Reyes: Colombia 'não será a exceção' na AL
Kaos en la Red: Quando se pôs em marcha a famosa "Operação Emanuel" (de libertação de prisioneiros das Farc), teve de ser adiada por causa de operações militares do Estado no lugar onde ocorreriam as libertações (departamento de Meta). Qual os objetivos, para as Farc, da tática de Uribe (Álvaro Uribe, presidente da Colômbia), de realizar essas atividades no mesmo lugar da Operação?
Raúl Reyes: Por trás da tática militarista de Uribe, de impedir a libertação dos prisioneiros, sãos e salvos, está a completa recusa desse governo ao intercâmbio e às saídas negociadas. Não lhe importa por em grave risco a vida dos prisioneiros. Afinal, são mais de cinco anos sem que esse governo se interesse em facilitar a libertação dessa gente, produto da assinatura de um acordo humanitário. Isso requer a desmilitarização dos municípios de Pradera e Florida, garantia negada pelo presidente Uribe, e sem a qual as Farc não aceitam entrevistas com funcionários governamentais em lugar algum.
Kaos: Que mudanças haveria para as Farc, e para o contexto colombiano em geral, caso se efetivasse a proposta de Chávez (Hugo Chávez, presidente da Venezuela), de outorgar-lhe o status de ator beligerante?
Reyes: O reconhecimento de beligerância, proposto pelo presidente Hugo Chávez, expressa conhecimento cabal do conflito interno colombiano. Uma solução definidora requer saídas políticas, o reconhecimento da existência de dois exércitos, confrontados por interesses políticos, sociais e econômicos muito distintos. O exército oficial, apoiado pelo paramilitarismo de Estado, e do outro lado o exército formado pelas guerrilhas revolucionárias das Farc e do Exército de Libertação Nacional (ELN).
A troca ou intercâmbio de prisioneiros se dará entre o govdrno e as Farc. Uma das travas colocadas pelo próprio governo colombiano para firmar acordos com a insurgência revolucionária é negar sua existência histórica na vida política da Colômbia. Ele se obnstina em fechar os olhos para uma realidade, que o presidente Chávez, sim, observa com critério bolivariano, com seu generoso empenho em levar a paz aos colombianos. Em lugar nenhum do mundo é possível lograr a reconciliação e a paz entre contendentes sem se reconhecer a existência do adversário político.
Kaos: Qual sua opinião sobre o movimento de 4 de fevereiro contra as Farc, nacional e com ações internacionais? Que comparação se pode fazer com a resposta anunciada para 6 de março pelo Movimento das Vítimas de Crimes de Estado?
Reyes: A marcha do passado dia 4 foi organizada, promovida e financiada pelo governo de Álvaro Uribe. Contou com a ajuda dos meios de comunicação. Os paramilitares chamaram à participação nela. Os funcionários públicos do estado foram forçados a se empenhar nela.As embaixadas e os consulados receberam instruções da chancelaria para que fossem às marchas e solicitassem aos amigos seu apoio em cada país. É a marcha do governo da parapolítica, contra o intercâmbio de prisioneiros e a busca da paz. Com o propósito de gerar ambiente nacional e internacional para promover a segunda reeleição de Álvaro Uribe.
Kaos: Diz-se que as Farc vão libertar mais três ou quatro prisioneiros políticos. Que meta se busca com isso, em nível nacional e internacional? Existirá alguma resposta de Uribe?
Reyes: A libertação dos ex-congressistas uis Eladio Pérez, Gloria Polanco, Orlando Beltrán e Jorge Eduardo Gechen Turbay, e antes de Consuelo González e de Clara Rojas, é um resultado da persistência humanitária e da sincera preocupação pela paz na Colômbia por parte do presidente Hugio Chávez e da senadora Piedad Córdoba. Também é a mais contundente manifestação da vontade de intercâmbio das Farc – o que requer a desmilitarização de Pradera e Florida por 45 dias, com presença guerrilheira e da comunidade internacional como fiadores, para pactuar com esse governo, naquele espaço, a libertação dos guerrilheiros e dos prisioneiros de guerra em poder das Farc.
Kaos:A queda da União Soviética afetou negativamente o comunismo internacional. As Farc acreditam que a retirada de Fidel da presidência do governo cubano afetará o socialismo cubano e consequentemente o auge dos movimentos sociais latino-americanos e os governos de esquerda?
Reyes: Sim, inesperada queda da URSS afetou negativamente boa parte dos partidos comunistas e sobretudo a construção socialista em países da Europa teve um sério e longo retrocesso. A derrubada do socialismo russo mostrou sem lugar para dúvidas grandes falências ideológicas, políticas e estruturais nesse modelo. Se debilitou os partidos, ao mesmo tempo produziu no interior deles a depuração dos elementos farsantes e traidores, que regressaram ao sistema capitalista sem vergonha alguma. Os partidos e seus militantes de convicções sólidas se mantiveram fiéis ao acervo dos clássicos do marxismo-leninismo. Sem se deixarem confundir pela tempestade capitalista proclamando o fim do socialismo, Cuba se manteve, conduzida por seu partido e pelo comandante em chefe dessa revolução triunfante, As Farc, representadas pelo comandante Jacobo Arenas (morto em 1990), condenaram com contundência a traição cozinhada na Rússia por Gorbatchev depois da farsa da Perestroika e da Glasnost. Dissemos naquela época: nem a fome, nem a pobresa, nem a miséria desapareceram da vida dos pobres com a queda do Muro de Berlim e do socialismo; por isso a luta pela libertação dos povos e a construção socialista conserva plena atualidade...
Tal como naqueles tempos, ratificamos uma vez mais que a opção da humanidade é o socialismo.
