Não Existe Um Povo Brasileiro
Mário Maestri*
A cultura, língua, história, tradições, etc. luso-brasileiras não podem e não devem ser tidas como as únicas do Brasil. Isso constitui desrespeito e agressão às outras nacionalidades do país, sobretudo porque, sendo essa nação “um país típico de imigração”, “não existe”, no frigir dos ovos, “um povo brasileiro”, mas um “Estado brasileiro, no qual vivem diversos povos”, descendentes de lusitanos, de alemães, de italianos, de africanos, etc. O Brasil deve “servir de pátria” para “todos os povos” de sua terra.
O Estado brasileiro não deve assegurar privilégios, mas garantir a todas os grupos étnicos que constituem a comunidade nacional, “equivalentes e equiparados” direitos de língua, cultura, escola, etc. O reconhecimento ao ensino da história singular de cada comunidade constitui elemento fundamental, “porque somente então” cada uma delas “se reconhecerá como um fator que faz história, e saberá se libertar da sua posição de inferioridade [...].”
O monopólio político do “luso-brasileiro” deve dar lugar à representação dos diversos grupos étnicos, já “que nada há, neste mundo, que não tenha sido criado pelos homens – e mesmo que no momento pareça solidamente construído – nada há que não possa ser [...] reconstruído pelos mesmos.” “Brasilidade é e somente pode ser o sentimento de profunda união com o solo [...] e a nação brasileira, [...], sem nenhuma tendência de imperialismo étnico por parte de qualquer etnia isolada”, já que o Brasil deve “servir de pátria” “para todas as raças e todos os povos representados no país” e não apenas ao luso-descendente.
Essa proposta de democratização do Brasil, através de sua racialização, ou seja, do reconhecimento dos direitos de expressão, organização e representação singular dos diversos grupos étnicos que integram a comunidade nacional, que sintetizamos, foi apresentada, em Benneckenstein, em 19-22 de março de 1937, no 3º Congresso Anual do Círculo Teuto-Brasileiro de Trabalho de Berlim, na Alemanha nazista. [1]
Destaque-se que esse programa racista procuravam interpretar direitos democráticos efetivamente desrespeitados, sobretudo das comunidades rurais teuto-brasileiras do sul do Brasil, mantidas, mais ou menos, nos cem anos anteriores, com destaque para o período imperial, em inferioridade lingüística, cultural e política, apesar de importante contribuição à sociedade nacional.
A retórica racial nazista enfatizava, corretamente, o monopólio luso-brasileiro, absolutizando as aparências raciais e desconhecendo as essências sociais. Literalmente soterrava o fato de que o monopólio era exercido prioritariamente por classe dominante com luso-ascendência, e não por aquela comunidade como um todo. Essa interpretação racial da realidade social era imprescindível à conquista nazista do direito de representação dos teuto-brasileiros, no contexto de novas instituições nacionais que mantivessem a velha ordem classista, também em relação à comunidade explorada de origem alemã.
A retórica racista encobriu sempre a militância anti-social nazi-fascista. O poder fora entregue pelo capital, na Itália, ao fascismo, em 1922, e na Alemanha, ao nazismo, em 1933, para jugularem o movimento operário que assaltava a ordem capitalista, restaurando hegemonia e dominação fraturadas. No Brasil e no mundo, as propostas de racialização almejavam substituir os interesses comuns dos explorados por identidades fantasmagóricas de etnia, consolidando e não superando a opressão de classe.
O fato de que essa proposta impugnava a construção-consolidação de Estado-nação brasileiro, mesmo sob hegemonia das classes dominantes nacionais, então em fortalecimento, explica o comportamento contraditório dessas últimas, expresso pela ditadura de Getúlio Vargas – simpatia ideológica ao nazi-fascismo e repressão à sua organização e desenvolvimento no Brasil.
O programa de racialização nazi-fascista foi combatido pela política de nacionalização autoritária do Estado Novo [1937-45] e superadas com a derrota do Eixo, em 1945. Sobretudo, foi ultrapassado pela integração das comunidades de descendentes de italiano e alemães e com o fortalecimento do Estado-nação ensejado pelo empuxe nacional-desenvolvimentista. Nos dias atuais, também no Brasil, a mundialização capitalista enseja a retomada das propostas de racialização, como meio de fragilização do movimento social e dos vínculos nacionais dos Estados periféricos.
