China ajuda poderosos na Namíbia
Assim como os pais em todos os lugares do
mundo, mães e pais na Namíbia, uma nação empobrecida no sul da África
[que faz fronteira com Angola e Zâmbia ao norte, Botsuana a leste e
sul, e África do Sul ao sul, e cuja capital é Windhoek], se preocupam
com os custos universitários e com as oportunidades disponíveis para
seus filhos. O governo chinês tomou uma atitude para ajudar nesse
sentido – a uns poucos, seletos e poderosos.
Nesse ano, o governo de Pequim já concedeu secretamente bolsas de
estudo na China para os filhos de nove oficiais do alto escalão,
incluindo a filha do presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba. Dois
jovens parentes do ex-presidente da Namíbia e patriarca nacional, Sam
Nujoma, também receberam esse benefício.
A descoberta dessas bolsas de estudo, reveladas primeiro por um
contencioso jornal da Namíbia, desencadeou uma onda de fúria por parte
de grupos da sociedade civil e de organizações de jovens locais. Num
país onde cinco em cada seis formados no ensino médio não vão para a
universidade, muitos consideraram inescrupuloso o fato de líderes do
governo com altos salários aceitarem bolsas de estudo em universidades
estrangeiras para seus filhos.
“Apenas pessoas em altos cargos do governo sabiam sobre as bolsas de
estudo”, disse Norman Tjombe, diretor de um centro de assistência
jurídica sem fins lucrativos. “Não foi dada nenhuma chance para o
público em geral”.
A controvérsia reacendeu um tenso debate na Namíbia sobre as
relações com o governo chinês, relações essas já sob análise dos
promotores da Namíbia. Investigações lá e em outros países em
desenvolvimento da África e da Ásia têm lançado uma nova luz sobre a
maneira pela qual a China muitas vezes usa seu dinheiro de empréstimos
e ajuda estrangeiros para criar alianças com elites locais e facilitar
a aprovação de contratos de exclusividade.
Mesmo alguns dentro do partido governista da Namíbia, Swapo [sigla
em inglês para Organização do Povo da África do Sudoeste, no poder
desde 1990], estão se perguntando se a China está tentando comprar
influência com as lideranças políticas locais para ganhar acesso às
fontes de minério ou conquistar mercados para suas companhias bem
relacionadas.
“Como é possível isso ter caído do céu como maná [alimento dado por
Deus aos judeus direto do céu]?”, questionou Elijan Ngurare, secretário
geral da liga jovem do Swapo, em uma entrevista por telefone. “é óbvio
que eles devem querer algo.”
Para alguns especialistas em relações internacionais, a controvérsia
das bolsas de estudo aponta o ponto cego na agressiva estratégia
chinesa para cimentar alianças diplomáticas, conseguir os direitos
sobre fontes de recursos naturais e fechar negócios no continente
africano. Pelo menos na Namíbia, os oficiais do governo chinês parecem
ter sido pegos de surpresa por um escrutínio público feito por uma
vibrante sociedade civil.
O escândalo das bolsas de estudo foi revelado primeiramente pelo tablóide independente Informante,
da capital Windhoek, como o orgulhoso lema: “você esconde, nós
revelamos.” Não aconteceu assim na China, onde mesmo os mais agressivos
meios de comunicação logo pararam de levantar questões desconfortáveis
sobre as negociações dos altos oficiais ou de seus filhos.
Bates Gill, diretor do Instituto Internacional de Pesquisas para a
Paz de Estocolmo [sigla em inglês SIPRI, organização que realiza
pesquisas científicas em questões sobre conflitos e realiza ajuda de
importância para a paz e segurança internacional], disse que a China
estava habituada a relações obscurecidas e controladas com outros
governos. “O envolvimento da China na África está indo mais longe e
mais rápido do que sua habilidade de entender e saber o que está
acontecendo lá”, disse Gill. Como resultado, “os constrangimentos serão
inevitáveis.”
A lista na Namíbia está crescendo. Em julho, investigadores
anticorrupção alegaram que uma estatal chinesa facilitou um negócio de
55,3 milhões de dólares [cerca de R$96 milhões] para vender ao governo
da Namíbia detectores de metal com milhões de dólares em propina. A
investigação é particularmente delicada porque até o ano passado, Hu
Haifeng, filho do presidente [chinês] Hu Jintao, dirigia a companhia de
materiais de segurança. Um oficial do Ministério do Comércio da China
disse recentemente que seu país estava cooperando com as autoridades da
Namíbia.
