terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Interesse chines pela Namibia...

China ajuda poderosos na Namíbia


Carlos Gorito - New York Times – Nova Iorque

 Assim como os pais em todos os lugares do mundo, mães e pais na Namíbia, uma nação empobrecida no sul da África [que faz fronteira com Angola e Zâmbia ao norte, Botsuana a leste e sul, e África do Sul ao sul, e cuja capital é Windhoek], se preocupam com os custos universitários e com as oportunidades disponíveis para seus filhos. O governo chinês tomou uma atitude para ajudar nesse sentido – a uns poucos, seletos e poderosos.
Nesse ano, o governo de Pequim já concedeu secretamente bolsas de estudo na China para os filhos de nove oficiais do alto escalão, incluindo a filha do presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba. Dois jovens parentes do ex-presidente da Namíbia e patriarca nacional, Sam Nujoma, também receberam esse benefício.
A descoberta  dessas bolsas de estudo, reveladas primeiro por um contencioso jornal da Namíbia, desencadeou uma onda de fúria por parte de grupos da sociedade civil e de organizações de jovens locais. Num país onde cinco em cada seis formados no ensino médio não vão para a universidade, muitos consideraram inescrupuloso o fato de líderes do governo com altos salários aceitarem bolsas de estudo em universidades estrangeiras para seus filhos.
“Apenas pessoas em altos cargos do governo sabiam sobre as bolsas de estudo”, disse Norman Tjombe, diretor de um centro de assistência jurídica sem fins lucrativos. “Não foi dada nenhuma chance para o público em geral”.
A controvérsia reacendeu um tenso debate na Namíbia sobre as relações com o governo chinês, relações essas já sob análise dos promotores da Namíbia. Investigações lá e em outros países em desenvolvimento da África e da Ásia têm lançado uma nova luz sobre a maneira pela qual a China muitas vezes usa seu dinheiro de empréstimos e ajuda estrangeiros para criar alianças com elites locais e facilitar a aprovação de contratos de exclusividade.
Mesmo alguns dentro do partido governista da Namíbia, Swapo [sigla em inglês para Organização do Povo da África do Sudoeste, no poder desde 1990], estão se perguntando se a China está tentando comprar influência com as lideranças políticas locais para ganhar acesso às fontes de minério ou conquistar mercados para suas companhias bem relacionadas.
“Como é possível isso ter caído do céu como maná [alimento dado por Deus aos judeus direto do céu]?”, questionou Elijan Ngurare, secretário geral da liga jovem do Swapo, em uma entrevista por telefone. “é óbvio que eles devem querer algo.”
Para alguns especialistas em relações internacionais, a controvérsia das bolsas de estudo aponta o ponto cego na agressiva estratégia chinesa para cimentar alianças diplomáticas, conseguir os direitos sobre fontes de recursos naturais e fechar negócios no continente africano. Pelo menos na Namíbia, os oficiais do governo chinês parecem ter sido pegos de surpresa por um escrutínio público feito por uma vibrante sociedade civil.
O escândalo das bolsas de estudo foi revelado primeiramente pelo tablóide independente Informante, da capital Windhoek, como o orgulhoso lema: “você esconde, nós revelamos.” Não aconteceu assim na China, onde mesmo os mais agressivos meios de comunicação logo pararam de levantar questões desconfortáveis sobre as negociações dos altos oficiais ou de seus filhos.
Bates Gill, diretor do Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo [sigla em inglês SIPRI, organização que realiza pesquisas científicas em questões sobre conflitos e realiza ajuda de importância para a paz e segurança internacional], disse que a China estava habituada a relações obscurecidas e controladas com outros governos. “O envolvimento da China na África está indo mais longe e mais rápido do que sua habilidade de entender e saber o que está acontecendo lá”, disse Gill. Como resultado, “os constrangimentos serão inevitáveis.”
A lista na Namíbia está crescendo. Em julho, investigadores anticorrupção alegaram que uma estatal chinesa facilitou um negócio de 55,3 milhões de dólares [cerca de R$96 milhões] para vender ao governo da Namíbia detectores de metal com milhões de dólares em propina. A investigação é particularmente delicada porque até o ano passado, Hu Haifeng, filho do presidente [chinês] Hu Jintao, dirigia a companhia de materiais de segurança. Um oficial do Ministério do Comércio da China disse recentemente que seu país estava cooperando com as autoridades da Namíbia.
