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Como visão de mundo orgânica ao capitalismo, o liberalismo tem
limites insuperáveis para ir à raiz do impasse ecológico. A valorização
do capital pressiona à mais ampla mercantilização de bens e serviços; a
mercantilização cria incessantemente padrões artificiais e predatórios
de consumo, ao mesmo tempo em que a busca do lucro incentiva
tecnologias agressivas ao meio-ambiente; a crença nas virtudes do
mercado cria limites à regulação institucional dessas potências
destrutivas inscritas na dinâmica do capitalismo; valores do egoísmo,
da concorrência e da dominação minam uma cultura solidária, fraterna e
democrática receptiva a um novo paradigma ecológico.
É na crítica às potências destrutivas do liberalismo e de seu
paradigma que o maior economista brasileiro, Celso Furtado, construiu o
seu conceito de desenvolvimento. Revisitar essa obra é um caminho
necessário para contribuir para superar as antinomias entre
desenvolvimento e ecologia e vincular o desafio de superação da miséria
ao desafio ambiental.
O mito do desenvolvimento econômico, de Celso Furtado, é um livro de
exílio, escrito na Universidade de Cambridge em 1973 e editado no
Brasil no ano seguinte. Ele traz no centro do seu argumento a denúncia
da insustentabilidade ambiental do ciclo de crescimento desatado pelo
regime militar.
O pensador brasileiro havia lido, então, o estudo de um grupo de
economistas do Massachussets Institute of Thecnology (MIT), chamado “Os
limites do crescimento”, no qual se perguntavam o que aconteceria se os
padrões de consumo dos países ricos fossem universalizados e
reproduzidos em escala global. A resposta dos economistas é que a
poluição do meio-ambiente e a pressão sobre os recursos naturais
não-renováveis seriam de tal monta que levaria a um verdadeiro colapso
da civilização. O que faz Celso Furtado é integrar essa previsão ao seu
conceito de subdesenvolvimento, de dependência tecnológica e mimetismo
cultural, afirmando que a dinâmica do capitalismo leva à concentração
de renda e da riqueza e não à universalização dos padrões de consumo.
Mas integrava esse limite civilizacional do paradigma de produção e
consumo dominante para uma crítica de raiz do novo modelo de
crescimento vertiginoso assistido pelo Brasil de 1970 a 1973, com o PIB
sempre aumentado a mais de 10 % ao ano.
Furtado denunciava o padrão de um crescimento chamado à época de
“milagre econômico”, que provaria não ter bases históricas sólidas.
Chamava, então, de mito essa visão de futuro que assimilava
irreflexivamente desenvolvimento a progresso e progresso ao simples
crescimento econômico. Faz as perguntas fundamentais: “Por que ignorar,
na medição do PIB, o custo para a coletividade da destruição dos
recursos naturais não renováveis, e o dos solos e florestas
(dificilmente mensuráveis)? Por que ignorar a poluição das águas e a
destruição total dos peixes nos rios em que as usinas despejam seus
resíduos?”.
Armadilhas
O argumento de Furtado é que o crescimento baseado na concentração
da renda e no mimetismo de consumo dos países ricos leva a uma
artificial diversificação das mercadorias, conduz à produção
preferencial de bens de curta duração, produz, em escala ampliada,
desperdício, além de não incorporar o custo ecológico. Ele denuncia a
destruição da natureza e das culturas arcaicas ou tradicionais que
perecem ou são destruídas em função da homogeneização dos padrões
culturais.
É assim que conclui seu livro fundador da consciência ecológica
econômica brasileira: “Sabemos agora de forma irrefutável que as
economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de
similares às economias que formam o atual centro do sistema
capitalista. Mas, como negar que essa idéia tem sido de grande
utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar
enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas de culturas
arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o
meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o
caráter predatório do sistema produtivo?”. O grande desafio seria o de
definir grandes metas sociais e transformar o modelo econômico na
direção dessas metas.
Pensando desde a década de cinqüenta o tema do subdesenvolvimento, a
partir da crítica ao desenvolvimento desigual do capitalismo, criando
um sistema centro-periferia, e ao pensamento econômico convencional,
que pensava a superação do atraso na periferia como uma repetição de
estratégias de mercado supostamente verificadas no centro, Celso
Furtado aliou ao estruturalismo de suas análises uma perspectiva
histórica ampla dos acontecimentos. Esse método histórico-estrutural,
apto a pensar o movimento das estruturas e o deslocamento de padrões
históricos, permitiu que ele escrevesse o clássico Formação da economia
brasileira, enriquecendo a narrativa dos grandes pensadores do país.
Essa primeira vitória sobre o reducionismo econômico lhe permitiu
analisar que o subdesenvolvimento constituía uma produção histórica de
uma economia periférica, heterônoma, marcada pela irracionalidade dos
meios e dos fins. Dependência, exclusão, carecimento de verdadeiras
instituições republicanas, mimetismo cultural e predação do meio físico
vinham juntos. A economia nordestina, formula Furtado, ocupa
irracionalmente o agreste e preda na monocultura canavieira as terras
férteis. Um plano de desenvolvimento regional deveria permitir formas
mais racionais de ocupação, de produção nas terras férteis, de
incentivo seletivo à industrialização, de superação dos padrões
coronelísticos de dominação, de distribuição de renda e de irrigação
dos solos áridos com frutos democraticamente distribuídos.
Desenvolvimento e cultura
O ensaio dos economistas Oscar Burgueño e Octavio Rodriguez,
“Desenvolvimento e cultura”, editado em A grande esperança em Celso
Furtado (São Paulo: Editora 34, 2001), nos fala de uma segunda vitória
contra o reducionismo econômico, já presente desde as origens no
pensamento furtadiano, mas que viria a se desenvolver mais plenamente
em suas obras dos anos 1978 e 1984, respectivamente Criatividade e
dependência na civilização industrial e Cultura e desenvolvimento em
época de crise. Trata-se de pensar o próprio paradigma do
desenvolvimento à luz da cultura, dos paradigmas culturais que informam
as racionalidades e os valores.
Furtado identifica dois processos de criatividade humana: o primeiro
diz respeito à técnica e o segundo, aos valores que homens e mulheres
adicionam ao seu patrimônio existencial. Este último é definido como um
conjunto criativo capaz de ajudar homens e mulheres a se aprofundar em
seu autoconhecimento, através de atividades como a reflexão filosófica,
a meditação mística, a criação artística e a investigação científica.
Assim, o enriquecimento dessa cultura não-material seria um dos
aspectos-chave do desenvolvimento.
É por essa superação radical do economicismo que se funda a ecologia
do desenvolvimento em Celso Furtado, e ganha corpo, na raiz mesma do
seu pensamento, a crítica da “ideologia do progresso-acumulação”.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
A ecologia do desenvolvimento
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