Neste texto e depois de analisar a situação da América Latina, o Pofessor Ricardo Antunes interroga-se: “não estarão os povos andinos, amazônicos, indígenas, negros, homens e mulheres trabalhadores dos campos e das cidades, a estampar que a América Latina não está mais disposta a suportar a barbárie, a subserviência, a iniqüidade, que em nome da “democracia das elites” assume de fato a postura do império, da autocracia, da truculência, da miséria e da indignidade? Não estaremos presenciando o afloramento de um novo desenho de poder popular, construído pela base, pelos camponeses, indígenas, operários, assalariados urbanos que começam novamente a sonhar com uma sociedade livre, verdadeiramente latinoamericana e emancipada?”. Não estaremos começando tecer, redesenhar e mesmo presenciar as novas vias abertas na América Latina?
Nas últimas décadas do século XX a América Latina vivenciou um verdadeiro desastre social, caracterizado pelos enormes índices de pauperização, expulsão, despossessão, desemprego e empobrecimento no campo e nas cidades e, em contrapartida, aumento desmesurado da concentração da riqueza, ampliação da propriedade da terra, crescimento do agronegócios, avanço dos lucros e dos ganhos do capital.
Foi ainda um período de grande expansão das empresas transnacionais e do capital financeiro, que obtiveram, ambos, altas taxas de lucro, como se pode constatar com os lucros dos bancos no Brasil, tanto nos dois governos FHC como os de Lula, além da implementação de modelos econômicos que seguiram à risca a cartilha do FMI. Isso sem falar na existência de parlamentos degradados e de judiciários em grande medida coniventes com as classes dominantes e seus pólos ativos de corrupção.
Mas o receituário neoliberal e sua pragmática vêm dando mostras de exaustão e os povos da América Latina estão á frente destes novos embates. Os países andinos, por exemplo, experimentam e exercitam novas formas de poder popular. São vários os exemplos de avanço das lutas populares em Nuestra América.
Contra a arquitetura institucional eleitoral das classes dominantes, os povos indígenas, os “campesinos”, os sem-terra, os operários, os assalariados despossuídos, os desempregados, esboçam novas formas de ação e de luta social e política, recusando-se a respaldar governos e grupos que tem sido dominantes há muito tempo.
A história esta sendo redescoberta de outros modos e por outras formas. Nos Andes, responsável por uma cultura indígena secular e mesmo milenar, cujos valores, ideários, sentimentos são muito distintos daqueles estruturados sob o controle e o tempo do capital, ampliam-se as rebeliões, desenham-se novos ciclos de lutas, dando claros sinais de contraposição à ordem que se estrutura desde o início do domínio e espoliação colonial.
Começa a ser desenhada uma nova forma de poder popular, autoconstituinte, moldada pela base. Na Bolívia, por exemplo, os povos indígenas e camponeses vêm rompendo com a conservação e a sujeição. Herdeiros de uma tradição revolucionária, o povo boliviano tem dado mostras de muita força e rebeldia, sinalizando que o avanço popular é cada vez maior, o que vem aguçando a oposição burguesa e imperialista em suas várias tentativas de desestabilizar o governo de Evo Morales.
Na Venezuela, os assalariados pobres dos morros de Caracas avançam na organização popular como uma forma alternativa de poder nas empresas, nos bairros populares, nas comunas, ampliando sua ação, impulsionando o governo Chavez, fazendo acentuar seus traços anticapitalistas e filiando-o na rota das alternativas de inspiração socialista. Avança-se, com a mobilização popular, no esboço do desenho prático e reflexivo dos novos caminhos do socialismo no século XXI.
No Peru, os indígenas e camponeses estão desencadeando levantes todos os dias, neste mês de junho de 2009, contra o governo conservador e de direita de Alan Garcia, que acumula índices de crescente oposição popular e procura controlar através de brutal repressão. Junto com tantos outros povos andinos, os latinoamericanos aumentam os espaços de resistência e rebelião.
Na Argentina, quando da eclosão dos levantes em dezembro de 2001, vimos a luta dos trabalhadores desempregados, denominados “piqueteros”, que depuseram, junto com as classes médias empobrecidas, vários governos, nos dias que abalaram a Argentina. E que os Kirchner tentam a todo custo controlar e cooptar, usando-se dos novos modos de ser do velho peronismo.
As rebeliões no México, de Chiapas até a experiência da Comuna de Oaxaca em 2005, a resistência prometeica dos cubanos, a luta do MST contra a propriedade da terra, o agronegócios e seus transgênicos, são outros importantes exemplos das lutas sociais e políticas da florescem na América Latina. Isso para não falarmos das lutas operárias urbanas, dos assalariados da indústria e dos serviços mercadorizados, dos trabalhadores imigrantes, que temos freqüentemente destacado nesta nossa coluna.
Termino com a indagação que fiz em outra oportunidade: “não estarão os povos andinos, amazônicos, indígenas, negros, homens e mulheres trabalhadores dos campos e das cidades, a estampar que a América Latina não está mais disposta a suportar a barbárie, a subserviência, a iniqüidade, que em nome da “democracia das elites” assume de fato a postura do império, da autocracia, da truculência, da miséria e da indignidade? Não estaremos presenciando o afloramento de um novo desenho de poder popular, construído pela base, pelos camponeses, indígenas, operários, assalariados urbanos que começam novamente a sonhar com uma sociedade livre, verdadeiramente latinoamericana e emancipada?”.
Não estaremos começando tecer, redesenhar e mesmo presenciar as novas vias abertas na América Latina?
* Professor de Sociologia do IFCH/ UNICAMP e autor, dentre outros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo), e Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez).
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