Por Sharon Weill e Valentina Azarov (tradução Victor Barone)
Publicado originalmente no site Eletronic Intifada
Uma das principais questões levantadas durante o recente conflito na Faixa de Gaza – além do considerável número de denúncias de violações das leis humanitárias internacionais, que não trataremos neste artigo – diz respeito ao funcionamento da lei em Israel nos casos relacionados à liberdade de expressão, opinião e acesso a informação. O Estado fez tudo que estava ao seu alcance (e além dele) para silenciar as vozes que se opuseram as políticas de governo e a recente operação militar na Faixa de Gaza.
Estes eventos foram componentes primordiais no processo que levou ao resultado das eleições para o parlamento israelense, onde um partido, o Yisrael Beiteinu, cujo líder defende uma agenda racista e autoritária, tornou-se a terceira força política no País. As políticas de Estado, que serão examinadas neste artigo – o banimento dos protestos, as restrições à liberdade de expressão e a desqualificação dos partidos árabes – são parte da transformação de Israel em um regime autoritário baseado na segregação.
O banimento dos protestos
Durante as operações militares em Gaza, manifestantes pacifistas se defrontaram com a brutalidade da polícia e do exército. De acordo com relatórios de 12 de janeiro de 2009, de autoria do jornal Haaretz, e de 2 de janeiro de 2009, de autoria da organização de direitos humanos Adalah, em 230 protestos, 801 manifestantes foram presos, 277 deles crianças ou adolescentes. O motivo das prisões: “perturbação da paz”, “acenar com bandeias palestinas”, e “ferir o moral da nação”.
Em 7 de fevereiro de 2009, 225 pessoas permaneciam detidas, incluindo 89 crianças e adolescentes; 114 pessoas foram levadas a julgamento. Outras foram interrogadas pelos serviços de segurança e alertadas a não tomar parte de outras manifestações; alguns foram mantidos em prisão domiciliar e proibidos de entrar em certas cidades.
A grande maioria destes presos era composta por palestinos com cidadania israelense. Palestinos, israelenses e manifestantes de outros países participaram de protestos pacíficos na Cijordânia e foram violentamente reprimidos pelo exército israelense, inclusive à bala. Estes confrontos causaram a morte de quatro palestinos em Nilin, Qalqiliya e Sawad, além de inúmeros feridos.
A liberdade de expressão e de manifestação e as liberdades pessoais foram sistematicamente violadas pelo Estado.
Violação da liberdade de imprensa
Jornalistas israelenses têm sido proibidos de entrar na Faixa de Gaza nos últimos dois anos. Amira Hass e Shlomi Eldar, dois conhecidos jornalistas que entraram em Gaza antes da ofensiva, foram imediatamente presos e reenviados para Israel. Jornalistas estrangeiros também tiveram acesso negado à região desde o início de novembro de 2008, devido à interrupção do cessar fogo com o Hamas e o fechamento dos pontos de passagem entre Israel e a Faixa de Gaza.
A Foreign Press Association fez uma petição à Suprema Corte de Israel em 24 de novembro de 2008 solicitando livre acesso a região. A petição deixava claro que os repórteres eximiriam Israel de qualquer responsabilidade pela sua segurança ao adentrarem a Faixa de Gaza.
A primeira reação surgiu apenas em 31 de dezembro de 2008, após jornalistas terem pedido pressa na decisão devido ao início da operação militar israelense na Faixa de Gaza. O exército permitiria que oito jornalistas adentrassem a zona do conflito.
No dia 2 de janeiro de 2009 a justiça israelense se pronunciou:
“... a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, como o direito do público a informação, mantêm-se inalterados, mesmo em tempos de guerra, e em um período como este têm uma importância especial; no entanto, estes direitos não são absolutos e diante das circunstâncias têm de ser equilibrados diante do risco para vidas humanas como resultado da abertura de pontos de passagem entre Israel e a Faixa de Gaza”.
A corte, inequivocamente, endossou a proposta do Estado de liberar o acesso a apenas oito jornalistas estrangeiros, quando a passagem se tornasse possível para fins humanitários e esta entrada teria que ser coordenada junto às autoridades competentes com um dia de antecedência á data de entrada requerida pelos jornalistas.
