Por que chove em SP: o megaprotesto de 15 pessoas contra Chávez
São Paulo fez sua parte na onda de protestos contra o presidente venezuelano, Hugo Chávez, realizados nesta sexta-feira (4), em cidades latino-americanas, estadunidenses e europeias. Na terra da garoa e do Movimento Cansei, a manifestação antichavista reuniu 15 aguerridas pessoas na Avenida Paulista.
Por André Cintra
É bem verdade que, no mesmo horário, o 15º Grito dos Excluídos reunia, em Porto Alegre, um público cem vezes maior. Mobilizaram-se na capital gaúcha cerca de 1.500 manifestantes, em defesa da valorização da vida, do direito à luta e contra a corrupção generalizada do governo Yeda Crusius (PSDB-RS). Mas não é o caso de fazer comparação.
Quem teve a sorte de ler O Estado de S. Paulo neste sábado (5) já sabe que o ato anti-Chávez atingiu o ápice possível — não tinha condições de ser maior. Afinal, chovia em São Paulo no momento da manifestação. Não era exatamente uma tormenta ou um dilúvio, mas, sim, uma intolerável chuvinha fina — o suficiente para inviabilizar um evento mais massivo.
Como não choveu, por exemplo, em Madri e Barcelona, cada uma dessas metrópoles teve um público ainda maior — cerca de cem pessoas. Os maiores protestos ficaram com a Colômbia, onde o correspondente da BBC Mundo, Hernando Salazar, registrou: os manifestantes “eram, em sua maioria, pessoas da classe média e alta do país”. Como é bom ter uma elite progressista!
Dois presidentes latino-americanos acima de qualquer suspeita reagiram à altura e apoiaram as manifestações. Foi o caso do colombiano Álvaro Uribe (símbolo maior de lealdade e disciplina durante a era Bush) e do hondurenho Roberto Michelleti (grande adepto da legalidade institucional). No Brasil, nem o presidente Lula foi às falas nem o a natureza colaborou.
Que pena que os céus castigaram São Paulo num dia histórico, em que os meios geopolíticos estremeceram e ruas de todo o planeta se encheram de esperança. O texto da repórter Renata Miranda, do Estadão, detalha tudo: “Em São Paulo, a chuva fina que caiu durante a tarde na Avenida Paulista espantou os manifestantes que protestavam contra o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Por volta das 13h30, quando a reportagem do Estado passou pelo local do protesto, apenas 15 manifestantes estavam reunidos no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp)”.
A repórter também ressalva que “a maioria dos presentes era composta de mulheres estrangeiras”. Leia-se que os brasileiros, lamentavelmente insensíveis aos apelos de jovens playboys colombianos e venezuelanos, não atenderam à convocação “feita por redes sociais, como o Facebook e o Twitter”.
É possível que uma convocatória convencional tivesse agregado mais pessoas à multidão da Avenida Paulista. No primeiro capítulo de suas Memórias Póstumas, Brás Cubas lembra que apenas 11 pessoas — “Onze amigos!” — o enterraram. E se justifica: “Verdade é que não houve cartas nem anúncios”. Ou talvez a forma de convocação seja mesmo irrelevante. “Acresce que chovia — peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante”, registra o “defunto autor” criado por Machado de Assis.
Ah, a chuva de novo. Um “bom e fiel amigo”, a quem Brás Cubas deixara 20 apólices, não pensou duas vezes: “Vós, que o conhecestes, meus senhores vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado."
Sobre o megaprotesto de 15 combativos democratas contra Chávez, só faltou ao Estadão dizer que os céus de São Paulo choraram em solidariedade aos manifestantes. Nada como uma matéria jornalística realmente precisa e confiável, sem ironias.
Está em www.vermelho.org.br
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