O comandante Fidel Castro continua a iluminar com luz própria e experimentada a construção do socialismo. O partido, seu povo e o novo chefe de Estado e de governo de Cuba avançam sem descanso pelo caminho traçado por Fidel e seus companheiros de heróica luta.
Kaos: Há alguns anos começaram diversos enfrentamentos entre o ELN e as Farc, em departamentos como Arauca, Nariño, Valle del Cauca e Cauca. Como foi isso? Que repercussão teve no conflito contra o Estado uribista? Que solução as Farc enxergam?
Reyes: Na verdade nada justifica os enfrentamentos armados entre o ELN e as Farc, pois se trata de organizações revolucionárias comprometidas com a criação das premissas da luta pela conquista do poder político para dar início à construção de uma sociedade livre de exploradores e explorados.
Explicar os fatores históricos da contraposição entre as duas forças é sumamente complicado neste espaço, e de maneira alguma considero presente descarregar toda a responsabilidade sobre uma das partes. Ao meu ver, existe culpa de parte a parte, assim como na busca de soluções não se encontra menor ou maior responsabilidade no ELN ou nas Farc. O mais importante, agora, é parar a confrontação entre revolucionários, assumindo nos dois lados o compromisso com a localização dos elementos infiltrados do inimigo que alimentam a discórdia, o desrespeito a combatentes de massas, além de propagar boatos para estimular hostilidades, ou cria-las onde não existem. Estamos em vias de um encontro das duas direções, que ponha fim a essa situação e fortaleça a unidade de ação, para consolidar a luta contra o imperialismo e a oligarquia, pela nova Colômbia, a Pátria Grande e o socialismo.
Kaos:Em 1987 criou-se a Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar, uma coalizão de grupos insurgentes (ELN, Farc M-19, EPL, Frente Quintín Lame, MIR, PRT). Hoje seria positivo, e possível, recriar a Coordenadora para unir o projeto revolucionário contra o governo de Uribe?
Reyes: A unidade da esquerda revolucionária, onde estão as guerrilhas do EPL, ELN e das Farc, é uma necessidade de ordem estratégica. O nome da Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar se situa justamente dentro desta convicção bolivariana. No entanto, o mais importante é superar a forma fatal de superar diferenças.
Kaos: As Farc foram fundadas como audodefesa dos camponeses e mais tarde seu objetivo foi a conquista do poder estatal para fazer a revolução socialista. Atualmente a tática-estratégia parlamentar tem sido a mais utilizada pela esquerda latino-americana, desde a vitória de Hugo Chávez em 1998. As Farc continuam a defender a possibilidade de chegar ao poder através da luta armada, ataque? Ou só usam essa tática como defesa contra a repressão, com possibilidade de futuras reformas esquerdistas em um governo mais social-democrata?
Reyes: As Farc são uma organização político-militar que aplica a combinação de todas as formas de luta revolucionária pela conquista do poder. Coerentes com esta declaração de princípio, não subestimam a via eleitoral, através de uma grande coalizão de forças antiimperialistas, bolivarianas, progressistas, revolucionárias, com um programa de governo que garanta a suoperação da crise, comprometa-se com o intercâmbio de prisioneiros e com saídas políticas para o conflito interno dos colombianos. Esta idéia está explícita em nossa Plataforma Bolivariana e no manifesto assinado por nosso Secretariado, por um novo governo que assegure a paz com democracia e justiça social.
Kaos: Nos anos 80, depois das negociações de paz com Belisario Betancourt, foi fundada a União Patriótica, como referência da esquerda e de uma possível negociação de paz. Com a elevada repressão, os milhares de assassinatos nas filas da UP, as Farc repensam a possibilidade dessa estratégia como caminho da paz?
Reyes: O genocídio contra a União patriótica e uma parte considerável do Partido Comunista Colombiano, a cargo do terrorismo de Estado, demonstrou ao mundo a intolerância criminosa da classe governante de meu país, que incita os revolucionários a engrossar as filas guerrilheiras, para salvar suas vidas e manter a luta política de armas na mão. A UP foi liquidada, a tiros, pelos inimigos da saída política. Fato que obriga a privilegiar o trabalho clandestino, como o Partido Comunista Clandestino e o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, cuja militância, para sobreviver e crescer, se mantém clandestina.
Kaos: Como as Farc enxergam a situação na América Latina a partir da onda de governos progressistas, junto com outros diretamente revolucionários?
Reyes: Observa-se na América Latina uma virada positiva à esquerda revolucionária, com a liderança de governos antmperialistas, progressistas, independentes, bolivarianos, a caminho do socialismo, com o compromisso de cumprir o mandato do Libertador, de proporcionar aos seus povos a maior soma de felicidade possível. A Colômbia não será a exceção. Como bolivarianos, em meio à confrontação com o governo da ultradireita fascista e paramilitar, vamos pelo mesmo caminho, nada nem ninguém nos impede.
Kaos: Qual o papel da solidariedade antiimperialista como muro de contenção?
Reyes: O caminho está no fortalecimento da luta antiimperialista, progressista, e da esquerda revolucionária com o propósito de unir esforços, aprender com a experiência de cada lugar, cerrar fileiras contra os sinistros planos dos impérios e das oligarquias nativas empenhadas em se perpetuar no poder às custas da destruição das organizações e projetos políticos contrários a suas políticas de exploração, espoliação, enriquecimento ilícito, narcotráfico, corrupção, opressão, pobreza e miséria jogadas sobre os povos do continente. Impõe-se incrementar o internacionalismo, como expressão da solidariedade de classe.
Nota: As perguntas foram formuladas antes da libertação dos quatro ex-congressistas, mas respondidas depois dela.
Créditos:vermelho
Fonte: www.rebelion.org
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