uma direção intelectual e moral sobre o conjunto da sociedade. É para elas que o colossal conjunto de redes que compõe o FSM pode, pela articulação horizontal, fortalecer a consciência internacionalista que viabilize ganhos políticos vindouros. O que vemos hoje no Brasil, Argentina, Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador é o embrião do que poderemos ser mais à frente.
A luta contra a primazia do cálculo financista sobre a vida e da compreensão desta como apêndice da geração de valor é crucial para o futuro da humanidade. O capital global e seu Estado hegemônico têm imperativos infinitos de expansão. A necessidade de controlar a maior quantidade possível de recursos naturais estratégicos é, juntamente com o uso indiscriminado de sua capacidade militar, a materialidade solicitada pela reprodução ampliada. Os déficits gêmeos e a desvalorização do dólar não apontam para o surgimento de novos blocos capitalistas que lhe tomariam a primazia.Não é confiável apontar no surgimento de novos centros de poder.
Uma nova ordem monetária com o euro fazendo o papel de moeda-petróleo só seria exeqüível com equilíbrio bélico. O refinanciamento da dívida estadunidense pode levar de roldão toda a economia capitalista. Portanto, não esperemos que venha da Europa, pelo menos no atual bloco histórico, qualquer resistência efetiva à sanha imperialista.
O que preside Davos é um pseudo-rigorismo da matematização dos problemas sociais. Não se sabe se lhe contaram da ameaça que representa o capital orbital de US$ 3 trilhões que gravita em torno do planeta. É provável que a pressão política do FSM tenha levado lideranças governamentais e corporativas a anunciar,sem qualquer compromisso de levar a cabo, a taxação de transações financeiras e a tributação de paraísos fiscais. Mas passados três anos a proposta desapareceu de cena.
Contudo, apesar de qualquer esforço cênico-diplomático, a ponte entre os dois fóruns é historicamente inviável. Não há como unir um "outro mundo possível" com a terra sem sonhos do capitalismo. A sociedade fundada na lei do valor não pode mais superar a si própria. Para eles a história só pode ser escrita como barbárie. É isso que estará sendo discutido dia 26 por todos que apostam no futuro.
A história não caminha com a linearidade que alguns acreditam. Por vias transversas muitas previsões, acabam se confirmando. Não enquanto afirmação de um mundo acabado, síntese última, corolário dos corolários. Assim, talvez Fukuyama tenha acertado o desfecho de tramas que, durante décadas, marcaram Davos como epicentro de uma lógica destrutiva.
Se for fato que o capitalismo contemporâneo consolidou-se pela ação de forças e condições materiais identificáveis, temos um sistema passível de intervenção. Se, tal como as formações que lhe antecederam, o mundo do capital foi formado em circunstâncias históricas determinadas, sua superação não só é factível como desejável. Em suma, o lema "um outro mundo é possível" está longe de prenunciar que cinco mil organizações, redes e movimentos de 150 países tenham ido, há dois anos, a Porto Alegre participar de uma festiva "feira ideológica", como destacou a grande imprensa na ocasião. Um happening dos que não agregam valor e são incapazes de avançar além de protestos inconseqüentes. Essa foi a visão que deu a tônica da cobertura.
A necessidade, destacada por Emir Sader, em 2005, de buscar formulações propositivas, deixando para trás "concepções liberais de ONGs que tratam de restringir a luta por uma nova era ao que chamam de "sociedade civil" continua atual. Outro ponto que merece destaque é a importância de se desvencilhar da armadilha ideológica que propõe articulação superestrutural sem intervenção nas relações de dominação. Não há dúvida que é hora de transformar a massa crítica acumulada em uma teoria geral do capitalismo contemporâneo que se pretende combater.
Não se trata de, como destacou, à época, o sociólogo belga François Houtart, fazer do Fórum Social Mundial uma "Quinta Internacional", mas transformá-lo no norte de ação para os vários tipos de atores que dele participam.
Se nos restringirmos, pelos limites exigidos para a publicação desse artigo, à América Latina, teremos um quadro esclarecedor da necessidade de um pensamento crítico que corresponda às exigências da realidade histórico-social do subcontinente. Após duas décadas de neoliberalismo, presenciamos, até bem pouco tempo, economias estancadas pela reconversão de suas estruturas produtivas, taxas recordes de desemprego e a mais alta porcentagem de pobreza da história da região. Pagamentos de juros externos equivalentes a 2,4% do PIB regional superaram, por cinco anos consecutivos, os créditos obtidos.
Foi dessa desdita que surgiu o cenário contra-hegemônico e seus novos atores. Os movimentos indígenas que, em alguns países, exigiram a redefinição de Estado Nacional, os piqueteros que, face à crise argentina obtiveram adesão de segmentos médios, e o MST que, longe de se limitar a uma demanda por redistribuição de terras, continua lutando por uma nova gestão de propriedade e de governo.
São subjetivações sociais, forças emergentes ainda desprovidas da capacidade que, segundo Gramsci, definiria hegemonia: a de exercer uma direção intelectual e moral sobre o conjunto da sociedade. É para elas que o colossal conjunto de redes que compõe o FSM pode, pela articulação horizontal, fortalecer a consciência internacionalista que viabilize ganhos políticos vindouros. O que vemos hoje no Brasil, Argentina, Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador é o embrião do que poderemos ser mais à frente.
A luta contra a primazia do cálculo financista sobre a vida e da compreensão desta como apêndice da geração de valor é crucial para o futuro da humanidade. O capital global e seu Estado hegemônico têm imperativos infinitos de expansão. A necessidade de controlar a maior quantidade possível de recursos naturais estratégicos é, juntamente com o uso indiscriminado de sua capacidade militar, a materialidade solicitada pela reprodução ampliada. Os déficits gêmeos e a desvalorização do dólar não apontam para o surgimento de novos blocos capitalistas que lhe tomariam a primazia.Não é confiável apontar no surgimento de novos centros de poder.
Uma nova ordem monetária com o euro fazendo o papel de moeda-petróleo só seria exeqüível com equilíbrio bélico. O refinanciamento da dívida estadunidense pode levar de roldão toda a economia capitalista. Portanto, não esperemos que venha da Europa, pelo menos no atual bloco histórico, qualquer resistência efetiva à sanha imperialista.
O que preside Davos é um pseudo-rigorismo da matematização dos problemas sociais. Não se sabe se lhe contaram da ameaça que representa o capital orbital de US$ 3 trilhões que gravita em torno do planeta. É provável que a pressão política do FSM tenha levado lideranças governamentais e corporativas a anunciar,sem qualquer compromisso de levar a cabo, a taxação de transações financeiras e a tributação de paraísos fiscais. Mas passados três anos a proposta desapareceu de cena.
Contudo, apesar de qualquer esforço cênico-diplomático, a ponte entre os dois fóruns é historicamente inviável. Não há como unir um "outro mundo possível" com a terra sem sonhos do capitalismo. A sociedade fundada na lei do valor não pode mais superar a si própria. Para eles a história só pode ser escrita como barbárie. É isso que estará sendo discutido dia 26 por todos que apostam no futuro.
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