Além disso, a corte endossou a posição do Estado de que os procedimentos estariam “sujeitos a mudanças de acordo com as circunstâncias. No entanto, esperamos que sejam tomadas todas as medidas necessárias, de acordo com os procedimentos estabelecidos e em consideração aos direitos e interesses representados pelos peticionários”.
Um dia depois, a operação terrestre em Gaza teve início. O Estado usou este fato como um fator de mudança nas condições expressas pela justiça, impossibilitando a entrada dos jornalistas na Faixa. Assim, a obrigação de viabilizar a entrada dos jornalistas, que havia sido acordada um dia antes, nunca foi implementada pelo exército israelense.
Em 20 de Janeiro de 2009, após o fim da operação, o Estado se predispôs a garantir o acesso dos jornalistas. Ainda assim, a Foreign Press Association protocolou outra petição requerendo acesso total dos jornalistas, como havia feito em novembro de 2008, pois não estava satisfeita com uma mera declaração de intenção por parte do Estado. No curso dos dias Israel concordou em permitir o acesso, mas apenas para jornalistas estrangeiros.
O Estado violou a primeira decisão?
Na sua segunda decisão, a corte afirmou que não iria julgar a violação de sua decisão anterior por parte do Estado, uma vez que a questão não seria relevante ao caso em questão. O Estado, por sua vez, também alegou que não houve violação da primeira decisão, uma vez que todas as restrições foram impostas apenas por razões de segurança.
Os peticionários não pediram que o Estado fosse confrontado pela corte. Eles ainda não tinham a informação - publicada um dia após a segunda petição ter sido feita pelo jornal Haaretz – revelada por uma carta do Ministério da Defesa endereçada ao assessor jurídico do Gabinete do primeiro-ministro, segundo a qual as condições de segurança não eram impedimentos para a entrada de jornalistas na Faixa de Gaza e que o bloqueio ao acesso dos jornalistas foi mantido por motivo de relações públicas. A questão da segurança teria sido uma desculpa.
Na carta, o conselheiro jurídico do Ministério da Defesa alertava que se o gabinete do primeiro-ministro continuasse a bloquear o acesso dos jornalistas, o Estado poderia se ver em confronto com a corte. Deve-se notar que o Estado israelense nunca negou a existência desta carta ou seu conteúdo (O artigo foi originalmente publicado em hebreu no dia 21 de janeiro de 2009 na edição impressa do Haaretz. Uma tradução parcial foi publicada na edição online do jornal).
Banindo partidos árabes das eleições israelenses
A repressão sobre a minoria palestina em Israel é uma reminiscência da história sócio-política do poder militar israelense e das suas políticas de limpeza étnica. Para destacar apenas um dos muitos problemas representados pela estrutura do autoritário sistema jurídico do país seria necessário lançar uma luz sobre sua própria natureza discriminatória, que visa a erosão da identidade dos palestinos que vivem dentro das fronteiras de Israel, através da proibição da bandeira palestina e da sistemática negação dos direitos à propriedade por parte de palestinos em Israel.
Em 12 de Janeiro de 2009, a Comissão Eleitoral Central (CEC) do parlamento israelense desqualificou a candidatura dos dois partidos árabes - United Arab List-Ta'al e Balad (ou Aliança Democrática Nacional (NDA) - que representam mais de 160 mil eleitores israelenses. Estes partidos se viram proibidos de disputar as eleições para o Knesset (Parlamento), a ser realizada em 10 de Fevereiro de 2009. A desqualificação foi seguida de uma denúncia apresentada ao CEC por Avigdor Lieberman, chefe do partido da extrema-direita Yisrael Beiteinu.
De acordo com a secção 7A da Lei Básica de Israel, o Knesset permite a desqualificação de um partido quando seus objetivos ou os de seus candidatos envolvem: (i) a destruição do Estado de Israel como um Estado judeu e democrático, (ii) incitamento racismo, ou (iii) apoio a um estado inimigo ou de uma organização terrorista durante um conflito. Além disso, a lei foi recentemente alterada para incluir todos aqueles que visitaram um país inimigo nos últimos sete anos antes da apresentação da sua candidatura, como se tais ações pudessem ser vistas como suporte a um conflito armado contra Israel.
