Agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente (1) | | | |
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha | |
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Já escrevi nesta coluna sobre como, por uma destas viradas da vida, passei, há pouco mais de dois anos, a escrever artigos sobre temas ligados à criação animal e ao processamento de carnes, o que me levou a freqüentar feiras ou encontros científicos ligados ao agronegócio. Nas palestras a que assisto nesses eventos, noto alguns aspectos constantes, como comentários (obviamente acríticos) enaltecedores das virtudes do agronegócio em termos de participação e expansão do PIB, geração de empregos, volume de exportações etc. É corriqueiro ainda perceber um enfoque, subjacente ou explícito, de defender-se ou procurar-se sempre mais e mais crescimento, esta insana e insustentável obsessão da economia.
Por outro lado, também vejo muitas ressalvas à questão ambiental do tipo: "e podemos crescer ainda respeitando o meio ambiente". Tenho cá as minhas dúvidas sobre a sinceridade destas afirmações e o quanto elas refletirão a realidade dos nossos campos. Para mim, parecem discursos vazios, incluídos apenas porque o tema está na moda e porque certos países importadores são rigorosos neste quesito. Mas qual é a relação real entre agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente? Não pretendo, obviamente, esgotar o assunto, que daria material para um livro inteiro. Mas pretendo aqui estabelecer um contraponto crítico a esta visão dogmática reinante.
Em primeiro lugar, considero que usar o termo "agronegócio" já é problemático de saída, pois ele abrange setores bastante distintos em termos econômicos e sociais, colocando coisas muito diferentes num mesmo balaio. Por exemplo, o setor da soja abrange uma produção rural altamente mecanizada (portanto geradora de poucos empregos), com propriedades de tamanhos diversos (menores na região Sul e de grandes a enormes no Centro-Oeste, Norte e em parte do Nordeste). Em termos de processamento e exportação, o setor é dominado por poucos e fortes grupos intermediários, uma porção substancial deles de origem estrangeira (as famosas empresas do grupo ABCD: ADM, Bunge, Cargill e DuPont). O processamento também não é muito sofisticado (logo não gera muitos empregos) e uma parte do dinheiro que entra com as exportações sai de volta na remessa de lucros, pagamento de royalties e ‘otras cositas’ do gênero. Aliás, os governos gostam de falar só na balança comercial do país, mas escondem ao máximo a balança de pagamentos, que é tudo que entra menos tudo que sai de dinheiro. Isto porque esta última é minguada, minguada, e divulgar estes dados evidenciaria a real contribuição (ou a falta dela) ao país.
Já o setor de frangos, por exemplo, possui uma lógica bastante diferente. A produção é concentrada no sul do país, em pequenas propriedades integradas a grandes empresas, em sua maioria de capital nacional (Aurora, Perdigão, Sadia etc.), e o setor possui uma maior agregação de valor que no caso anterior, portanto gerando mais empregos. O dinheiro das exportações não volta ao exterior, como no caso da soja.
E assim poderíamos seguir com cada um dos principais setores ligados ao campo: álcool/açúcar, gado, milho, suínos, tabaco (sim, infelizmente um dos setores nos quais o Brasil se destaca), laranja, arroz e produtos florestais, madeireiros e não madeireiros. Cada um apresenta suas especificidades em termos de regionalização, nível de mecanização da produção, tamanho das propriedades, presença e nacionalidade de processadores/empresas intermediárias, número de empregos gerados, nível de agregação de valor ao produto etc. E as diferenças obviamente seguem também no campo ambiental.
Então, não há essa relação absoluta que se quer estabelecer entre agronegócio considerado como um bloco monolítico e desenvolvimento do país. Há que se pensar em cada cultura separadamente. Há setores que promovem mais emprego, renda e geração de divisas e setores que geram menos de tudo isto. Seria preciso ainda, a meu ver, considerar a contribuição de cada setor em termos relativos e comparativos a outros setores industriais e de serviços. Assim, para cada cultura, quantos empregos são produzidos por milhão de reais de receita, de lucro, de exportação ou de qualquer outro índice relativo que permita comparações, geralmente obscurecidas por números absolutos? Este índice é certamente maior para a maioria dos setores industriais e de serviços quando comparados à maioria dos setores do agronegócio. Para exemplificar, a produção de um milhão de reais em chips de computador seguramente gera muito mais empregos que o mesmo valor em grãos de soja.
Seria interessante também avaliar e comparar como a renda é distribuída ao longo de toda a cadeia produtiva. Aqui, imagino que alguns poucos setores agrícolas (baseados em propriedades menores, por exemplo) estejam melhores que certos setores industriais. Embora, no geral, o nosso sistema econômico atual trabalhe sempre com uma grande desigualdade na distribuição da riqueza gerada.
No item comércio exterior, se formos pensar em primeiro lugar na nossa população e país, concluiremos que é um absurdo exportarmos tanta comida, quando ainda há bolsões de fome e miséria no país. Neste caso, pouco importa se a culpa é do agricultor, do intermediário, do exportador, do governo ou do sistema. O que importa é que isto é, conceitualmente, um disparate e os governos deveriam ser firmes na reversão deste quadro. Mais absurdo ainda é exportarmos litros e mais litros de combustível (e querermos exportar mais ainda), produto com baixíssimo valor agregado, ocupando (e ampliando) espaço de terras produtivas e ajudando o desenvolvimento de outros países, sem nem ao menos termos completado a conversão de toda a nossa matriz de transportes.
Mas nos quesitos de emprego e renda, a agricultura poderia dar uma contribuição muito maior ao desenvolvimento do país com algumas modificações na estrutura do modelo adotado. Por exemplo, deveríamos contar com um plano decente de reforma agrária, com apoio técnico qualificado e constante após a distribuição de terras e também critérios mais claros e objetivos para a cessão de terras, controle do uso e punição de eventuais abusos. Deveríamos incentivar mais fortemente a agricultura familiar. Outros pontos interessantes são o favorecimento do cooperativismo e o incentivo ao estabelecimento de agroindústrias pelas próprias cooperativas.
Finalmente, seria necessário exercer um maior controle sobre a atuação dos intermediários no processo (agroindústrias, esmagadoras, processadoras, usinas, frigoríficos) para evitar a exploração do produtor, a formação de cartéis, a uniformização de preços. Com tudo isto, a distinção entre agronegócio, agricultura familiar e reforma agrária poderia aos poucos ir tornando-se menos aguda e ideologizada.
Isto tudo no quesito desenvolvimento. E no campo ambiental, preocupação tão relevante para esta coluna e colunista quanto a social? Aqui também quase todos os setores do chamado agronegócio patinam, mas isto é assunto para o próximo artigo.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews. E-mail: rogcunha@hotmail.com
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