domingo, 15 de novembro de 2009

Palestina: Israel faz guerra pela água nos territórios ocupados

Laurent Zecchini - Correio Internacional

A intensidade das reações ao relatório crítico da Anistia Internacional sobre a questão do acesso à água potável nos territórios palestinos ocupados por Israel relembra o quanto a questão da água é estratégica no Oriente Médio.
O estudo, realizado pela organização de defesa dos direitos humanos, e divulgado ao público na terça-feira, 27 de outubro, é um relato preocupante das práticas “discriminatórias” contra a população palestina, impostas pelas autoridades israelenses.
A partilha da água é um assunto político: faz parte das questões ligadas ao “estatuto final” de um futuro acordo de paz israelo-palestino, do mesmo modo que as questões dos refugiados, das fronteiras de um Estado palestino, e de Jerusalém. A Autoridade da Água israelense, que desmente as acusações da Anistia, conclui que há poucas chances de evolução para um acordo com relação ao tema.
O acesso à água, que é submetido ao controle total que Israel exerce sobre os recursos da região, é agravado pela seca aguda que ameaça hoje os lençóis freáticos. A Anistia destaca que o Estado judeu usa mais de 80% de água proveniente das montanhas, limitando o acesso dos palestinos a 20% desta reserva. No entanto, esta é a única fonte de água dos palestinos na Cisjordânia, insiste a Anistia, “enquanto Israel dispõe de várias fontes de provisão de água (Lago de Tiberíades e aqüífero costeiro) e usa toda a água disponível do [Rio] Jordão.” O Estado judeu ocupa o vale do Rio Jordão desde a guerra de 1967, e não concede nenhum acesso às suas margens aos palestinos.
As águas do Jordão são cobiçadas ao mesmo tempo por Israel, Síria, Líbano e Jordânia, resultando em alguns lugares na redução de sua vazão à de um arroio salinizado e contaminado pelos resíduos não tratados, o que agrava a seca preocupante do Mar Morto.
A Anistia destaca que o consumo de água dos palestinos é de apenas 70 litros por pessoa por dia, um nível consideravelmente menor que os 100 litros recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), contrastando com os mais de 300 litros consumidos pelos israelenses.
Em algumas áreas rurais, acrescenta a organização, os palestinos sobrevivem com somente 20 litros por dia. Mais de quarenta anos após a ocupação da Cisjordânia, explica Donatella Rovera, autora do relatório, entre 180 e 200 mil palestinos que vivem em comunidades rurais ainda não têm acesso à água corrente. Esta situação fica ainda mais chocante, insiste ela, com o fato de que os colonos israelenses assentados na Cisjordânia, “violando o direito internacional, recorrem à irrigação intensiva de suas lavouras, e possuem luxuosos jardins e piscinas.”
Esta última afirmação não é muito convincente: os “jardins luxuosos” e as “piscinas” estão longe de ser comuns, e os colonos judeus na Cisjordânia formam um conjunto de indivíduos com grande disparidade nas rendas. “Cerca de 450 mil colonos usam tanto quanto, senão mais água, que o total da população palestina, estimada em 2,3 milhões”, acrescenta a Anistia, que consagra uma parte importante deste relatório à situação na faixa de Gaza, onde a falta d’água é crítica. Nesta porção de território controlado pelo Hamas, o único recurso de água é o aqüífero costeiro, uma vez que Israel não autoriza o envio de água da Cisjordânia para Gaza.
Poderosa ferramenta política
Sobreexplorado e contaminado em mais de 90% por dejetos não tratados, o aqüífero costeiro é fonte de doenças e epidemias. Esta situação é agravada pelo bloqueio imposto por Israel, que proíbe a entrada em Gaza de equipamentos necessários para o conserto e modernização da rede de abastecimento.
O relatório da Anistia relembra que os palestinos não podem cavar novos poços sem obter a autorização expedida pelo exército israelense. Ele também explica como as restrições de acesso à água potável são uma ferramenta política a favor das expulsões. E mostra, enfim, como o “Muro” ou “barreira de segurança”, as cabines de controle [os chamados check-points] e outras barreiras rodoviárias impedem ou retardam o acesso à água na Cisjordânia.
A Autoridade de Águas israelense contestou os dados fornecidos pela Anistia, denunciando não ter sido consultada, mas não refutou a realidade do processo discriminatório pelo qual passam os palestinos.
Se os israelenses consomem “408 litros de água por dia” (a Anistia fala em 300 litros), os palestinos usam 200, afirma a Autoridade, garantindo que o consumo dos israelenses baixou em 70% desde 1967, enquanto o consumo total anual dos palestinos aumentou de 85 para 105 milhões de m3 no mesmo período. A Autoridade de Águas reforça enfim que Israel sempre ofereceu mais água aos Palestinos do que os Acordos de Oslo (1993) lhes garantiam.
Acima dos números, a postura das autoridades israelenses mostra que o acesso à água continua sendo um poderoso instrumento político nas relações israelo-palestinas. É também uma aposta estratégica regional: para amenizar uma falta crescente d’água, Israel pretende voltar a importar este recurso da Turquia. Mas a recente deterioração de suas relações diplomáticas com Ancara não favorece tal objetivo.



Tradução: Carlos Gorito.
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