A moção de desqualificação foi proposta por partidos de direita e defendidos por uma maioria dos membros da comissão, incluindo membros do partido Kadima e os trabalhistas. Vários membros da CEC equipararam o apoio dos partidos árabes aos palestinos residentes na Faixa de Gaza durante as recentes incursões, ao apoio ao terrorismo. A maior preocupação dos membros da Comissão foi a intenção destes partidos em alterar a definição da constituição de Israel de um Estado "judeu e democrático" para um Estado “democrático de todos os seus cidadãos.".
A Adalah, uma organização não governamental dedicada a proteger os direitos dos palestinos em Israel, submeteu uma petição legal contra a decisão do Knesset.
A principal alegação foi de que a decisão fere os direitos dos candidatos serem eleitos e que impede o direito constitucional dos cidadãos votarem nestes partidos para elegerem seus representantes para o Knesset. Além disso, a ONG alegou que maioria dos membros do CEC levou em conta argumentos irrelevantes, negligenciando a legislação e a jurisprudência existentes. As plataformas destes partidos já haviam sido avaliadas e aprovadas por uma extensa banca de juízes nas eleições anteriores e desde então não houve nenhuma mudança na sua agenda política.
A ONG Adalah salientou que os debates na CEC foram violentos e descontrolados, não permitindo um encaminhamento construtivo sobre a questão e isolando uma das partes. A situação ficou tão fora de controle que Eliezer Rivlin, presidente da Comissão de Justiça declarou: "tendo em conta a situação que foi criada, eu decidi não votar" (Ata dos debates de 12 de Janeiro de 2009, p. 60).
Os representantes das partes não tiveram a oportunidade de apresentar seus argumentos e foram várias vezes interrompidos (ver págs. 20-25 da ata). No curto período de tempo que foi concedido a MK Ahmed Tibi, líder da United Arab List (UALAMC), ele declarou claramente que "os partidos árabes se opõe a uma política e não a um país" e confirmou que as suas agendas políticas buscam uma solução comum para que os dois povos possam "viver em conjunto e não morrer juntos" (pp 31-33 da ata).
Assim, a decisão tomada pela CEC foi tendenciosa e baseada em informações incompletas, colhidas muitas vezes da mídia. Mesmo que as alegações feitas pelos que pediram a desqualificação dos partidos árabes fossem verdadeiras, ainda assim não constituiriam motivo suficiente para esta desqualificação. No entanto, uma maioria esmagadora aprovou a medida: 21 votaram a favor da inelegibilidade do UALAMC, sete membros votaram contra e dois abstiveram, 26 membros votaram a favor da retirada da NDA, três membros votaram contra e um absteve-se.
Em 21 de Janeiro de 2009 o Supremo Tribunal de Israel, com uma bancada de nove juízes, aceitou por unanimidade a petição que invalidou a decisão da CEC e reintegrou o direito de ambos os partidos disputarem a eleição para o Knesset.
Caminhando para um regime autoritário
Uma vez que o Estado comece a dificultar a criação e desenvolvimento de uma opinião pública; uma vez que a mídia é silenciada ou transforma-se em uma ferramenta de propaganda; uma vez que manifestações e partidos políticos são colocados na clandestinidade por se oporem ao governo, a sociedade passa a se transformar lenta mas inexoravelmente, movendo-se ao largo dos regimes democráticos rumo ao autoritarismo.
Os alegados crimes de Guerra cometidos pelo exército israelense na Faixa de Gaza, as violações de direitos básicos de cidadãos israelenses e o resultado das eleições de 2009 são exemplos desta transformação. O que ocorreu nos dois meses que antecederam as eleições em Israel explica, em certo ponto, o voto de muitos israelenses que fizeram de um partido racista a terceira força política em Israel.
O partido de Avigdor Lieberman advoga o banimento dos partidos árabes que clamam por um “Estado democrático para todos os cidadãos” e a repressão do que vê como “traição” por parte dos cidadãos árabes em Israel. De acordo com seu site, o Yisrael Beiteinu reivindica um “patriotismo incondicional” e exige que os cidadãos “afirmem sua lealdade ao Estado e estejam prontos a servir ao exército ou ao Serviço Nacional para poderem se tornar elegíveis para qualquer benefício estatal”.
