Se é possível registrar uma atualização constante do conceito já velho de séculos que Marx introduziu ao se referir à "cretinice parlamentar", algo de tão incisivo tem que ser encontrado em relação às barbaridades que nos são constantemente propiciadas pela insolência imperialista de sucessivos governos norte americanos, e a forma leniente com que são recebidos pelos grandes meios de informação.
Está lá nas páginas de O Globo, em sua edição de primeiro de agosto, numa discreta chamada de canto de primeira página: "EUA irão reter laptops de passageiros". E lá na página 37 vem o aterrorizante detalhamento da brutalidade legalizada contra a privacidade individual, a ser praticada contra o portador de qualquer equipamento capaz de abrigar dados e informações, a despeito de haver ou não suspeita sobre ele. Trata-se de medida deliberada, não por lei amplamente debatida no Congresso, mas, por "pacote de fiscalização das fronteiras recentemente divulgado pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos". Por tal pacote, pen drives ou até textos podem ser recolhidos por tempo indeterminado, com a promessa de que cópias serão destruídas caso nada de questionável seja encontrado. Ou seja; em princípio, tudo é copiado e arquivado.
Louvável que a notícia tenha sido dada, mesmo que sem nenhum comentário pejorativo nos mini-editoriais com que o jornal costuma fulminar seus leitores, ao marcar sua opinião sobre episódios mais gritantes. Porque, na pretensamente liberal Folha de S.Paulo, o outro jornal que li na mesma data, sequer foi citado. A omissão foi total. Mas não é passível de reflexão crítica a diferença de tratamento para as iniciativas episódicas contra o não menos condenável bloqueio de sítios da internet que o governo chinês tentou impor em um primeiro momento dos Jogos Olímpicos?
Esta diferença datada de tratamento jornalístico de fatos simultâneos apenas corrobora algo que vem marcando os critérios adotados pelos grandes meios de comunicação, principalmente a partir da consolidação hegemônica conjuntural da ordem capitalista neoliberal, na esteira da decomposição do leste europeu e do seu chamado "socialismo real". Critérios que, por exemplo, noticiam "en passant" os testes de mísseis portadores de poder nuclear constantemente realizados pelo governo do Paquistão, para arrepio da vizinha Índia, ao mesmo tempo que arrotam a imensa preocupação com a construção de ´"ameaçadores" geradores de energia nuclear no Irã, sem levar em conta que essa é forma como se distribui cerca de 80% da eletricidade na França.
Critérios, por exemplo, que sempre tratam ações devastadoras do exército sionista de Israel sobre populações civis da Palestina ocupada como "retaliação" legítima a atos terroristas do Hamas, sem nunca se preocupar em divulgar a quantidade gigantesca de armamento militar de última geração, fornecido a fundo perdido pelos aliados ianques, e às mais de 150 ogivas nucleares que todo mundo sempre soube estarem armazenadas em território israelense, fato tornado público recentemente – sem muito destaque, é claro – pelo ex-presidente Jimmy Carter. Pelo contrário; ameaçadores são os artefatos caseiros com que os resistentes à ocupação substituíram os reconhecidamente ineficientes estilingues simbólicos da Intifada.
Critérios, por exemplo, que caracterizam o governo corrupto e comprometido com as criminosas milícias paramilitares de Uribe , como democraticamente eleito, ao mesmo tempo que retratam sempre negativamente os verdadeiramente democráticos governos de Chavez, Correa e Evo Morales.
Quem sabe a "cretinice parlamentar" não tivesse sua atualização garantida por uma parceria com uma incontestável "cretinice midiática"?
Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos. |
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