Holocausto
Pretexto para propaganda Israelense
Pretexto para propaganda Israelense
Gideon Levy* - www.odiario.info“Como teria sido bonito se, neste dia internacional de lembrança, Israel tivesse aproveitado a altura para se examinar, fazer uma introspecção e perguntar, por exemplo, porque é que o anti-semitismo reapareceu no mundo precisamente no ano passado, um ano depois de termos lançado bombas de fósforo branco sobre Gaza. Como teria sido bonito se, neste Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, Netanyahu tivesse anunciado uma nova política para integrar os refugiados em vez de os expulsar, ou se tivesse acabado com o bloqueio de Gaza».
As personalidades importantes de Israel atacaram de madrugada numa
frente alargada. O presidente na Alemanha, o primeiro-ministro com uma
comitiva gigantesca na Polónia, o ministro dos estrangeiros na Hungria,
o seu representante na Eslováquia, o ministro da cultura em França, o
ministro da informação nas Nações Unidas, e até Ayoob Kara, membro
druso do Knesset, do partido de Likud, em Itália. Estavam todos no
estrangeiro a fazer discursos floreados sobre o Holocausto.
Quarta-feira foi o Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, e há muito que não se assistia a um tal ímpeto de relações públicas por parte de Israel. O momento deste esforço invulgar – nunca houve tantos ministros dispersos pelo globo – não é uma coincidência. Quando todo o mundo fala em Goldstone [1], nós falamos do Holocausto, como para esbater o impacto. Quando todas as pessoas falam da ocupação, nós tratamos de falar do Irão como se pretendêssemos que elas se esqueçam.
Não vai servir de muito. O Dia Internacional de Lembrança do Holocausto já passou, os discursos em breve serão esquecidos, e a deprimente realidade quotidiana vai continuar. Israel não se vai sair com boa imagem, mesmo depois desta campanha de relações públicas.
Na véspera da partida, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu falou em Yad Vashem [2]. «Há perversidade no mundo», disse. «A perversidade tem que ser reprimida logo de início». Há pessoas que estão a «tentar negar a verdade». Palavras arrogantes, ditas pela mesma pessoa que ainda no dia anterior, num registo bem diferente, proferira palavras muito diferentes, palavras de verdadeira perversidade, perversidade que deveria ser cortada pela raiz, perversidade que Israel está a tentar esconder.
Netanyahu falou de uma nova «política de migração», uma política totalmente perversa. Juntou no mesmo saco malevolamente trabalhadores migrantes e refugiados miseráveis – avisando que todos eles punham Israel em perigo, que fazem baixar os nossos salários, que ameaçam a nossa segurança, que nos transformam num país do terceiro mundo e que introduzem drogas. Apoiou zelosamente o nosso ministro do interior, Eli Yishai, um racista que falou dos migrantes como responsáveis pela difusão de doenças como a hepatite, a tuberculose, a sida, e sabe-se lá que mais.
Nenhum discurso sobre o Holocausto poderá apagar estas palavras de incitamento e calúnias contra os migrantes. Nenhum discurso de recordação poderá disfarçar a xenofobia que impera em Israel, não só na extrema-direita e na Europa, como em todo o governo.
Temos um primeiro-ministro que fala sobre a perversidade mas está a construir um muro para impedir que os refugiados da guerra batam à porta de Israel. Um primeiro-ministro que fala sobre a perversidade mas é cúmplice de quatro anos de bloqueio a Gaza, deixando 1,5 milhões de pessoas em condições miseráveis. Um primeiro-ministro em cujo país os colonos perseguem e massacram palestinos inocentes sob o slogan «price tag», que também tem conotações históricas terríveis, mas contra os quais o estado praticamente não faz nada.
É este o primeiro-ministro de um estado que prende centenas de manifestantes de esquerda contra as injustiças da ocupação e da guerra em Gaza, enquanto concede amnistias em massa aos direitistas que se manifestaram contra o desligamento. No discurso de ontem, a comparação de Netanyahu da Alemanha nazi com o Irão fundamentalista não passou de propaganda barata. Conversa fiada sobre «a degradação do Holocausto». O Irão não é a Alemanha, Ahmedinejad não é Hitler e é tão enganador fazer uma comparação destas como comparar os soldados israelenses aos nazis.
