Uruguai teme riscos de grande emigração e baixa natalidade
Duas recentes pesquisas realizadas no Uruguai chamam a atenção sobre os problemas demográficos que o país enfrentará nas próximas décadas, se o governo não empreender políticas ativas para modificar as atuais tendências em matéria de população. Uma é a pesquisa coletiva "Demografia de uma Sociedade em Transição", da Faculdade de Ciências Sociais, e a outra é "A População do Uruguai nas Próximas Décadas", de Juan José Calvo e encomendada pelo escritório das Nações Unidas em Montevidéu.
Por Jorge Barreiro, para o Terra Magazine(www.vermelho.org.br)
À pergunta que tanto preocupa os uruguaios e que intitula as subseqüentes linhas, os autores respondem com um sonoro "não". No entanto, ambas as pesquisas concluem que a sociedade uruguaia enfrentará sérios problemas sociais e econômicos nas próximas décadas, se as atuais tendências demográficas se mantiverem inalteradas.
Para chegar a semelhante conclusão é necessário fazer referência às particulares tendências demográficas deste país na segunda metade do século 20, pelo menos no contexto latino-americano e dos chamados países "em desenvolvimento".
O Uruguai experimentou muito cedo no século 20 o que os especialistas chamam de primeira "transição demográfica", ou seja, a diminuição das taxas de fertilidade e mortalidade (que tem como um de seus resultados o envelhecimento da população). A primeira por razões educativas e culturais e a segunda como conseqüência das melhorias sanitárias, que aumentaram a expectativa de vida.
Apenas Cuba seguiu uma evolução similar no contexto latino-americano. Entre os anos 90 do século passado e a primeira década do século 21, aconteceu no Uruguai o que se denomina a "segunda transição" demográfica, que somou à primeira a inclinação a uma maior autonomia e realização individual própria das sociedades pós-modernas, e que, entre outras coisas, implica na postergação da idade de casamento e do primeiro filho, na opção por uma vida de solteiro em caráter permanente e no aumento do número de divórcios.
As últimas estatísticas disponíveis antes da realização de ambas as pesquisas indicam que o número de nascimentos caiu em 19% na década de 1996-2006 e que a taxa de fertilidade está em 2,08 filhos por mulher, ou seja, equivalente à taxa mínima de reposição.
A demógrafa Adela Pellegrino assegura que essa taxa de fecundidade já é inferior à de reposição, o que quer dizer que a população uruguaia já não tem a capacidade de se manter naturalmente no nível atual.
Combinação paradoxal
O Uruguai já é o país de população mais velha da América Latina e o de mais baixo crescimento demográfico depois de Cuba. Cresce a uma taxa de cinco por mil, ou seja, a população aumenta em 16 mil a 18 mil pessoas a cada ano... menos que o número de uruguaios que emigram a cada ano, segundo as "não de todo rigorosas" estatísticas oficiais.
A estrutura de faixas etárias e a taxa de fertilidade do Uruguai são uma autêntica exceção na América Latina e se assemelha mais com a dos países mais desenvolvidos como mostra os quadros ao lado, que, além disso, apresentam as projeções futuras, as quais sugerem uma intensificação da queda da natalidade e do envelhecimento da população, com os conseqüentes problemas sociais e econômicos.
O Uruguai seguiu, como se pode observar, uma evolução demográfica mais parecida com a dos países mais desenvolvidos do planeta. Mas apesar das projeções apontarem que, neles, a estrutura de idades será no futuro próximo uma questão mais problemática que neste país, não foram disparados lá os alarmes que parecem estar na ordem do dia por aqui. É que no Uruguai deve ser somada aos fenômenos descritos, uma emigração sem precedentes em termos relativos. Na Europa, ao contrário, o envelhecimento da população tem sido em parte amortecido por uma tendência oposta: a recepção de imigrantes jovens.
Emigração
Pelo menos desde a década de 60 do século passado, o Uruguai se converteu em um país de emigração. A partida para o estrangeiro é uma característica estrutural do país que já não depende de ciclos econômicos. Inclusive em períodos de bonança econômica e queda do desemprego, os uruguaios continuam a deixar o país.
