Mídia vai fazer campanha de desinformação
Em entrevista, o jornalista Miguel Urbano afirma, no entanto, que as mudanças com a saída de Fidel Castro vão preservar o regime socialista
A renúncia de Fidel vai desencadear uma campanha midiática de desinformação de proporções mundiais. Essa é a previsão do jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues, integrante do Partido Comunista Português. Segundo ele, a mídia mente ao afirmar que há uma oposição organizada ao regime em Cuba. “As personalidades e grupos contra-revolucionários carecem de expressão social. São quase folclóricos”, afirma Miguel Urbano, que viveu oito anos em Cuba.
Para o jornalista português, o regime socialista cubano seguirá seu próprio caminho, aperfeiçoando-se dentro de sua lógica. Com relação a uma eventual intervenção externa, como já chegou a cogitar o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, Miguel Urbano afirma que considera a hipótese improvável. “Mas estou certo que, no caso de uma agressão desse tipo, o povo cubano lhe daria a resposta de Abril de 61 quando derrotou em Playa Giron o desembarque mercenário idealizado e financiado pelos EUA.
Brasil de Fato – Qual o significado prático para o povo cubano da renúncia do presidente Fidel Castro? O que pode mudar em Cuba?
Miguel Urbano Rodrigues – São os povos o sujeito da Historia. Mas o fator subjetivo em determinadas situações pode pesar muito. Fidel Castro marcou decisivamente o rumo da história do seu país e da América Latina na segunda metade do século XX. Que pode mudar agora? Nada daquilo que o sistema de poder estadounidense desejaria. Fidel já havia transferido o poder executivo para Raul . A sociedade cubana não é estática. Mas as mudanças vão se inserir na continuidade do regime socialista. Não haverá ruptura com as grandes metas fixadas. Somente mudança de estilo como aliás já vinha ocorrendo.
E, do ponto de vista simbólico, a saída de Fidel Castro pode significar o fortalecimento de movimentos contra-revolucionários?
A mídia, sobretudo nos EUA e na Europa, tem difundido a idéia de que em Cuba existe uma oposição organizada com base popular. É uma inverdade. Residi oito anos em Cuba até 2004, e adquiri a certeza de que as personalidades e grupos contra-revolucionários carecem de expressão social. São quase folclóricos. Fazem muito barulho graças à mídia internacional.
Atualmente na sociedade cubana ocorre um debate interno crítico sobre o regime. Existe uma vontade popular de retorno ao capitalismo ou essa é mais uma pressão que vem de fora para dentro de Cuba?
O discurso de Raul Castro no 26 de Julho de 2007 desencadeou um debate intenso na sociedade cubana. Mas deforma o seu significado defini-lo como crítico do regime. Em milhares de reuniões, nas fábricas, nas escolas, nas cooperativas, nos serviços, no Partido, em todas as Províncias, os cubanos, respondendo a um apelo de Raul, debateram grandes problemas nacionais, expressando sem temor idéias, apresentando sugestões, criticando o que se lhes afigura passível de críticas, mas sempre numa perspetiva de aperfeiçoamento do socialismo e nunca de um regresso ao capitalismo.
Não poucas vezes o presidente George W. Bush anunciou que esperava o afastamento de Fidel Castro para colocar em prática um plano para fazer uma suposta "transição democrática" em Cuba, cogitando abertamente ações intervencionistas...
O presidente Bush carece totalmente autoridade moral e intelectual para se apresentar como árbitro do futuro de Cuba. O seu projecto de “transição” para Cuba tem matizes fascistas.
No contexto da grave crise estrutural do capitalismo estadounidense, considero praticamente improvável uma intervenção militar de Washington em Cuba. Mas estou certo de que, no caso de uma agressão desse tipo, o povo cubano lhe daria a resposta de Abril de 61 quando derrotou em Playa Giron o desembarque mercenário idealizado e financiado pelos EUA.
O governo cubano teme que possa ocorrer uma onda internacional conservadora, coordenada pelos Estados Unidos, pressionando para uma mudança de regime em Cuba?
O povo cubano sabe que a simples decisão de Fidel de não retornar à Presidência desencadeará uma campanha midiática de desinformação de proporções mundiais, caracterizada por cenários fantasistas e especulações sobre o tipo de “mudanças” desejadas pelo imperialismo. Mas não creio que leve muito a sério essa inevitável intrigalhada.
Qual o legado que o governo de Fidel Castro deixa para a América Latina e para os povos?
A Revolução Cubana resiste vitoriosamente há quase meio século a uma guerra não declarada. Dez presidentes dos EUA comprometram-se a destruir o socialismo em Cuba. Foram sucessivamente desmentidos pela história. Essa resistência de Cuba não configura apenas a epopéia coletiva do seu povo. Funcionou como estímulo para os povos da América Latina e do Terceiro Mundo. Confirmou que o poder do imperialismo tem limites. Sem a resistência de Cuba, a Revolução Bolivariana na Venezuela não teria sido possível, e processos como aqueles que estão em curso no Equador e na Bolívia seriam inviáveis.
Quando Fidel adoeceu escrevi que via nele um Aquiles cubano. Identifico no grande revolucionário um herói da Humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário