Osvaldo Russo*
A
destruição de 2 hectares de um laranjal, plantado em extensa área
pública da União ocupada ilegalmente por uma grande empresa privada,
orquestrada pela mídia e pelos interesses do agronegócio, escandaliza.
Enquanto
isso, milhares de famílias estão acampadas em beira de estradas,
trabalhadores são escravizados em pleno século 21 e trabalhadores
rurais, líderes sindicais, religiosos e advogados são assassinados no
Brasil.
Mas isso não escandaliza.
Milhares
de processos estão travados na justiça emperrando as desapropriações
para fins de reforma agrária e deixando sem solução os crimes do
latifúndio e de sua pistolagem.
Mas isso não escandaliza.
As
denúncias sobre casos de trabalho escravo contemporâneo atingem um
recorde histórico no Brasil, de acordo com o relatório "Conflitos no
Campo Br asil 2008", elaborado pela Comissão Pastoral da Terra, que
registra 280 ocorrências no ano passado. Ao todo, os casos relatados
pela CPT envolveram sete mil trabalhadores, 86 deles crianças e
adolescentes, tendo havido 5,2 mil libertações.
Mas isso não escandaliza.
Segundo
dados do Ministério do Trabalho e Emprego, de 1995 a 2002, a
Fiscalização do Trabalho do ministério realizou 177 operações em 816
fazendas, lavrando-se 6.085 autos de infração. Já no período de 2003 a
2008, foram realizadas 607 operações, envolvendo 1.369 fazendas
fiscalizadas, onde foram lavrados 16.981 autos de infração, o que
significa um incremento anual de 272,1% em relação ao período anterior.
Mas isso não escandaliza.
O
recorde nas denúncias foi acompanhado da intensificação da ação
fiscalizadora do governo federal, que declarou a erradicação e a
repressão ao trabalho escravo contemporâneo como prioridades do Estado
brasileiro. O Plano prevê a aprovação da PEC que altera o art. 243 da
Constituição Federal, dispondo sobre a expropriação de terras – sem
indenização - onde forem encontrados trabalhadores submetidos a
condições análogas à escravidão e que, em muitas situações, tentam
fugir da fazenda e são impedidos pelo fazendeiro. Mas os ruralistas
escravocratas reagem e impedem a sua aprovação pelo Congresso Nacional.
Mas isso não escandaliza.
Ideólogos
do agronegócio escravocrata tentam explicar o injustificável, chegando
a afirmar que "o principal objetivo desse trabalhador em eventual fuga
da fazenda e posterior retorno trazendo a fiscalização trabalhista não
seria apenas evitar o pagamento da dívida contraída com o empreiteiro,
mas, talvez muito mais importante, receber a ‘multa’ de vários milhares
de reais, comumente imposta pelo fiscal ao agricultor e em favor do
trabalhador, sob a acusação de prática de ‘trabalho escravo’ por parte
do fazendeiro. Além disso, os trabalhadores ‘libertados’ passam a
receber seguro desemprego, sendo possível que, depois, passem a receber
também Bolsa Família".
Mas isso não escandaliza.
Após
mais de século da assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda convive com
as marcas deixadas pelo regime colonial-escravista e por disparates
escritos por seus neoideólogos. Conforme apresentação do Plano Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003, assinada pelos então
ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e Jacques Wagner
(Trabalho e Emprego), "a escravidão contemporânea manifesta-se na
clandestinidade e é marcada pelo autoritarismo, corrupção, segregação
social, racismo, clientelismo e desrespeito aos direitos humanos".
Mas isso não escandaliza.
Apesar
do grande aumento da produção agrícola de 1975 pra cá, os ruralistas
tentam impedir a atualização dos índices de produtividade da terra para
fins de reforma agrária e ameaçam o governo e os sem terra com
retaliações.
Mas isso não escandaliza.
Os
ruralistas querem reinventar uma CPI para criminalizar o MST e
intimidar o governo. Eles não querem a democracia e a justiça social.
Eles querem continuar escravizando os trabalhadores rurais e impedir a
reforma agrária no Brasil.
Mas isso não escandaliza.
Joaquim
Nabuco, O Abolicionista, dizia que a Abolição da Escravatura era
indissociável da democratização do solo pátrio. Monarquistas e
republicanos não lhe deram ouvidos e a concentração das terras em
poucas mãos continua escandalosa.
Mas isso não escandaliza.
Antes da Abolição, a rebeldia dos escravos escandalizava, mas o açoite neles não.
*Osvaldo Russo, ex-presidente do INCRA, é coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT
Artigo publicado no Correio da Cidadania e no Portal do PT, copiado do PatriaLatina
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