Gabriel Brito - Correio da Cidadania | |
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Na semana que passou, a Justiça Eleitoral de São Paulo cassou o mandato
de 13 vereadores por conta de doações recebidas da Associação das
Imobiliárias Brasileiras acima dos valores permitidos por lei. Após o
pequeno rebuliço, todos acabaram obtendo liminares que asseguraram o
direito de retornarem aos mandatos enquanto não se julga
definitivamente a ação (confira os nomes no final da matéria).
Demonstração cabal da degradação da função pública, cada vez mais
distanciada de seu caráter republicano de servir aos interesses
populares (isto é, dos eleitores), o caso, se não serve para punir
exemplarmente os que negociam seus mandatos, ao menos desnuda a que
ponto chegou a descaracterização do fazer político.
"Mais do que nunca essas cassações e denúncias que vêm ocorrendo, já
antigas, trazem à tona a discussão sobre a influência do poder
econômico no processo eleitoral, e de como ele é determinante e influi
não só na eleição no Brasil, mas, sobretudo, como continua a fazê-lo. O
caso do Renan Calheiros é clássico. Ele foi financiado por uma
empreiteira e depois esta continuou pagando suas despesas. Ou seja, é o
poder econômico comprando seus representantes", disse ao Correio o
deputado estadual do PSOL Carlos Giannazzi.
Com doações que rondavam em torno de 1,6 milhão de reais para o último
pleito, de 2008, é impossível não relacionar a agenda política dos
parlamentares com as fartas benesses do setor privado. Rodoanel, Nova
Marginal, prédios e mais prédios e recentemente o pacote habitacional
são todos projetos bilionários que certamente encherão os cofres das
empreiteiras e imobiliárias (como também já publicou o Correio), que
poderão reaver o investimento realizado nos homens públicos. Tudo isso
sem considerar a possibilidade de doações ocultas ou individuais das
empresas do ramo.
"O que acontece na Câmara acontece em outros legislativos, no
judiciário, executivo, é algo generalizado em nosso país. As
empreiteiras que financiam as grandes construtoras, também financiam
candidatos para depois serem beneficiadas em licitações de grandes
obras públicas", destacou.
"Vejo como escândalo o caso da Associação Imobiliária Brasileira (AIB),
que tem vários vereadores eleitos, inclusive os que redigem planos
diretores. Sobre o PAC e o Minha Casa, é importante ver como eles são
em grande medida complementares. Pois o PAC beneficia sobretudo as
empresas de ‘construção pesada’ que fazem infra-estrutura e para as
quais a questão fundiária é irrelevante. O Minha Casa beneficia as
empresas de ‘construção civil’ e o setor imobiliário, para o qual o
fundiário é decisivo. Ou seja, são as frações de capital recebendo do
Estado as fatias do fundo público", já dissera o urbanista Pedro
Arantes, dando o exemplo de importantes políticas públicas que vão de
encontro aos interesses citados.
Sobre a relação da AIB com os parlamentares, o deputado aponta a
promiscuidade que significa o envolvimento financeiro daqueles que
devem zelar pela cidade com os que se interessam apenas pela causa
própria. "É ilegal que uma associação quase fantasma, ligada a um
sindicato de empreiteiras, o Secovi (Sindicato das Empresas de Compra,
Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de
São Paulo) tenha financiado quase metade da Câmara. É um absurdo, pois
é a Câmara Municipal que aprova os projetos de lei dessa área de
construção", denuncia Giannazzi.
Como disse o parlamentar, é evidente que os vereadores não estão
sozinhos nessa. Deputados e o prefeito Gilberto Kassab também receberam
amplos investimentos dos patrões do setor, o que talvez explique a
batalha armada pelo político do DEM para alterar o nunca aplicado Plano
Diretor das Cidades, de 2001, mesmo com a maciça oposição de 165
entidades da sociedade civil na Assembléia Legislativa. Em questão,
estava a intenção governamental de mexer no ponto que denomina
importantes regiões da cidade como Zonas Especiais de Interesse Social
- isto é, zonas que deveriam ser destinadas a reformas urbanas que
atendessem à população mais carente de serviços, infra-estrutura e
moradia de qualidade.
"Não temos a aplicação do Plano Diretor, não temos uma fiscalização
rígida em cima das empreiteiras, não há avaliação de impacto ambiental
sobre as grandes construções de condomínios e prédios sendo feitas em
São Paulo...", enumera o parlamentar.
Quando chega a hora de retribuir
Em lugar da aplicação do Plano Diretor original, a idéia de Kassab é
implantar as ‘Concessões Urbanísticas’, estabelecendo determinada área
da cidade como de interesse público, oferecendo-a a partir disso ao
mercado. Este, por sua vez, teria o direito de revitalizar a área,
tendo outorgado a si, também, o poder de realizar desapropriações nas
áreas que julgasse relevantes.
