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Marcello Cerqueira | |
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Nem sempre foram tão estreitas as relações entre os governos dos Estados Unidos e da Colômbia. Em 1903, os colombianos não puderam reagir aos norte-americanos que promoveram e seus fuzileiros navais garantiram um levante “separatista” colombiano que resultou a “independência” do Panamá (até então apenas um dos estados-membro da Colômbia), cujo governo logo concedeu aos norte-americanos direitos perpétuos sobre o Canal do Panamá. Mais tarde, o governo dos Estados Unidos ofereceria 25 milhões de dólares à Colômbia a título de indenização pelo uso do Canal. Grupos conservadores do Pentágono e do Senado norte-americanos nunca se conformaram com o tratado Carter-Torrijos, de 1977, que comprometeu os Estados Unidos a devolver, embora em etapas, a estratégica Zona do Canal para os panamenhos, o que poderia reabrir a chaga aberta com a expropriação de 1903 por grupos nacionalistas colombianos. Essa é a razão oculta que dá origem ao reforço da presença norte-americana na Colômbia a pretexto de combater o que chama de narcoterrorismo e afinal a concretização do acordo chamado “Plano Colômbia”, em que o governo Clinton formaliza com governo colombiano de Andrés Pastrana (1998-2002) uma “ajuda” que vai chegar a US$ 4,15 bilhões de dólares nos últimos anos, armamentos militares modernos como versões sofisticadas de helicópteros Black Hawk, aviões de vigilância eletrônica RC-7, aviões Awacs, além – e isto é muito grave – de uma poderosa rede de radares espiões voltada para a Venezuela, para o Equador e para Amazônia brasileira (grifei Amazônia brasileira), instrutores militares (eufemismo para a presença de efetivos militares, como no Vietnam), a base Militar em Manta, alem da ação desenvolta dos agentes da CIA e do Departamento antidrogas (DEA) e de famosas corporações militares “privadas” como a DynCopr, a ManTech, a TRW e a Matcom, especializadas em “assessorar” governos na produção de informações, contra-informações e inteligência. Disso resulta, já no governo do segundo Bush, e após o episódio de 11 de setembro de 2001 e a posse do presidente Alvaro Uribe Vélez, eleito em meio a um processo caracterizado pelo recrudescimento da violência e um abstencionismo superior a 52% com base no programa “Segurança Democrática”, que a guerrilha colombiana, ativa desde 1959, será batizada como guerrilha narcoterrorista, embora não existam ‘terroristas” na América do Sul, como assinalam a ONU e o governo brasileiro, por exemplo. Bom lembrar que o jornalista Joseph Contreras, da revista norte-americana Newsweek, então observou que nos fins dos anos 70 Álvaro Uribe, quando exercia o cargo de presidente da municipalidade de Medellín, trabalhou nos planos de habitação financiados por Pablo Escobar: “Medellín sin tugúrios”, “Medellín Cívico” foram os programas que tornaram Escobar uma “cidadão ilustre e benfeitor”. Entre março de 1980 e agosto de 1982, época do florescimento dos cartéis da droga, Uribe foi Diretor da Aviação Civil, cargo que lhe permitiu conceder licenças para pilotos e autorizações de construção de pistas para os narcotraficantes. Nos anos 90, ao ser eleito Governador de Antioquia, promoveu a criação das Cooperativas de Segurança Privada “Convivir”, iniciativa destinada a legalizar o paramilitarismo. Como se recorda, Uribe sucedeu a Andrés Pastrana, cujo governo não obteve êxito no acordo com as FARC, e foi sucedido por Ernesto Samper, eleito presidente da Colômbia, em 1994, com financiamento dos Cartéis de Cali e de Medellín e cuja posterior nomeação para embaixador em Paris, por Uribe, levou o ex-presidente Pastrana a renunciar ao posto de embaixador, que então ocupava em Washington, por considerar moralmente incompatível pertencer ao mesmo corpo diplomático que Samper. Como também se recorda, em 1990, a tentativa do grupo guerrilheiro colombiano do agrupamento M-19, formado por partidários de Rojas