Trocar seis por meia dúzia
Por Leonardo Gomes,A cada dia, a cada acontecimento, ou melhor, a cada ação política a direita vai mostrando concretamente a sua força. Durante algum tempo, após os episódios dos golpes militares e, por conseguinte, as torturas, a direita manteve-se à espreita na política. Revestida por um verniz típico da sociedade pequeno-burguesa, ela se reorganizou e tentou adotar um discurso light para uma volta triunfal. Mas que reorganização a direita está pondo em prática? Quais são seus novos interesses? São novos ou são os mesmos?
A burguesia ascendeu quando o renascimento comercial e urbano fixou-se. Logo, a classe social que emergiu na Europa, no século XI, fora a burguesia que dedicava-se às atividades financeiras, e acima de tudo, ao comércio. O que pouca gente sabe é que os burgueses eram moradores dos burgos, ou seja, cidades revestidas por muros, e ainda, que eram preteridos pelos nobres e pelos artesãos. A partir desta organização, mesmo sem saber, a burguesia seria a mãe do capitalismo, responsável pela transformação do mundo nesta grande fazenda de poucos donos e muitos empregados-escravos.
Pois bem, para adentrar nos meandros da política estimulando o comércio, a burguesia também precisou se reinventar. Ou, ainda, mascarar-se de popular. Afastada do centro do poder, pela nobreza, começou a apoiar revoluções onde o proletariado surgia. Muitas revoluções, principalmente a americana, tiveram o apoio da burguesia, para a perpetuação do comércio e a fixação da burguesia na política.
Séculos mais tarde, viu-se uma inversão nos papéis. Aquela classe social alta que ficava à margem da discussão política, agora tornava-se a principal responsável pela organização da direita. A burguesia, com o lucro do comércio, leia-se exploração do proletariado, pôde financiar governos e golpes, que puseram fim às monarquias e introduziam repúblicas que atuavam sob a égide do retorno financeiro. Patrocinar a troca da monarquia pela democracia republicana fora a ação mais lucrativa da dominação da direita.
Para tanto, os séculos se passaram e a direita se perdeu no afã do lucro. Instituíram governos que foram apedrejados pela organização popular, dividiram o mundo entre ricos e pobres e viram as enormes periferias criadas. Insuflaram o capitalismo com o liberalismo, e depois o neoliberalismo, e viram a China, um país comunista, ser a maior economia do mundo capitalista. Empreenderam tanto a lógica do lucro, da economia globalizada, dos amplos avanços tecnológicos, das commodities, e se esqueceram que viviam da especulação e quebraram. Aliás, tentaram quebrar o mundo.
Ao arquitetarem a sua glória na política, esqueceram de combinar com a massa e tiveram mais uma vez que se reinventar. Primeiro disseram que o estigma de direita e esquerda não existia mais, falaram que todos nós éramos liberais, mas não colou. Depois tentaram empurrar, via “mídia abaixo”, que a crise era mundial, e viram os países do BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), com governos seja na base, seja na atualidade, de centro-esquerda, entrarem e saírem da tal crise com muita segurança. Aliás, países que formam um bloco que será o maior do planeta dentro de alguns anos. Sem conseguir o apoio necessário para se reestruturar, a direita dispôs dois exemplos mais duros.
Para os latinoamericanos, mostrou toda a sua crueldade ao tomar um governo democrático por um golpe militar em Honduras. E, para o mundo, colocou na agenda da mídia a famosa gripe do porco. De um lado mostraram-se vivos contra quaisquer insurgências populares, e de outro lado comprovaram o apoio do seu principal partido, a mídia, que propagou a gripe como novo temor mundial. Ou seja, a pauta não é mais a crise, mas a gripe. Esquecem de dizer que meio milhão de pessoas morrem no Brasil vítima da gripe “comum”. E quantas morrem de dengue? De fome? Até hoje morrem do impaludismo.
Logo, com um discurso convicto e se reabastecendo financeiramente a direita se prepara para recuperar o espaço que perderam para o seu próprio ego. E como estão se reorganizando? Proibindo os bailes funk, como se todo funkeiro fosse marginal. Proibindo com veemência os camelôs e deixando livres grandes lojas sonegadoras de impostos. Cercando as favelas com muros. Construindo presídios em detrimento das escolas. Tratando a maconha como uma droga destruídora de lares, mas permitindo “padres-cantores”, que destilam o seu bálsamo, ou melhor, a sua onda da bitolação. Tantos são os novos caminhos de reagrupamento da direita… Entretanto, um vem chamando mais a atenção, um “novo-velho” caminho é a nova base da direita.
Com o valoroso apoio da mídia, a direita que teve que engolir um torneiro mecânico e um negro presidente. E a tática escolhida é atacar onde estes triunfam. Onde o povo tem mais acesso e possibilidade de transformação, na política. Agora, mais do que nunca, todo político é corrupto. Existe uma grande campanha para a população definitivamente achar que não precisa do político para nada. E assim sendo, a lacuna para a grande festa da direita está aberta. Portanto, o grande caminho da direita é a descaracterização total da classe política para agir novamente de acordo com a sua conveniência. Mas, se não bastasse a campanha de descaracterização da classe política, a direita já dá o seu toque para o grandioso retorno. Imprime na sociedade um modelo do novo político. Oriundo dos partidos comprometidos com a direita, da sociedade organizada, o novo político é centrado, sério, coeso e altamente distante das camadas menos abastadas. O novo político é técnico, frio e, acima de tudo, sem qualquer formação política. Ele só fala por números. Ele é cercado por um grupo de burgueses. Ou seja, ele é o produto da necessidade da direita. E como ele fica popular? Com a necessidade da população em moralizar a política.
Tudo é milimetricamente controlado e orquestrado, nada foge à sua alçada. Tudo deve ser controlado e observado. Números, resultados, a política é norteada como uma empresa. As campanhas são totalmente profissionalizadas. Ele deve estar afastado dos políticos de carreira. Aliás, político de carreira para eles é um grande temor. São tratados como vagabundos, invariavelmente. O novo político que nasce do berço da burguesia é tão velho quando o surgimento da própria burguesia. Este é um modelo obsoleto e totalmente reacionário. Este modelo de político tenta voltar à cena em vários países do mundo e não é possível que não percebamos uma manobra tão velha como esta.
Por fim, sabemos dos erros que muitos políticos cometem. Muitos se perpetuam anos a fio com a corrupção desenfreada. Outros ficam pelo caminho. Porém, sabemos que o país vive uma crise de identidade da classe política muito mais pela necessidade de lucro da direita que da melhoria do povo. Devemos acreditar em políticos sérios, íntegros, honestos? Não, isso é um comportamento comum de qualquer ser humano. A necessidade da política é para a transformação da realidade de um povo sofrido, retirante, e muitas vezes, “criminalizado”. E somente um político pautado nesta transformação poderá mudar qualquer realidade. Mudar não é trocar, mudar é transformar. E colocar um novo nome viciado pela direita, arrebatado pelo novo espectro político “buguês-midiático”, significa atraso e não mudança.
O povo deve, além de observar a história do político, quem o acompanha. Quem são seus pares? O que eles já fizeram pela melhoria dos menos favorecidos? De onde vieram? Quais são seus interesses na política? E não me venham com apoios a orfanatos e outras ações se o povo continua à margem do poder decisório. O verdadeiro político tem na sua base a representação popular, as vozes dos guetos e os sons mais ouvidos de seus pares são sonoros “nãos”, capazes de tirar-lhe qualquer tentação déspota que as urnas podem dar. O verdadeiro político é tomado pela indignação que ferve o sangue das suas veias. O verdadeiro político é de carne e osso. Adotar o pensamento da burguesia de que os políticos devem ser somente técnicos é mais uma vez compactuar com a transição da monarquia à república, é seguir os passos preconceituosos e distantes dos mais abastados e, acima de tudo, trocar políticos corruptos por políticos técnicos (tecnocratas) é dar novo rótulo às mesmas práticas, ou melhor, trocar seis por meia dúzia. Pois a finalidade será a mesma, manter o caminho do mundo à direita.
(*) Leonardo Gomes é jornalista e publicitário.
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