* Mário Maestri, 59, é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net
O Estado brasileiro não deve assegurar privilégios, mas garantir a todas os grupos étnicos que constituem a comunidade nacional, “equivalentes e equiparados” direitos de língua, cultura, escola, etc. O reconhecimento ao ensino da história singular de cada comunidade constitui elemento fundamental, “porque somente então” cada uma delas “se reconhecerá como um fator que faz história, e saberá se libertar da sua posição de inferioridade [...].”
O monopólio político do “luso-brasileiro” deve dar lugar à representação dos diversos grupos étnicos, já “que nada há, neste mundo, que não tenha sido criado pelos homens – e mesmo que no momento pareça solidamente construído – nada há que não possa ser [...] reconstruído pelos mesmos.” “Brasilidade é e somente pode ser o sentimento de profunda união com o solo [...] e a nação brasileira, [...], sem nenhuma tendência de imperialismo étnico por parte de qualquer etnia isolada”, já que o Brasil deve “servir de pátria” “para todas as raças e todos os povos representados no país” e não apenas ao luso-descendente.
Essa proposta de democratização do Brasil, através de sua racialização, ou seja, do reconhecimento dos direitos de expressão, organização e representação singular dos diversos grupos étnicos que integram a comunidade nacional, que sintetizamos, foi apresentada, em Benneckenstein, em 19-22 de março de 1937, no 3º Congresso Anual do Círculo Teuto-Brasileiro de Trabalho de Berlim, na Alemanha nazista. [1]
Destaque-se que esse programa racista procuravam interpretar direitos democráticos efetivamente desrespeitados, sobretudo das comunidades rurais teuto-brasileiras do sul do Brasil, mantidas, mais ou menos, nos cem anos anteriores, com destaque para o período imperial, em inferioridade lingüística, cultural e política, apesar de importante contribuição à sociedade nacional.
A retórica racial nazista enfatizava, corretamente, o monopólio luso-brasileiro, absolutizando as aparências raciais e desconhecendo as essências sociais. Literalmente soterrava o fato de que o monopólio era exercido prioritariamente por classe dominante com luso-ascendência, e não por aquela comunidade como um todo. Essa interpretação racial da realidade social era imprescindível à conquista nazista do direito de representação dos teuto-brasileiros, no contexto de novas instituições nacionais que mantivessem a velha ordem classista, também em relação à comunidade explorada de origem alemã.
A retórica racista encobriu sempre a militância anti-social nazi-fascista. O poder fora entregue pelo capital, na Itália, ao fascismo, em 1922, e na Alemanha, ao nazismo, em 1933, para jugularem o movimento operário que assaltava a ordem capitalista, restaurando hegemonia e dominação fraturadas. No Brasil e no mundo, as propostas de racialização almejavam substituir os interesses comuns dos explorados por identidades fantasmagóricas de etnia, consolidando e não superando a opressão de classe.
O fato de que essa proposta impugnava a construção-consolidação de Estado-nação brasileiro, mesmo sob hegemonia das classes dominantes nacionais, então em fortalecimento, explica o comportamento contraditório dessas últimas, expresso pela ditadura de Getúlio Vargas – simpatia ideológica ao nazi-fascismo e repressão à sua organização e desenvolvimento no Brasil.
O programa de racialização nazi-fascista foi combatido pela política de nacionalização autoritária do Estado Novo [1937-45] e superadas com a derrota do Eixo, em 1945. Sobretudo, foi ultrapassado pela integração das comunidades de descendentes de italiano e alemães e com o fortalecimento do Estado-nação ensejado pelo empuxe nacional-desenvolvimentista. Nos dias atuais, também no Brasil, a mundialização capitalista enseja a retomada das propostas de racialização, como meio de fragilização do movimento social e dos vínculos nacionais dos Estados periféricos.
* Mário Maestri, 59, é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net
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