Outra investigação está centrada nas alegações de que uma companhia chinesa de armamentos forneceu 700 mil dólares [cerca de R$1,2 milhões] ao Tenente General Martin Shalli, comandante das forças armadas da Namíbia. O presidente da Namíbia suspendeu em julho o General Shalli de seu posto, que até agora não quis comentar o caso.
Bates Gill afirmou que tais alegações ameaçaram minar a impressionante campanha chinesa para ligar seu desenvolvimento ao da África. Acima de tudo, enquanto a China está fazendo “uma enorme e positiva contribuição ao desenvolvimento da África,” disse Gill, ela está desacostumada às dinâmicas de algumas democracias africanas.
No Fórum sobre Cooperação entre China e África este mês [novembro], o Primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, anunciou que a China dobraria o valor dos empréstimos oferecidos à África para 10 bilhões de dólares [cerca de R$17 bilhões] nos próximos três anos, aumentaria o número de bolsas de estudo e reduziria as tarifas sobre produtos importados das nações mais pobres.
Porém, ele pareceu frustrado quando foi perguntado se a China estava interessada somente nos recursos naturais da África. “Por que sempre há acusações contra a China?”, questionou Wen Jiabao numa entrevista coletiva concedida no dia 8 de novembro, no Cairo. “Esse é um ponto de vista da África ou particularmente o do Ocidente?”
Na Namíbia, cientistas políticos dizem que estão aumentando as inquietações sobre se oficiais estão negociando contratos teoricamente isentos de interesses com a China. “As pessoas estão pensando que a China está fazendo negócios secretos com o governo aqui, e elas estão tendo todo tipo de suspeitas,” disse Carola Engelbrecht, uma ativista.
Entre os que receberam as bolsas de estudo estão os filhos de alguns dos mais poderosos oficiais da Namíbia, incluindo o inspetor geral da polícia da Namíbia e o ministro da justiça, que é também o secretário geral do Swapo. Um grande beneficiário é o filho do ministro da Defesa, cuja agência compra armamentos da China. Um outro é o filho do ministro de Assuntos Internos e Imigração, cuja agência é responsável pela aprovação das autorizações de residência e trabalho para um exército de trabalhadores chineses cujas companhias ganharam contratos estatais ou privados para negócios com a Namíbia.
Outros três beneficiários são filhos de um ministro, um ministro-adjunto, e um oficial do terceiro escalão do Ministério de Minas e Energia. Em julho, o Ministério renovou a licença que dá a uma subsidiária de uma companhia estatal chinesa direitos exclusivos sobre o urânio e outros minerais em áreas com grande potencial de exploração.
A comissão nacional anticorrupção deu início a uma investigação preliminar sobre como as bolsas de estudo eram distribuídas. Oficiais do governo chinês reagiram de forma bem típica: três agências governamentais em Pequim não responderam questões por escrito.
Xia Lili, primeiro secretário da embaixada chinesa em Windhoek, afirmou que não tinha obrigação de responder perguntas. “Está encerrado,” ele disse.Porém, com as eleições nacionais marcadas para o final do mês, está claro que o assunto não está encerrado. Bill Lindeke, um cientista político do Instituto de Pesquisa sobre Políticas Públicas em Windhoek, afirmou que os oficiais da Namíbia poderiam ser forçados a pagar pela educação de seus filhos na China para acalmar a controvérsia.
Oficiais da embaixada chinesa inicialmente insistiram para que o Ministro da Educação fosse o responsável pelo processo de seleção. No entanto, o ministro Nangolo Mbumba disse em uma entrevista coletiva esse mês que seu ministério concedeu apenas 10 bolsas de estudo para estudantes carentes e que não tinha nada a ver com as outras concessões – algumas das quais aparentemente cobrem cinco anos de estudos.
O ministro ainda afirmou que a filha do presidente, Ndapanda Pohamba, que está atualmente estudando na Universidade de Cultura e Línguas de Pequim, “solicitou a bolsa de estudos por conta própria e só depois comunicou aos seus pais.”
A afirmação do ministro de que “não se pode subornar alguém com bolsas de estudos” desencadeou uma onda de indignação em uma nação cujas duas universidades podem atender apenas cerca de 2 mil dos 12 mil estudantes que se formam todo ano no ensino médio.
“Sr. Mbumba: qualquer coisa de valor que se aceite, ou ainda pior, que se peça, constitui propina caso se trate de um órgão público”, disse um cidadão em comentário postado no site do The Namibiam, um jornal diário de Windhoek.

Sharon LaFraniere


Tradução: Aline Oliveira

Para acessar o texto original, clique aqui.

Fotografia de Stephen Walli, retirada daqui

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