O partido declara em sua plataforma a intenção de fazer de Israel um Estado puramente judeu e, ao mesmo tempo, “aumentar a Presença Judia em Yehuda, Shomron, (Cijordânia em outras palavras), Golan (Colinas de Golas, território sírio ocupado) e Jerusalém Leste, assim como trabalhar para a separação entre Gaza e Cijordânia".
De acordo com o site do partido, "Idealmente, o lobo habitará com o carneiro, mas nós não vivemos tempos ideais. A história tem mostrado que há um perigoso potencial para a eclosão de conflitos em regiões habitadas por povos que professam religiões diferentes. ...Membros desta minoria (árabe) tendem a servir como agentes terroristas sob o comando da Autoridade Palestina. Muitos já tornaram pública sua falta de lealdade para com o Estado. Esta situação pode levar ao colapso de Israel como um Estado Judeu e democrático e, talvez, como entidade coesa. Além disso, em nossa opinião, a única solução possível é a troca de territórios e de população, com o objetivo de separar as nações judia e árabe respectivamente”.
Lieberman tem feito incitações racistas contra palestinos com nacionalidade israelense. Em uma recente coletiva de imprensa organizada pelo seu partido em Haifa, impediu a participação de jornalistas árabes. Como o Haaretz noticiou em 6 de fevereiro, durante recente visita a escolas no norte de Israel, Lieberman foi saudado com gritos de “morte aos árabes” e propostas de “revocar a nacionalidade israelense dos árabes”. O Haaretz revelou também que Lieberman foi seguidor do movimento Kahane Kach, de extrema-direita, banido em 1988.
Idéias que já foram consideradas extremamente racistas para serem legitimamente expressas são agora parte do discurso político em Israel, enquanto outras opiniões são silenciadas. Trata-se de um sério sinal de que a situação em Israel lembra mais e mais a era do apartheid na África do Sul.
Sharon Weill is a PhD candidate in International Humanitarian Law, University of Geneva, Research Assistant with the Rule of Law in Armed Conflicts project and lecturer in IHL. Valentina Azarov is a Legal Researcher with HaMoked - Center for the defence of the individual and author with the International Law Observer and the Alternative Information Center.
Estes eventos foram componentes primordiais no processo que levou ao resultado das eleições para o parlamento israelense, onde um partido, o Yisrael Beiteinu, cujo líder defende uma agenda racista e autoritária, tornou-se a terceira força política no País. As políticas de Estado, que serão examinadas neste artigo – o banimento dos protestos, as restrições à liberdade de expressão e a desqualificação dos partidos árabes – são parte da transformação de Israel em um regime autoritário baseado na segregação.
O banimento dos protestos
Durante as operações militares em Gaza, manifestantes pacifistas se defrontaram com a brutalidade da polícia e do exército. De acordo com relatórios de 12 de janeiro de 2009, de autoria do jornal Haaretz, e de 2 de janeiro de 2009, de autoria da organização de direitos humanos Adalah, em 230 protestos, 801 manifestantes foram presos, 277 deles crianças ou adolescentes. O motivo das prisões: “perturbação da paz”, “acenar com bandeias palestinas”, e “ferir o moral da nação”.
Em 7 de fevereiro de 2009, 225 pessoas permaneciam detidas, incluindo 89 crianças e adolescentes; 114 pessoas foram levadas a julgamento. Outras foram interrogadas pelos serviços de segurança e alertadas a não tomar parte de outras manifestações; alguns foram mantidos em prisão domiciliar e proibidos de entrar em certas cidades.
A grande maioria destes presos era composta por palestinos com cidadania israelense. Palestinos, israelenses e manifestantes de outros países participaram de protestos pacíficos na Cijordânia e foram violentamente reprimidos pelo exército israelense, inclusive à bala. Estes confrontos causaram a morte de quatro palestinos em Nilin, Qalqiliya e Sawad, além de inúmeros feridos.
A liberdade de expressão e de manifestação e as liberdades pessoais foram sistematicamente violadas pelo Estado.
Violação da liberdade de imprensa
Jornalistas israelenses têm sido proibidos de entrar na Faixa de Gaza nos últimos dois anos. Amira Hass e Shlomi Eldar, dois conhecidos jornalistas que entraram em Gaza antes da ofensiva, foram imediatamente presos e reenviados para Israel. Jornalistas estrangeiros também tiveram acesso negado à região desde o início de novembro de 2008, devido à interrupção do cessar fogo com o Hamas e o fechamento dos pontos de passagem entre Israel e a Faixa de Gaza.
A Foreign Press Association fez uma petição à Suprema Corte de Israel em 24 de novembro de 2008 solicitando livre acesso a região. A petição deixava claro que os repórteres eximiriam Israel de qualquer responsabilidade pela sua segurança ao adentrarem a Faixa de Gaza.
A primeira reação surgiu apenas em 31 de dezembro de 2008, após jornalistas terem pedido pressa na decisão devido ao início da operação militar israelense na Faixa de Gaza. O exército permitiria que oito jornalistas adentrassem a zona do conflito.
No dia 2 de janeiro de 2009 a justiça israelense se pronunciou:
“... a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, como o direito do público a informação, mantêm-se inalterados, mesmo em tempos de guerra, e em um período como este têm uma importância especial; no entanto, estes direitos não são absolutos e diante das circunstâncias têm de ser equilibrados diante do risco para vidas humanas como resultado da abertura de pontos de passagem entre Israel e a Faixa de Gaza”.
A corte, inequivocamente, endossou a proposta do Estado de liberar o acesso a apenas oito jornalistas estrangeiros, quando a passagem se tornasse possível para fins humanitários e esta entrada teria que ser coordenada junto às autoridades competentes com um dia de antecedência á data de entrada requerida pelos jornalistas.
Além disso, a corte endossou a posição do Estado de que os procedimentos estariam “sujeitos a mudanças de acordo com as circunstâncias. No entanto, esperamos que sejam tomadas todas as medidas necessárias, de acordo com os procedimentos estabelecidos e em consideração aos direitos e interesses representados pelos peticionários”.
Um dia depois, a operação terrestre em Gaza teve início. O Estado usou este fato como um fator de mudança nas condições expressas pela justiça, impossibilitando a entrada dos jornalistas na Faixa. Assim, a obrigação de viabilizar a entrada dos jornalistas, que havia sido acordada um dia antes, nunca foi implementada pelo exército israelense.
Em 20 de Janeiro de 2009, após o fim da operação, o Estado se predispôs a garantir o acesso dos jornalistas. Ainda assim, a Foreign Press Association protocolou outra petição requerendo acesso total dos jornalistas, como havia feito em novembro de 2008, pois não estava satisfeita com uma mera declaração de intenção por parte do Estado. No curso dos dias Israel concordou em permitir o acesso, mas apenas para jornalistas estrangeiros.
O Estado violou a primeira decisão?
Na sua segunda decisão, a corte afirmou que não iria julgar a violação de sua decisão anterior por parte do Estado, uma vez que a questão não seria relevante ao caso em questão. O Estado, por sua vez, também alegou que não houve violação da primeira decisão, uma vez que todas as restrições foram impostas apenas por razões de segurança.
Os peticionários não pediram que o Estado fosse confrontado pela corte. Eles ainda não tinham a informação - publicada um dia após a segunda petição ter sido feita pelo jornal Haaretz – revelada por uma carta do Ministério da Defesa endereçada ao assessor jurídico do Gabinete do primeiro-ministro, segundo a qual as condições de segurança não eram impedimentos para a entrada de jornalistas na Faixa de Gaza e que o bloqueio ao acesso dos jornalistas foi mantido por motivo de relações públicas. A questão da segurança teria sido uma desculpa.
Na carta, o conselheiro jurídico do Ministério da Defesa alertava que se o gabinete do primeiro-ministro continuasse a bloquear o acesso dos jornalistas, o Estado poderia se ver em confronto com a corte. Deve-se notar que o Estado israelense nunca negou a existência desta carta ou seu conteúdo (O artigo foi originalmente publicado em hebreu no dia 21 de janeiro de 2009 na edição impressa do Haaretz. Uma tradução parcial foi publicada na edição online do jornal).
Banindo partidos árabes das eleições israelenses
A repressão sobre a minoria palestina em Israel é uma reminiscência da história sócio-política do poder militar israelense e das suas políticas de limpeza étnica. Para destacar apenas um dos muitos problemas representados pela estrutura do autoritário sistema jurídico do país seria necessário lançar uma luz sobre sua própria natureza discriminatória, que visa a erosão da identidade dos palestinos que vivem dentro das fronteiras de Israel, através da proibição da bandeira palestina e da sistemática negação dos direitos à propriedade por parte de palestinos em Israel.
Em 12 de Janeiro de 2009, a Comissão Eleitoral Central (CEC) do parlamento israelense desqualificou a candidatura dos dois partidos árabes - United Arab List-Ta'al e Balad (ou Aliança Democrática Nacional (NDA) - que representam mais de 160 mil eleitores israelenses. Estes partidos se viram proibidos de disputar as eleições para o Knesset (Parlamento), a ser realizada em 10 de Fevereiro de 2009. A desqualificação foi seguida de uma denúncia apresentada ao CEC por Avigdor Lieberman, chefe do partido da extrema-direita Yisrael Beiteinu.
De acordo com a secção 7A da Lei Básica de Israel, o Knesset permite a desqualificação de um partido quando seus objetivos ou os de seus candidatos envolvem: (i) a destruição do Estado de Israel como um Estado judeu e democrático, (ii) incitamento racismo, ou (iii) apoio a um estado inimigo ou de uma organização terrorista durante um conflito. Além disso, a lei foi recentemente alterada para incluir todos aqueles que visitaram um país inimigo nos últimos sete anos antes da apresentação da sua candidatura, como se tais ações pudessem ser vistas como suporte a um conflito armado contra Israel.
A moção de desqualificação foi proposta por partidos de direita e defendidos por uma maioria dos membros da comissão, incluindo membros do partido Kadima e os trabalhistas. Vários membros da CEC equipararam o apoio dos partidos árabes aos palestinos residentes na Faixa de Gaza durante as recentes incursões, ao apoio ao terrorismo. A maior preocupação dos membros da Comissão foi a intenção destes partidos em alterar a definição da constituição de Israel de um Estado "judeu e democrático" para um Estado “democrático de todos os seus cidadãos.".
A Adalah, uma organização não governamental dedicada a proteger os direitos dos palestinos em Israel, submeteu uma petição legal contra a decisão do Knesset.
A principal alegação foi de que a decisão fere os direitos dos candidatos serem eleitos e que impede o direito constitucional dos cidadãos votarem nestes partidos para elegerem seus representantes para o Knesset. Além disso, a ONG alegou que maioria dos membros do CEC levou em conta argumentos irrelevantes, negligenciando a legislação e a jurisprudência existentes. As plataformas destes partidos já haviam sido avaliadas e aprovadas por uma extensa banca de juízes nas eleições anteriores e desde então não houve nenhuma mudança na sua agenda política.
A ONG Adalah salientou que os debates na CEC foram violentos e descontrolados, não permitindo um encaminhamento construtivo sobre a questão e isolando uma das partes. A situação ficou tão fora de controle que Eliezer Rivlin, presidente da Comissão de Justiça declarou: "tendo em conta a situação que foi criada, eu decidi não votar" (Ata dos debates de 12 de Janeiro de 2009, p. 60).
Os representantes das partes não tiveram a oportunidade de apresentar seus argumentos e foram várias vezes interrompidos (ver págs. 20-25 da ata). No curto período de tempo que foi concedido a MK Ahmed Tibi, líder da United Arab List (UALAMC), ele declarou claramente que "os partidos árabes se opõe a uma política e não a um país" e confirmou que as suas agendas políticas buscam uma solução comum para que os dois povos possam "viver em conjunto e não morrer juntos" (pp 31-33 da ata).
