Cronopiando – Por Koldo Campos Sagaseta
Leio em El País[1] que "Um atentado mata em Damasco um alto dirigente de Hezbolá…" e me pergunto se será um erro do redator que ninguém corrigiu ou se para El País determinados atentados não precisam de sujeito. Ou o que dá na mesma, um terrorista que atente. Porque da leitura da manchete e a notícia o que se desprende é que são os próprios atentados os que atentam.
Persisto, mesmo assim, na leitura da manchete e por fim encontro o que procurava, "…e um dos terroristas mais procurados pelos EUA" esse sujeito que explicara o atentado, esse terrorista que o levara à prática, só que, neste caso, o único terrorista a quem El País faz referencia em sua manchete, é a vítima do atentado. De forma que, poderia inferir-se, um atentado mata um terrorista.
A notícia, bastante extensa graças aos generosos aportes dos arquivos israelenses e estadunidenses, mencionava em 5 ocasiões a palavra terrorista, além da que aparecia na manchete, mas sempre para definir a vítima do "atentado". Se era um dos terroristas mais procurados pelos Estados Unidos, também era um dos terroristas mais perigosos para Israel. Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, McCormack, "era um assassino a sangue frio, um assassino de massas e um terrorista responsável da perda de incontáveis vidas inocentes". Israel, por sua parte, declarava não ter nada a ver com o "atentado" e acusava a "grupos terroristas" de difamar seu bom nome. A quinta oportunidade em que o jornal aludia ao termo terrorista era para falar do grupo terrorista que tinha dirigido a vítima do atentado.
Qualquer leitor poderia coincidir, após conhecer a novelesca biografia da vítima do atentado oferecida pelo jornal, com a sentença que oferecia o Departamento de Estado dos Estados Unidos de que "o mundo é um lugar melhor sem ele", ponto de vista que já expressaram em outras ocasiões que, deveriam considerá-lo, tem o mesmo peso e razão que o expressado pelos que decidiram que o mundo era um lugar melhor sem torres gêmeas.
Imad Mughniyah morreu quando explodiu um carro bomba no interior de um estacionamento em una zona residencial da capital síria, mas obviamente neste caso o carro bomba não era terrorista, também não era a ação, nem seus autores, nem os que os que assinalam os objetivos ou os justificam nos meios de comunicação, nem seus acobertados, nem os que estão no umbral ou se mexem no entorno.
O único terrorista era a vítima do atentado.
Sorte que amanhã, os editoriais bempensantes voltarão a condenar a violência, na espera que outro atentado cobre vida própria, se torne sujeito e predicado, e decida atentar por atentar.
[1] El País: jornal espanhol.
Versão em português: Tali Feld Gleiser de América Latina Palavra Viva.
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