sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

PALAVRAS NÃO DEFINITIVAS SOBRE O JORNALISMO ANACRÔNICO

Por Luiz Carlos Azenha (*)

Eu concordo com o Paulo Henrique Amorim: o Jornalismo brasileiro é tecnicamente sofrível, especialmente se comparado aos padrões da BBC, por exemplo. É uma das piores "indústrias" do Brasil. Lá na frente estão a Embraer, a Embrapa, a Gerdau. Aqui atrás, quase na rabeira, estão as nossas grandes empresas de mídia. Eu já lhes disse que não entendo de economia. Mas sei o que significa "fazer" economia.

E, diante da necessidade de cortar custos para possibilitar o investimento em outras áreas, quase todas as grandes empresas da mídia brasileira cortaram pessoal. Cortaram por baixo, pelo meio e por cima. Jornalistas experientes, que ganhavam bem, foram "limados". Os que ficaram desempenham múltiplas tarefas. Os programas que antes eram feitos em três meses hoje são feitos em duas semanas.

Existe alguma explicação para o fato de que a Abril, a Folha e agora a TV Globo controlam uma aula optativa para os alunos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo? É a privatização da USP para atender diretamente à demanda do mercado. Os jovens serão treinados em "técnicas" de Jornalismo de acordo com o manual de cada empresa. Vocês acham isso bom? É a garantia de mão-de-obra dócil e barata diretamente da fonte. Bancada com o dinheiro que você paga em imposto. Ou seja, você está financiando, indiretamente, as famílias Frias, Civita e Marinho.

A briga por uma vaga num dos grandes veículos de comunicação é tamanha que não estranho quando me dizem que os estagiários estão se tornando "soldados" das empresas. É uma reação natural: eles sabem que do bom comportamento depende a vaga e o salário. Ou seja, existe um grande estímulo ao puxa-saquismo, ainda que ele se dê apenas no local de trabalho.

Falo do que conheci por dentro: nos últimos anos, o "aquário" - que é onde se reúnem os chefes - ganhou poder. Os repórteres perderam. A matéria vem pronta de cima. Discordar de uma pauta é um desgaste diário para qualquer repórter quando ele descobre que os fatos não combinam com o formato pretendido. Passamos, então, ao jornalismo de comentaristas. Diz um amigo, do alto escalão da TV Globo, que os comentaristas se tornaram especialistas em tudo. Falam um dia sobre economia, no dia seguinte sobre febre amarela, na quarta-feira sobre futebol, na quinta sobre música, na sexta sobre o apagão elétrico, no sábado sobre nado sincronizado e no domingo sobre culinária. Aliás, eu mesmo ouvi estarrecido um especialista em culinária da TV Record dando palpite sobre o apagão aéreo...

Certa vez, um desses comentaristas fez uma comparação disfarçada entre Lula e o ditador da Coréia do Norte. Eu comentei o assunto com um superior, que me respondeu: "Ah, mas esse cara é o clown". Ou seja, é o palhaço da emissora. Não deve ser levado a sério, presumo. Mas alguém combinou com o público? Há uns dez anos anos, eu poderia ir à TV e falar uma besteira sobre Medicina, por exemplo. As reclamações levariam dois ou três dias para chegar, se chegassem. O mesmo se aplicava ao colunista de jornal. Ele escrevia, o texto era publicado, a carta do leitor levava tempo... Havia um espaço entre ação e reação, que desapareceu.

Hoje eu escrevo esse texto, publico e em menos de cinco minutos tem alguém me escrevendo para dizer que discorda, que estou errado, que não pensei naquele outro aspecto e assim por diante. Quem escreve? São médicos que entendem mais de Medicina do que eu. São engenheiros que entendem mais de Engenharia do que eu. São historiadores que entendem mais de História do que eu. Porém, qual é a reação dos "deuses" do Jornalismo a essa mudança?

Eles continuam tendo como referência apenas a "panela" de algumas dezenas de colegas, que estão no eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Brasília. Hoje, em torno da mídia, existe uma indústria paralela, assim como a instalação de uma indústria automobilística trouxe consigo os fornecedores. Em torno da mídia existem hoje os sites que tratam da mídia, que tratam da crítica da mídia, que tratam das fofocas da mídia, que acham que existe alguma importância se o fulaninho que estava na Folha foi para a Globo ou vice-versa e se a fulana, apresentadora, fez implante de silicone.

Isso ajudou a completar o rompimento dos jornalistas com o "serviço ao público". Raríssimos são aqueles que se propõem a ralar na periferia de São Paulo atrás de uma reportagem socialmente relevante se é possível fazer meia dúzia de telefonemas e "fechar" a reportagem na redação, ouvindo sempre as mesmas "fontes" e "especialistas". Os comentaristas, então, se sentem completamente livres para escrever o que quiserem em nome da liberdade de opinião, como se a existência desta fosse licença para suspender o bom senso, a contextualização e o contraditório.

Daí nascem as conclusões definitivas, as convocações para tomar vacina, as condenações antecipadas...

E esse tipo de Jornalismo soa cada vez mais anacrônico quando, com algumas tecladas, o leitor descobre na internet que não é bem assim, que tem esse outro lado, que um trecho do discurso foi tirado do contexto, que não foi bem isso o que a refém falou. Talvez a História do Jornalismo seja a história do que não foi notícia e do que foi noticiado de maneira apressada e, por isso, com erros - para não falar em distorções e manipulações. Isso passou quase batido na era pré-internet. Agora, respeitar leitores, ouvintes e telespectadores - e ouví-los - é acima de tudo uma questão de sobrevivência.

(*) Luiz Carlos Azenha é jornalista, editor do site Vi O Mundo.

Nenhum comentário: