Escritora analisa o resultado das eleições no Irã
Em uma entrevista à rede Al Jazeera, a escritora iraniana Azar Nafisi analisa o resultado das eleições no Irã. Para ela, uma parte importante do povo iraniano usou um espaço aberto para expressar o que quer. "Eles votaram não apenas contra Ahmadinejad, mas pelo que defendem. O quadro homogêneo pintado extremamente apresentado, em que a maioria das pessoas no Irã acreditam no islamismo ortodoxo não é verdadeira. O Irã é um país de diferentes minorias étnicas e de diferentes religiões. Muitas das minorias têm sido oprimidas pelo regime", afirma.
Azar Nafisi é mais conhecida como autora do Reading Lolita in Tehran: A Memoir in Books [algo como: “Lendo Lolita em Teerã: uma autobiografia nos livros”], um retrato sempre angustiante de como a Revolução Islâmica no Irã afetou uma professora e seus estudantes.
Seu novo livro, Things I've Been Silent About [“Coisas que tenho silenciado”], é um livro de memórias sobre como foi ter crescido contra o pano de fundo da revolução política iraniana.
Ela é professora visitante e diretora executiva das Cultural Conversations no Instituto de Política Externa da Faculdade de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins em Washington DC. Nafisi é professora de estética, cultura e literatura, e dá cursos sobre a relação entre cultura e política. A Al Jazeera conversou com ela sobre as recentes eleições no Irã.
Al Jazeera – O que acaba de acontecer no Irã?
Azar Nafisi – Bem, o que acaba de acontecer no Irã é a continuação do que vem acontecendo há trinta anos. O povo iraniano levantou oposição e usou um espaço aberto para expressar o que quer. Eles votaram não apenas contra [o presidente Mahmoud] Ahmadinejad, mas pelo que defendem.
AJ – Mas parece que Ahmadinejad ganhou com uma esmagadora maioria.
AN – Mas o mais impressionante é que tanta gente vá às ruas para demonstrar e protestar e tornar seus desejos conhecidos. Isso é ótimo porque desfaz o mito de que no o povo iraniano aprova as leis extremistas sobre eles imposta pelo regime islâmico. Em qualquer sociedade há extremistas.
Sempre haverá pessoas apoiando aqueles como Ahmadinejad, assim como muitos estadunidenses apoiaram o Senhor Bush ou os cristãos fundamentalistas. Mas isso não significa que o povo iraniano prefira uma teocracia a um país pluralista com liberdade religiosa e de expressão para todos.
Nos seus slogans e pedidos durante as eleições eles queriam liberdade e democracia e repudiaram as leis repressivas. Mas tão importante quanto isso é o fato de que muita gente da elite dominante no Irã estão entendendo que não podem comandar a sociedade do jeito que diziam que podiam. Um bom exemplo é o próprio Senhor Mousavi.
Para vencer, Mousavi assumiu alguns slogans progressistas, contra os quais ele já tinha lutado. Eu estava lá no começo da Revolução Islãmica, quando ele foi Primeiro Ministro, e implementou muitas das medidas repressivas que agora denuncia. Eu (assim como muitos outros) saí da universidade que Mousavi ajudou a fechar, como parte da Revolução Cultural.
O fato de Mousavi ou Karoobi escolherem falar de liberdade e direitos humanos mostra em que medida o regime está afetado pela resistência do povo iraniano. Eu penso que esses são pontos importantes a respeito das eleições e não apenas quem venceu e quem perdeu.
AJ – Mas você não acha que o resultado dessas eleições, a eleição da linha dura de Ahmadinejad contra Mousavi, reformista, sugere que a maioria dos iranianos quer que sua teocracia continue?
AN – Para mim, eleições num país como o Irã não tem o mesmo significado que em países como os Estados Unidos. Nós dificilmente temos escolha em quem votar, de qualquer forma. Também não houve um só observador internacional. Um número razoável de pessoas não pode sequer ler no Irã e votará em Ahmadinejad.
Eu admito que posso estar enganada, mas para mim o verdadeiro critério de avaliação não é o número de votos. O verdadeiro critério está nas plataformas que os candidatos usam para vencer. Foi realmente impressionante e interessante ver o que Mousavi escolheu como plataforma para ganhar.
Ele não fez campanha apenas contra Ahmadinejad, mas contra os próprios fundamentos da República Islãmica. O fato de que Mousavi tenha posto sua carreira política em risco para defender essas posições indica que um número considerável de pessoas não quer o que existe agora.
AJ – Então você, enquanto liberal, está otimista com o resultado dessas eleições?
AN – Sim, sem dúvida – quer dizer -, não otimista, mas esperançosa. Eu vivi 18 anos com a República Islãmica – nos piores anos. O que me deu esperança foi o modo como essa sociedade não-violenta resistiu ao poder oficial. E não tenho qualquer razão para mudar essa perspectiva. Mas o povo iraniano votou nesse poder oficial – eles votaram na República Islãmica. Agora votaram num presidente ortodoxo.
Um dos problemas das revoluções é que são um período de grande agitação mas também de grande confusão. Isso sempre me preocupa. As pessoas estão muito certas do que não querem, mas não muito do que querem. Quando o povo votou pela república islâmica não sabia em quê estava votando.
A J – Os resultados dessas eleições pegaram o mundo de surpresa. A mídia internacional fracassou na percepção dos assuntos e sentimentos dos iranianos?
AN – Sim! Isso é o que me fascina toda vez que venho aos EUA. Quando eu escrevi sobre os estudantes lendo Lolita em Teerã fui acusada de dizer que a literatura ocidental é maior. Não era isso o que eu estava dizendo. O que eu estava dizendo era que as pessoas no Irã estavam tomando e analisando e vendo esse texto à sua própria maneira – de uma maneira que o Ocidente não faz.
O quadro homogêneo pintado extremamente apresentado, em que a maioria das pessoas no Irã acreditam no islamismo ortodoxo não é verdadeira. O Irã é um país de diferentes minorias étnicas e de diferentes religiões. Muitas das minorias têm sido oprimidas pelo regime. Isso não é o islamismo – é um estado usando o Islã para ter poder e nós precisamos acabar com essa mentira.
AJ – Você tem falado e escrito sobre a importância da literatura e da cultura na luta pelos direitos humanos e liberdades no Irã e ao redor do mundo, mas será que a arte, a cultura e a literatura serão algum dia mais poderosas que a religião? É suficiente começar uma revolução?
AN – Se você observa isso no longo prazo, sim, serão. Eu nunca esqueço que Paul Ricoeur, o filósofo, veio falar no Irã. Ele tinha 80 anos mas foi tratado como Bon Jovi.
Em determinada altura, o Ministro para Orientação Islãmica disse a Ricoeur: “Pessoas como nós [políticos] vamos desaparecer, mas vocês, o povo, vai permanecer”. Isso sempre fica na minha lembrança. Nós não lembramos do rei da Pérsia No século XIV; tempo do poeta Hafiz; nós lembramos de Hafiz.
AJ – Você trabalha para a Universidade John Hopkins como diretora executiva de conversações culturais. Como essa eleição influenciará as conversações do Irã com o resto do mundo?
AN – Parte disso depende do resto do mundo – como escolherá conversar com o Irã. O governo dos EUA é muitas vezes tolo nas suas respostas ao Irã. Para eles, apoiar os direitos humanos se traduz em dar dinheiro a vários grupos e indivíduos e em ter um tratamento hostil com o país. Mas o ponto é não agir por trás de indivíduo algum, mas dar voz ao povo. Shirin Ebadi, a advogada vencedora do Nobel, é alguém cuja confiança no Irã não é posta em questão. A mídia deveria dar-lhe mais espaço do que a Ahmadinejad.
Eu penso que Barack Obama deveria reconhecer que o povo iraniano tem uma história, uma cultura e aspirações que diferem do que diz o regime [de Ahmadinejad].
AJ – Seu último livro trata de um grupo de mulheres vivendo em Teerã e você tem conduzido muitos workshops para promover a atuação das mulheres na luta pelos direitos humanos e a cultura. O que o resutlado dessas eleições dizem a respeito da mulher hoje?
AN- Eu acho que as mulheres do Irã têm se tornado os canários do espírito. Se você quer medir o quanto uma sociedade é livre, observe as suas mulheres. As mulheres iranianas trabalharam verdadeiramente por sua liberdade nessas eleições. Veja a sua campanha pelas assinaturas – elas escolheram uma campanha não-violenta para educar as pessoas dentro e fora do país a respeito das leis repressivas do seu país.
Elas desempenharam um papel importante no último século trazendo para a disputa política uma revolução constitutional. No começo deste século, elas jogarão um papel central na mudança da sociedade em direção a sua abertura.
Tradução: Katarina Peixoto
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