segunda-feira, 21 de abril de 2008

Brasil na rota da turbulência





Fernando Silva

A elevação da taxa de juros anunciada pelo Banco Central e a explosão dos preços dos alimentos e do petróleo são acontecimentos que podem colocar o Brasil mais rapidamente próximo de um cenário de turbulência econômica e social.

O aumento dos juros deve-se à intocável ortodoxia neoliberal que rege a política econômica do governo Lula. Ortodoxia que não aceita que qualquer fundamento ameace a "estabilidade" da remuneração ao capital financeiro. Cresceu a economia e cresceu o consumo? Pode isso gerar um aumento da inflação que fure as metas estabelecidas pelo Banco Central para atender aos ditames do Consenso de Washington? Na dúvida, aumentam-se os juros e estrangula-se ainda mais o Orçamento para gastos sociais.

O efeito imediato é um aumento de R$ 295 milhões de reais da dívida pública. Nem pensar em mexer nas metas de superávit primário — a porcentagem da riqueza nacional reservada pelos governantes para pagar os juros da dívida, que bateu R$ 109 bilhões entre fevereiro 2007 e fevereiro de 2008. Esse dinheiro é diretamente "extorquido" do Orçamento da União. Do ponto de vista da economia real, segundo admite o próprio presidente do Ipea, Marcio Pochmann, o aumento dos juros já terá impactos visíveis no segundo semestre deste ano.

A bolha das commodities

A explosão dos preços dos alimentos tem na sua raiz o aumento da demanda (procura) mundial por alimentos, insumos e energia após um ciclo de cinco anos de crescimento contínuo, especialmente em países superpopulosos como China e Índia. Mas é cada vez mais relevante a percepção de que estamos em meio a uma "bolha" (supervalorização) no mercado das commodities (os produtos minerais, pecuários e agrícolas com preços mundialmente negociados). Esta nova bolha ainda está em fase de expansão. A alta do petróleo, do ouro e dos alimentos atrai novas montanhas de recursos de investidores, ávidos por lucros rápidos após o desastre dos títulos imobiliários norte-americanos.

É por esse caminho que o Brasil pode estar entrando ainda mais abruptamente num furacão. A opção do governo por colocar o país na vanguarda da exportação de commodities e na produção de agro-combustíveis pode contribuir decisivamente para uma maior dependência e vulnerabilidade do país diante da explosão dos preços dos produtos agrícolas.

O Brasil já é o maior importador mundial de trigo. Recomenda-se a leitura do artigo de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, publicado na Folha de S. Paulo de 17 de abril, com novos dados da redução da área de plantio de alimentos no país, em função da agressiva expansão da indústria do etanol.

Pode, portanto, atender pelo nome de crise alimentar a nova tempestade mundial que se avizinha e que, ainda que precedida de uma inquietante calmaria no Brasil, já tem explosões evidentes pelo mundo, como nos recentes protestos massivos no Haiti da população faminta e espoliada, vítima agora dessa alta incontrolável dos alimentos. Protestos, aliás, tratados a bala pelas tropas da ONU, comandadas e constituídas principalmente pelas forças armadas desse autêntico governo brasileiro do agronegócio.

Escolhas conscientes

Esta situação não é produto apenas do cenário internacional. É um insulto à inteligência do cidadão que o presidente Lula venha a público enganar a população criticando o aumento dos juros, e que parceiros seus de governo, como o PCdoB, façam programas de TV para dizer que o governo Lula melhorou o país e que o problema é a "turma que quer aumentar os juros".

Quem nomeia presidente do Banco Central é o presidente da República. Ou seja, quem entregou o controle da economia para o mercado financeiro foi o governo Lula. Quem optou por não tocar nos fundamentos de uma política neoliberal no país, em manter o superávit primário, o endividamento público, foi o governo Lula. Ninguém mais.

E também é o caso da opção pelo agronegócio, em completo detrimento da política de reforma agrária e da preservação da segurança alimentar do país.

Jornada de lutas e de denúncia

As jornadas de luta do MST em abril, em particular as ações desta semana, tiveram o grande mérito de colocar ainda mais holofotes sobre esse problema.

Enquanto BNDES, Petrobras e Banco do Brasil dão empréstimos e investimentos polpudos para o negócio do etanol, o governo federal rompe, ano após ano, um simples acordo de construir seis mil casas para trabalhadores sem-terra assentados. Este fato simboliza a opção deste governo pelo estrangulamento da reforma agrária em troca do agronegócio capitalista, cada vez mais concentrador de propriedade e de terra.

Vai estar na agenda dos movimentos sociais da classe trabalhadora e da esquerda socialista a denúncia e a constituição de formas de luta unitárias, para começarmos a nos preparar para enfrentar essa turbulência que está a caminho e que pode penalizar sobremaneira os mais pobres.

Fernando Silva, jornalista, membro do conselho editorial da revista Debate Socialista e membro do Diretório Nacional do PSOL.

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