"Em cada esquina há uma grande construção, com um impacto imenso na
poluição e no trânsito. E a cidade não tem mais condições de conviver
com tantas construções. A Câmara é omissa, pois, se uma parte dos
vereadores foi financiada pelas empreiteiras, claro que não vai fazer
fiscalização", escancara o psolista.
Diante de tais fatos, pode-se constatar a completa subordinação do
espaço público ao interesse privado, "de mercado", como cunhou o
deputado. Se já são conturbadas as expropriações realizadas pelo poder
público (vide algumas na periferia com cenas de violência e
arbitrariedades policiais), o que dizer quando estas puderem ser feitas
por entidades privadas, oficialmente descompromissadas com o interesse
cidadão? No entanto, ao menos o MP e a Defensoria Pública já se
manifestaram acerca da inconstitucionalidade do projeto (ver aqui em texto de Pedro Arantes).
Essa situação, que impacta diretamente nossas cidades, encontra
correlação em outros setores de nossa economia. Na saúde, por exemplo,
como já demonstrado por este Correio, as entidades do setor doaram
milhões de reais à campanha de José Serra. Por sua vez, o tucano
retribuiu com o Projeto de Lei Complementar 62/2008, que abre as portas
de todos os hospitais públicos para a administração privada. Sem contar
que, mesmo em épocas de cortes orçamentários, não se cobra dos planos
de saúde a dívida de bilhões de reais que estes têm com o SUS. "Esse
foi um caso descoberto agora pelo MP sobre o setor imobiliário, mas
existem outros setores fazendo o mesmo, de acordo com seus interesses",
lembra Giannazzi.
Exemplos semelhantes podem ser encontrados nos setores bancário e
automobilístico, grandes promotores financeiros dos nossos
representantes políticos, para ficarmos entre os casos mais conhecidos.
O primeiro recebe injeções portentosas de capital, mesmo anunciando
lucros estratosféricos e demissões simultaneamente; já o segundo tem o
beneplácito da redução de impostos, como o IPI, e incentivos para
aumento de produção, mesmo com o clamor da cidade em torno da
substituição do transporte individual pelo coletivo.
Oportunidade de abrirmos os olhos
A cultura de apropriação do público pelo privado atingiu tal patamar
que nenhum parlamentar cogitou a hipótese de entregar o cargo ou ao
menos desculpar-se publicamente pelo claríssimo desvio de compromisso.
Pois foi a Justiça Eleitoral quem determinou as cassações. E a lei
eleitoral é bem cristalina quando estabelece limites de doação e entes
que têm direito a fazê-las, o que foi inegavelmente desrespeitado –
tudo isso sem ter de entrar na discussão sobre a questão ética de tais
contribuições, mas atendo-se tão somente à letra da lei vigente.
Porém, o deputado enxerga um lado positivo na exposição do caso, ainda
que as punições não tenham se concretizado. "Essa situação gera
discussão e uma contribuição para o cidadão e eleitor ficar mais
crítico, não só na hora de eleger, mas, sobretudo, na hora de
acompanhar as votações, como votam deputados e vereadores. Se foi
financiado por construtora, vai votar a favor delas". Uma autêntica
prática do ‘é dando que se recebe’.
Mas, para piorar, perdeu-se a chance de tornar mais transparente o
acompanhamento do eleitor, com a reforma eleitoral recém-finalizada no
Congresso, que ignorou todos os pontos que geravam expectativa no
debate público. Entre eles o das doações, que poderão permanecer
ocultadas dos eleitores até o final dos pleitos, além de ter sido
deixado para uma próxima reforma o financiamento público de campanha.
"Temos câmaras e assembléias praticamente privatizadas, com vereadores,
deputados e senadores como representantes e serviçais do poder
econômico. A sociedade fica neutralizada nesse processo. Essa reforma
política foi apenas um pequeno ajuste. Temos é de fazer uma grande
mudança eleitoral", indica Giannazzi.
Vereadores cassados e que já retomaram os cargos:
Adilson Amadeu (PTB), Adolfo Quintas Neto (PSDB), Carlos Alberto
Apolinário (DEM), Carlos Alberto Bezerra Júnior (PSDB), Cláudio Roberto
Barbosa de Souza (PSDB), Dalton Silvano do Amaral (PSDB), Domingos
Odone Dissei (DEM), Gilson Almeida Barreto (PSDB), Marta Freire da
Costa (DEM), Paulo Sérgio Abou Anni (PV), Ricardo Teixeira (PSDB),
Ushitaro Kamia (DEM) e Wadih Mutran (PP).
Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Cassações de vereadores paulistanos escancaram privatização dos homens públicos
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