Calcula-se que entre 1963 e 2006 deixaram o Uruguai 600 mil pessoas, das quais retornaram algo mais que 120 mil. Estas cifras podem resultar ainda mais significativas se for levado em conta que o Uruguai tem 3,3 milhões de habitantes. Isso quer dizer que um pouco mais de 15% do total de uruguaios vive fora do país. Se forem contabilizados seus filhos nascidos no exterior, a cifra é horripilante. É como se sete milhões de colombianos ou cinco milhões de argentinos vivessem fora de seu país. No contexto latino-americano o Uruguai é um dos países com maior porcentagem de emigrantes. Na última década deixaram o país cerca de 15 mil pessoas por ano, segundo dados não muito rigorosos, o que supõe praticamente a mesma quantidade que o crescimento anual da população.
Mas o tema da emigração adquire ainda mais relevância ao se levar em conta que os emigrantes são mais jovens que a média da população. Segundo a análise dos dados sobre a emigração do período mais recente (2000-2006), mais da metade dos uruguaios que partiram para o estrangeiro tinham entre 20 e 30 anos no momento da partida. Parece desnecessário ressaltar que este buraco dos emigrantes acentua os problemas demográficos do país, porque nesta faixa estão as pessoas em idade reprodutiva. Ainda assim, as pesquisas não confirmam a suposição há muito defendida quanto a esses emigrantes contarem com nível de educação superior à média da população uruguaia: os profissionais liberais, as pessoas com formação universitária e os executivos respondem por 9,8% do total de emigrantes, ante 14,7% na população uruguaia em geral. Não obstante, a grande maioria dos que deixaram o país não pertence aos estratos mais pobres da sociedade nem à população estruturalmente pobre, mas sim consistem de pessoas que sofreram reduções de renda por conta da crise do começo do milênio, e por isso se viram reduzidas à pobreza. Um dado significativo é que 40% dos emigrantes alegam ter optado por esse caminho por "falta de trabalho", e outros 25% por "baixa renda".
Se considerarmos que a emigração no Uruguai abarca, em maior medida que em outros países latino-americanos, o núcleo familiar completo, os envios de fundos do exterior não são importantes ou consideráveis como acontece no caso de algumas outras nações (em termos tanto absolutos quanto relativos). De modo que se torna necessário sinalizar que, para a sociedade uruguaia como um todo, as inconveniências causadas pela imigração superam consideravelmente os benefícios.
Calvo insiste em que não se trata, ao contrário do que supõe a forma de visão complexada que muitas vezes acompanha as sociedades pequenas, de levar a população a atingir um determinado número ("um Uruguai de seis milhões de habitantes!", por exemplo), e sim de "atingir metas qualitativas: a equidade, a criatividade, a capacidade de incorporar inovações, a qualidade, a diversidade, o cosmopolitismo". As pessoas não deveriam estar sujeitas a planos estatais de crescimento ou receber estímulos econômicos para que tenham mais filhos, e sim deveriam estar livres para "escolher o tipo e o tamanho da vida que consideram mais propícios, em decisões livres e bem fundadas".
"As pessoas deveriam poder exercer o direito de viver no local que preferem, e as migrações, tanto dentro quanto para fora de um país, não deveriam ter por motivo um horizonte de limitação de oportunidades". Para não nos estendermos demais, os índices de natalidades registrados entre as mulheres uruguaias não são uniformes: há casais pobres que têm mais filhos do que gostariam e outros casais das camadas médias da sociedade que prefeririam ter mais crianças do que têm.
Deixando de lado quaisquer visões catastróficas, as pesquisas na verdade trazem tranqüilidade aos espíritos patrióticos: os uruguaios não vão desaparecer (hoje, um em cada dois mil habitantes de nosso planeta é uruguaio, e em 2050 essa proporção se reduzirá a um em 2.500, mas não vamos nos extinguir). Mas ainda assim, os números apontam que, se persistirem as tendências atuais, chegaremos a crescimento populacional nulo ou possivelmente negativo, com todas as conseqüências que isso poderia acarretar.
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