Assim, a decisão tomada pela CEC foi tendenciosa e baseada em informações incompletas, colhidas muitas vezes da mídia. Mesmo que as alegações feitas pelos que pediram a desqualificação dos partidos árabes fossem verdadeiras, ainda assim não constituiriam motivo suficiente para esta desqualificação. No entanto, uma maioria esmagadora aprovou a medida: 21 votaram a favor da inelegibilidade do UALAMC, sete membros votaram contra e dois abstiveram, 26 membros votaram a favor da retirada da NDA, três membros votaram contra e um absteve-se.
Em 21 de Janeiro de 2009 o Supremo Tribunal de Israel, com uma bancada de nove juízes, aceitou por unanimidade a petição que invalidou a decisão da CEC e reintegrou o direito de ambos os partidos disputarem a eleição para o Knesset.
Caminhando para um regime autoritário
Uma vez que o Estado comece a dificultar a criação e desenvolvimento de uma opinião pública; uma vez que a mídia é silenciada ou transforma-se em uma ferramenta de propaganda; uma vez que manifestações e partidos políticos são colocados na clandestinidade por se oporem ao governo, a sociedade passa a se transformar lenta mas inexoravelmente, movendo-se ao largo dos regimes democráticos rumo ao autoritarismo.
Os alegados crimes de Guerra cometidos pelo exército israelense na Faixa de Gaza, as violações de direitos básicos de cidadãos israelenses e o resultado das eleições de 2009 são exemplos desta transformação. O que ocorreu nos dois meses que antecederam as eleições em Israel explica, em certo ponto, o voto de muitos israelenses que fizeram de um partido racista a terceira força política em Israel.
O partido de Avigdor Lieberman advoga o banimento dos partidos árabes que clamam por um “Estado democrático para todos os cidadãos” e a repressão do que vê como “traição” por parte dos cidadãos árabes em Israel. De acordo com seu site, o Yisrael Beiteinu reivindica um “patriotismo incondicional” e exige que os cidadãos “afirmem sua lealdade ao Estado e estejam prontos a servir ao exército ou ao Serviço Nacional para poderem se tornar elegíveis para qualquer benefício estatal”.
O partido declara em sua plataforma a intenção de fazer de Israel um Estado puramente judeu e, ao mesmo tempo, “aumentar a Presença Judia em Yehuda, Shomron, (Cijordânia em outras palavras), Golan (Colinas de Golas, território sírio ocupado) e Jerusalém Leste, assim como trabalhar para a separação entre Gaza e Cijordânia".
De acordo com o site do partido, "Idealmente, o lobo habitará com o carneiro, mas nós não vivemos tempos ideais. A história tem mostrado que há um perigoso potencial para a eclosão de conflitos em regiões habitadas por povos que professam religiões diferentes. ...Membros desta minoria (árabe) tendem a servir como agentes terroristas sob o comando da Autoridade Palestina. Muitos já tornaram pública sua falta de lealdade para com o Estado. Esta situação pode levar ao colapso de Israel como um Estado Judeu e democrático e, talvez, como entidade coesa. Além disso, em nossa opinião, a única solução possível é a troca de territórios e de população, com o objetivo de separar as nações judia e árabe respectivamente”.
Lieberman tem feito incitações racistas contra palestinos com nacionalidade israelense. Em uma recente coletiva de imprensa organizada pelo seu partido em Haifa, impediu a participação de jornalistas árabes. Como o Haaretz noticiou em 6 de fevereiro, durante recente visita a escolas no norte de Israel, Lieberman foi saudado com gritos de “morte aos árabes” e propostas de “revocar a nacionalidade israelense dos árabes”. O Haaretz revelou também que Lieberman foi seguidor do movimento Kahane Kach, de extrema-direita, banido em 1988.
Idéias que já foram consideradas extremamente racistas para serem legitimamente expressas são agora parte do discurso político em Israel, enquanto outras opiniões são silenciadas. Trata-se de um sério sinal de que a situação em Israel lembra mais e mais a era do apartheid na África do Sul.
Sharon Weill is a PhD candidate in International Humanitarian Law, University of Geneva, Research Assistant with the Rule of Law in Armed Conflicts project and lecturer in IHL. Valentina Azarov is a Legal Researcher with HaMoked - Center for the defence of the individual and author with the International Law Observer and the Alternative Information Center.
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