Por Alejandro Nadal (*)
Um fantasma percorre os campos do Chaco, norte da Argentina. Após
meses de investigação e acaloradas disputas, confirmou-se a existência
de uma variedade de sorgo (Sorghum halepense – também
conhecido no Brasil como capim Massambará, Pasto Russo ou Erva de São
João) resistente ao herbicida glifosato, na província de Salta. É o
primeiro caso de uma variedade de sorgo resistente ao glifosato desde
que esse herbicida começou a ser usado no mundo, há três décadas. A
difusão desta erva daninha através das colheitadeiras que circulam por
todos os lados após cada safra não é um bom augúrio.
A presença do sorgo resistente ao glifosato já foi reconhecida pelo
principal organismo encarregado de vigiar as ervas daninhas resistentes
a herbicidas (www.weedscience.org).
Essa descoberta é um pesadelo que se tornou realidade para os
produtores de soja transgênica. É também uma lição para a Sagarpa
(organização mexicana de proteção fitossanitária), que acaba de
autorizar ilegalmente as primeiras plantações experimentais de milho
transgênico no México. É o primeiro passo no caminho para autorizar a
plantação comercial e consolidar a liberação do milho geneticamente
modificado no México, centro de origem deste cultivo de importância
mundial.
Vamos por partes. O Sorghum halepense é uma das dez
principais ervas daninhas que afetam a agricultura de climas
temperados. É uma erva daninha perene, dotada de grande capacidade de
reprodução e sobrevivência ao controle por meios mecânicos. A ironia é
que em muitos países, incluindo a Argentina, foi introduzido como uma
espécie forrageira, por sua alta produtividade e capacidade de
adaptação. Em poucos anos, converteu-se em uma praga cujo combate com
agentes químicos teve grandes custos para os agricultores e para a
biodiversidade.
Na luta contra essa “erva daninha perfeita” vinha se usando o
glifosato, herbicida de amplo espectro que destrói, em plantas
superiores, a capacidade de sintetizar três aminoácidos essenciais. É o
herbicida seletivo de maior venda no mundo e sua expansão acelerou-se
com os cultivos transgênicos como os da soja Roundup Ready, da
Monsanto, geneticamente modificada para aumentar sua resistência ao
glifosato. Hoje, a soja transgênica é plantada em cerca de 18 milhões
de hectares na Argentina. Esse cultivo transformou a paisagem rural do
pampa, transtornando as relações sociais que permitiam a pequena
agricultura e abrindo as portas para o agronegócio em grande escala. As
exportações de soja são o principal sustento da política fiscal
Argentina: 18% da receita fiscal total vêm do imposto sobre as vendas
de soja ao exterior. Mas o colapso desta bolha da soja é uma questão de
tempo. A aparição do sorgo resistente ao glifosato é só um aviso. A
soja transgênica usa um pacote tecnológico de plantio direto (ou
lavragem mínima), onde se deixa o mato cobrir a terra para protege-la
da chuva e do vento. Isso reduz os riscos de erosão, mas deve ser
acompanhado de um incremento no uso de herbicidas. Esse tipo de cultivo
está associado a um crescimento espetacular do uso destes insumos: em
apenas dez anos, o consumo de glifosato passou de 15 a 200 milhões de
litros.
O resultado, no final do caminho, era de se esperar: cedo ou tarde,
apareceriam espécies resistentes às estratégias desenhadas e
implementadas por este modelo de agricultura comercial. Com a difusão
do pacote tecnológico da soja transgênica, essa resistência apareceria
mais rapidamente, pois o processo de co-evolução (que, no fundo, é o
que rege esse fenômeno) iria se acelerando. É o que acontecerá também
com o milho transgênico cujo plantio está sendo autorizado agora no
México. A aparição de insetos resistentes à toxina produzida nos
cultivos transgênicos Bt é uma questão de tempo.
Ainda não há registro de grandes populações resistentes à toxina Bt,
mas em parte isso se deve à estratégia que consiste em deixar refúgios
de plantas não transgênicas nas áreas plantadas. Nos Estados Unidos,
essa prática tem sido acompanhada pelo uso complementar de inseticidas.
Mas a advertência de ecólogos e agrônomos segue vigente: essas
estratégias só retardam o processo de aparição de insetos resistentes
ao Bt, não o detém. O cultivo de milho transgênico no México aumentará
a probabilidade de surgimento de populações de insetos resistentes ao
Bt em um menor espaço de tempo. Esse não é o único problema, mas o
exemplo do sorgo na Argentina é um sinal que não devemos ignorar.
A trajetória tecnológica dos cultivos geneticamente modificados nos
conduz a um beco sem saída. É claro que, para as empresas e seus
cúmplices no governo, este é um bom instrumento para tornarem-se donas
do campo, transformando-o em seu espaço de rentabilidade. Para a
Sagarpa e o governo (falando aqui do caso mexicano) nada deve se
interpor entre as companhias transnacionais e a rentabilidade, nem
sequer a débil legislação sobre biossegurança que foi desenhada para
servir aos interesses dessas mesmas empresas.
(*) Alejandro Nadal é economista, professor pesquisador do
Centro de Estudos Econômicos, no Colégio do México. Colaborador do
jornal La Jornada, onde este artigo foi publicado originalmente dia 20
de outubro.
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