Outra investigação está centrada nas alegações de que uma companhia
chinesa de armamentos forneceu 700 mil dólares [cerca de R$1,2 milhões]
ao Tenente General Martin Shalli, comandante das forças armadas da
Namíbia. O presidente da Namíbia suspendeu em julho o General Shalli de
seu posto, que até agora não quis comentar o caso.
Bates Gill afirmou que tais alegações ameaçaram minar a
impressionante campanha chinesa para ligar seu desenvolvimento ao da
África. Acima de tudo, enquanto a China está fazendo “uma enorme e
positiva contribuição ao desenvolvimento da África,” disse Gill, ela
está desacostumada às dinâmicas de algumas democracias africanas.
No Fórum sobre Cooperação entre China e África este mês [novembro],
o Primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, anunciou que a China dobraria o
valor dos empréstimos oferecidos à África para 10 bilhões de dólares
[cerca de R$17 bilhões] nos próximos três anos, aumentaria o número de
bolsas de estudo e reduziria as tarifas sobre produtos importados das
nações mais pobres.
Porém, ele pareceu frustrado quando foi perguntado se a China estava
interessada somente nos recursos naturais da África. “Por que sempre há
acusações contra a China?”, questionou Wen Jiabao numa entrevista
coletiva concedida no dia 8 de novembro, no Cairo. “Esse é um ponto de
vista da África ou particularmente o do Ocidente?”
Na Namíbia, cientistas políticos dizem que estão aumentando as
inquietações sobre se oficiais estão negociando contratos teoricamente
isentos de interesses com a China. “As pessoas estão pensando que a
China está fazendo negócios secretos com o governo aqui, e elas estão
tendo todo tipo de suspeitas,” disse Carola Engelbrecht, uma ativista.
Entre os que receberam as bolsas de estudo estão os filhos de alguns
dos mais poderosos oficiais da Namíbia, incluindo o inspetor geral da
polícia da Namíbia e o ministro da justiça, que é também o secretário
geral do Swapo. Um grande beneficiário é o filho do ministro da Defesa,
cuja agência compra armamentos da China. Um outro é o filho do ministro
de Assuntos Internos e Imigração, cuja agência é responsável pela
aprovação das autorizações de residência e trabalho para um exército de
trabalhadores chineses cujas companhias ganharam contratos estatais ou
privados para negócios com a Namíbia.
Outros três beneficiários são filhos de um ministro, um
ministro-adjunto, e um oficial do terceiro escalão do Ministério de
Minas e Energia. Em julho, o Ministério renovou a licença que dá a uma
subsidiária de uma companhia estatal chinesa direitos exclusivos sobre
o urânio e outros minerais em áreas com grande potencial de exploração.
A comissão nacional anticorrupção deu início a uma investigação
preliminar sobre como as bolsas de estudo eram distribuídas. Oficiais
do governo chinês reagiram de forma bem típica: três agências
governamentais em Pequim não responderam questões por escrito.
Xia Lili, primeiro secretário da embaixada chinesa em Windhoek,
afirmou que não tinha obrigação de responder perguntas. “Está
encerrado,” ele disse.Porém, com as eleições nacionais marcadas para o
final do mês, está claro que o assunto não está encerrado. Bill
Lindeke, um cientista político do Instituto de Pesquisa sobre Políticas
Públicas em Windhoek, afirmou que os oficiais da Namíbia poderiam ser
forçados a pagar pela educação de seus filhos na China para acalmar a
controvérsia.
Oficiais da embaixada chinesa inicialmente insistiram para que o
Ministro da Educação fosse o responsável pelo processo de seleção. No
entanto, o ministro Nangolo Mbumba disse em uma entrevista coletiva
esse mês que seu ministério concedeu apenas 10 bolsas de estudo para
estudantes carentes e que não tinha nada a ver com as outras concessões
– algumas das quais aparentemente cobrem cinco anos de estudos.
O ministro ainda afirmou que a filha do presidente, Ndapanda
Pohamba, que está atualmente estudando na Universidade de Cultura e
Línguas de Pequim, “solicitou a bolsa de estudos por conta própria e só
depois comunicou aos seus pais.”
A afirmação do ministro de que “não se pode subornar alguém com
bolsas de estudos” desencadeou uma onda de indignação em uma nação
cujas duas universidades podem atender apenas cerca de 2 mil dos 12 mil
estudantes que se formam todo ano no ensino médio.
“Sr. Mbumba: qualquer coisa de valor que se aceite, ou ainda pior,
que se peça, constitui propina caso se trate de um órgão público”,
disse um cidadão em comentário postado no site do The Namibiam, um
jornal diário de Windhoek.
Sharon LaFraniere
Tradução: Aline Oliveira
Para acessar o texto original, clique aqui.
Fotografia de Stephen Walli, retirada daqui
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