O Holocausto não pode ser esquecido, e não é preciso compará-lo com outra coisa qualquer. Israel tem que participar nos esforços para manter viva a sua recordação, mas para o fazer tem que mostrar as mãos limpas, limpas da perversidade das suas próprias acções. E não pode levantar suspeitas de que está a utilizar cinicamente a lembrança do Holocausto para apagar e esbater outras coisas. Infelizmente, não é isso o que está a acontecer.
Como teria sido bonito se, neste dia internacional de lembrança, Israel tivesse aproveitado a altura para se examinar, fazer uma introspecção e perguntar, por exemplo, porque é que o anti-semitismo reapareceu no mundo precisamente no ano passado, um ano depois de termos lançado bombas de fósforo branco sobre Gaza. Como teria sido bonito se, neste Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, Netanyahu tivesse anunciado uma nova política para integrar os refugiados em vez de os expulsar, ou se tivesse acabado com o bloqueio de Gaza.
Mil discursos contra o anti-semitismo não poderão apagar as chamas desencadeadas pela Operação “Cast Lead” (Chumbo Fundido), chamas que ameaçam não só Israel mas todo o mundo judeu. Enquanto Gaza estiver sob bloqueio e Israel mergulha na sua xenofobia institucionalizada, os discursos sobre o Holocausto não passarão de palavras vãs. Enquanto a perversidade andar por aqui à solta, nem o mundo nem nós próprios poderemos aceitar que se preguem sermões aos outros, mesmo que eles os mereçam.
Notas do tradutor:
[1] Relatório da missão das Nações Unidas para apuramento dos factos no conflito de Gaza, presidida pelo juiz Richard Goldstone, com data de 15.Set.2009 e intitulado “Direitos Humanos na Palestina e noutros territórios árabes ocupados”. Segundo as palavras de Goldstone, “A missão chegou à conclusão de que as Forças de Defesa de Israel praticaram acções equivalentes a crimes de guerra e, possivelmente, nalguns aspectos, a crimes contra a humanidade”.
[2] Yad Vashem (a "Autoridade de Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto”) é o memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto. Foi fundado em 1953.
Este texto foi publicado em Há’aretz de 28 de Janeiro de 2010
* Gideon Levy é colunista de o diário israelense Há’aretz
Tradução de Margarida Ferreira
Quarta-feira foi o Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, e há muito que não se assistia a um tal ímpeto de relações públicas por parte de Israel. O momento deste esforço invulgar – nunca houve tantos ministros dispersos pelo globo – não é uma coincidência. Quando todo o mundo fala em Goldstone [1], nós falamos do Holocausto, como para esbater o impacto. Quando todas as pessoas falam da ocupação, nós tratamos de falar do Irão como se pretendêssemos que elas se esqueçam.
Não vai servir de muito. O Dia Internacional de Lembrança do Holocausto já passou, os discursos em breve serão esquecidos, e a deprimente realidade quotidiana vai continuar. Israel não se vai sair com boa imagem, mesmo depois desta campanha de relações públicas.
Na véspera da partida, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu falou em Yad Vashem [2]. «Há perversidade no mundo», disse. «A perversidade tem que ser reprimida logo de início». Há pessoas que estão a «tentar negar a verdade». Palavras arrogantes, ditas pela mesma pessoa que ainda no dia anterior, num registo bem diferente, proferira palavras muito diferentes, palavras de verdadeira perversidade, perversidade que deveria ser cortada pela raiz, perversidade que Israel está a tentar esconder.