Pinilla, que resolveram voltar à vida civil e participar da política partidária e a via eleitoral, como os sandinistas da Nicarágua e os integrantes da Frente Farabundo Marti em El Salvador, foram exterminados – mais de três mil – pelos grupos paramilitares tradicionalmente ligados a Uribe. A política que Uribe desenvolve na Colômbia esclarece os enfrentamentos militares que pratica para manter sua popularidade interna e conseguir reformar novamente a Constituição para lograr um terceiro mandato, após perder as eleições municipais nas principais cidades do país, como Bogotá, Medellin, Cali. É expediente guerreiro para desviar a atenção dos colombianos para a avaliação do seu governo, que se mantém sob a chantagem da guerra supostamente representando a paz. Na verdade, o governo de Uribe necessita da continuidade da guerra. Lembra-se que dois ministros de Uribe foram afastados pela Justiça e 34 deputados do seu partido foram cassados por envolvimento com o narcotráfico. Os serviços de inteligência dos Estados Unidoa e o governo Uribe sabiam que Raúl Reyes, principal negociador das FARC, estava em Putumayo, no Equador e próximo à fronteira com a Colômbia para reunir-se com a senadora colombiana Piedade Córdoba e com representantes diplomáticos franceses para dar curso ao acordo humanitário que previa a libertação de reféns, inclusive da ex-senadora Ingrid Betancourt. Assim como antes, a mediação do presidente Chavez permitiu a libertação de Clara Rojas, Consuelo González, Jorge Eduardo Gechem, Gloria Polanco, Luis Eladio Pérez e Orlando Beltrán, “prejudicou” os planos continuístas de Uribe, a provável libertação da senadora franco-colombiana poderia afastá-lo do terceiro mandato, já se vê. O massacre do grupo guerrilheiro colombiano enquanto dormiam dá bem a medida da guerra de sangue do presidente Uribe e de sua oposição a qualquer esforço humanitário que entenda minar sua autoridade. Na seqüência, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, afirmou ao jornal francês Le Parisien, que a morte do número dois das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia por militares colombianos “é um erro, um golpe muito duro para o processo de paz e para as negociações que visam a libertação dos reféns”. Em meio à condenação geral pelo massacre, e a cautelosa reprimenda da OEA, o governo Bush expressa seu integral apoio a Uribe afirmando que “A mensagem de nosso país ao presidente Uribe e ao povo colombiano é que estamos ao lado do nosso aliado democrático”. A mensagem se dá ao mesmo tempo em que a proposta do presidente Bush de manter a política de tortura aos presos políticos em Guantánamo é aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos, apesar da forte oposição dos democratas. O governo Alvaro Uribe é o maior obstáculo para a criação de uma zona neutra e segura que permita a libertação e a troca de prisioneiros e o início da desmilitarização das FARC, com garantias multilaterais de que não se estará a repetir o massacre da desmilitarização do M-19.
Tanto mais difícil quando se sabe que não interessa à política dos Estados Unidos a integração econômica e política do nosso continente. Os fabricantes de guerra já estão instalados em nossas selvas, em nossas fronteiras. A Amazônia é, ninguém ignora, objeto de cobiça internacional. A agressão operada contra a soberania do Equador é grave precedente que ameaça nossa imensa fronteira, sem marcos delimitatórios e sem suficientes guarnições militares a protegê-la.
Pode a política dos Estados Unidos substituir o que hoje chamam de “imposição da paz” com guerra ao terrorismo no Iraque ou no Afeganistão, por um tipo de política salvacionista do “meio ambiente” ameaçado pela inércia – poderão dizer – do governo brasileiro de preservar a Amazônia brasileira. De há muito, nossas Forças Armadas estão atentas a isso e também o governo brasileiro, que mantém uma política externa compatível com os interesses do país.
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