Netanyahu falou de uma nova «política de migração», uma política totalmente perversa. Juntou no mesmo saco malevolamente trabalhadores migrantes e refugiados miseráveis – avisando que todos eles punham Israel em perigo, que fazem baixar os nossos salários, que ameaçam a nossa segurança, que nos transformam num país do terceiro mundo e que introduzem drogas. Apoiou zelosamente o nosso ministro do interior, Eli Yishai, um racista que falou dos migrantes como responsáveis pela difusão de doenças como a hepatite, a tuberculose, a sida, e sabe-se lá que mais.
Nenhum discurso sobre o Holocausto poderá apagar estas palavras de incitamento e calúnias contra os migrantes. Nenhum discurso de recordação poderá disfarçar a xenofobia que impera em Israel, não só na extrema-direita e na Europa, como em todo o governo.
Temos um primeiro-ministro que fala sobre a perversidade mas está a construir um muro para impedir que os refugiados da guerra batam à porta de Israel. Um primeiro-ministro que fala sobre a perversidade mas é cúmplice de quatro anos de bloqueio a Gaza, deixando 1,5 milhões de pessoas em condições miseráveis. Um primeiro-ministro em cujo país os colonos perseguem e massacram palestinos inocentes sob o slogan «price tag», que também tem conotações históricas terríveis, mas contra os quais o estado praticamente não faz nada.
É este o primeiro-ministro de um estado que prende centenas de manifestantes de esquerda contra as injustiças da ocupação e da guerra em Gaza, enquanto concede amnistias em massa aos direitistas que se manifestaram contra o desligamento. No discurso de ontem, a comparação de Netanyahu da Alemanha nazi com o Irão fundamentalista não passou de propaganda barata. Conversa fiada sobre «a degradação do Holocausto». O Irão não é a Alemanha, Ahmedinejad não é Hitler e é tão enganador fazer uma comparação destas como comparar os soldados israelenses aos nazis.
O Holocausto não pode ser esquecido, e não é preciso compará-lo com outra coisa qualquer. Israel tem que participar nos esforços para manter viva a sua recordação, mas para o fazer tem que mostrar as mãos limpas, limpas da perversidade das suas próprias acções. E não pode levantar suspeitas de que está a utilizar cinicamente a lembrança do Holocausto para apagar e esbater outras coisas. Infelizmente, não é isso o que está a acontecer.
Como teria sido bonito se, neste dia internacional de lembrança, Israel tivesse aproveitado a altura para se examinar, fazer uma introspecção e perguntar, por exemplo, porque é que o anti-semitismo reapareceu no mundo precisamente no ano passado, um ano depois de termos lançado bombas de fósforo branco sobre Gaza. Como teria sido bonito se, neste Dia Internacional de Lembrança do Holocausto, Netanyahu tivesse anunciado uma nova política para integrar os refugiados em vez de os expulsar, ou se tivesse acabado com o bloqueio de Gaza.
Mil discursos contra o anti-semitismo não poderão apagar as chamas desencadeadas pela Operação “Cast Lead” (Chumbo Fundido), chamas que ameaçam não só Israel mas todo o mundo judeu. Enquanto Gaza estiver sob bloqueio e Israel mergulha na sua xenofobia institucionalizada, os discursos sobre o Holocausto não passarão de palavras vãs. Enquanto a perversidade andar por aqui à solta, nem o mundo nem nós próprios poderemos aceitar que se preguem sermões aos outros, mesmo que eles os mereçam.
Notas do tradutor:
[1] Relatório da missão das Nações Unidas para apuramento dos factos no conflito de Gaza, presidida pelo juiz Richard Goldstone, com data de 15.Set.2009 e intitulado “Direitos Humanos na Palestina e noutros territórios árabes ocupados”. Segundo as palavras de Goldstone, “A missão chegou à conclusão de que as Forças de Defesa de Israel praticaram acções equivalentes a crimes de guerra e, possivelmente, nalguns aspectos, a crimes contra a humanidade”.
[2] Yad Vashem (a "Autoridade de Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto”) é o memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto. Foi fundado em 1953.
Este texto foi publicado em Há’aretz de 28 de Janeiro de 2010
* Gideon Levy é colunista de o diário israelense Há’aretz
Tradução de Margarida Ferreira
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