Benefícios da sociedade industrial |
Escrito por Wladimir Pomar - Correio da Cidadania | |
A construção de uma sociedade industrial, como se viu, não diz respeito
apenas ao capital. Ela diz respeito também ao pólo oposto, aos
trabalhadores assalariados que movimentam os meios de produção, assim
como aos demais segmentos sociais do país. E diz respeito ainda à
correlação política real de forças.
Sob o prisma do desenvolvimento das forças produtivas, isto é, dos
meios de produção e da força de trabalho, a industrialização, e os
investimentos nas grandes obras de infra-estrutura, indispensáveis
àquele desenvolvimento, são ou não necessários para o desenvolvimento
social e nacional?
Somente os adeptos do agrarismo e da sociedade utópica pós-industrial
podem afirmar que elas são desnecessárias e que apenas beneficiam ao
capital. Mesmo nos governos nacional-desenvolvimentistas de Vargas, JK
e do regime militar, nos quais o desenvolvimento social foi relegado,
na melhor das hipóteses, a um tópico indesejado da agenda política, o
desenvolvimento econômico trouxe consigo o crescimento da classe de
trabalhadores assalariados industriais, comerciais e rurais.
Dessa forma, o crescimento da sociedade industrial colocou em cena um
ator econômico, social e político de primeira ordem. Um ator que se
libertava do latifúndio dispersivo para subordinar-se à disciplina
fabril do capital, mas de forma concentrada. Isso tudo sob uma relação
de trabalho que lhe arrancava o véu do paternalismo, que até então o
mantinha sob a suposição de trabalhar pela boa vontade do senhor de
terras. O desenvolvimento industrial serviu para clarificar a situação
de classe de grandes contingentes da população brasileira.
O salário mensal e outros "benefícios", conquistados por sucessivas
gerações de assalariados, apresentavam-se como um progresso em relação
à vida anterior de camponês agregado. Apesar disso, as ondas de
migrantes rurais tornados trabalhadores industriais, tanto nos anos
1930 e 1940, quanto nos anos 1960 e 1970, se transformaram em ondas de
combatentes trabalhistas. As primeiras, nas grandes greves operárias
dos anos 1950 e início dos anos 1960. As segundas, nas greves e
movimentos políticos dos anos 1970 e 1980.
Em outras palavras, na pior das hipóteses, o desenvolvimento industrial
fornece o ator principal que pode modificá-la no futuro, à medida que o
capitalismo demonstrar que esgotou seu papel histórico e deve ser
substituído por uma nova formação econômica e social. O problema, como
a experiência tem demonstrado em muitas partes do mundo e no Brasil, é
que a história adora pregar peças nas utopias.
Revoluções anticapitalistas foram vitoriosas apenas em países em que o
capitalismo era pouco desenvolvido. Essas revoluções construíram um
novo Estado e fortes instrumentos de interferência na economia, como as
empresas estatais. Porém, mesmo assim, alguns dos países que sobraram
da segunda onda revolucionária do século 20 estão sendo obrigados a
praticar economias socialistas de mercado.
A experiência demonstrou que a tese de Marx, sobre o surgimento e
esgotamento histórico dos modos de produção, era uma lei natural a ser
observada. Não é possível abolir as formas capitalistas de produção
antes que elas esgotem seu papel histórico. Nessas condições, para
desenvolver as forças produtivas, aqueles países socialistas estão se
desenvolvendo com a participação de capitais estatais e privados, tanto
nacionais quanto estrangeiros, num complexo processo de cooperação e
conflito, em que o Estado tem papel orientador e disciplinador.
No Brasil, os anticapitalistas não acharam condições para revolucionar
a sociedade, mas sim para galgar uma parte do Estado. Foram eleitos
para a presidência da República, assim como para governos estaduais e
municipais, numa situação política de divisão no seio da burguesia, em
virtude da política neoliberal haver feito regredir o parque industrial
e tecnológico do país e quebrado o papel do Estado como indutor
econômico.
Para complicar, grande parte das empresas estatais havia sido
privatizada, sob o argumento de que empresas estatais seriam
ineficientes, idéia que se tornou senso comum em amplos setores da
população. E o neoliberalismo também havia estendido a pobreza e a
miséria a níveis desconhecidos dos períodos anteriores.
Num quadro como esse, supor que um governo, mesmo de viés
revolucionário, possa romper com o sistema econômico e social vigente,
ou mesmo redirecionar os investimentos apenas para programas sociais,
não passa de um sonho. O que ele pode fazer, diferentemente dos
governos tipicamente burgueses, consiste em ampliar a participação
popular nos benefícios dos investimentos e desenvolver programas
sociais que cresçam à medida que o desenvolvimento das forças
produtivas ocorra.
Em outras palavras, ao invés de esperar o bolo crescer para depois
dividir, velha promessa da burguesia, um governo popular ou socialista
pode ir aumentando a participação popular no bolo à medida que ele
cresça. Mas, uma das condições necessárias é que o bolo cresça e gere
riqueza.
Se olharmos o que o governo Lula vem fazendo, apesar da composição
pouco homogênea de seu governo, é justamente isso. No entanto, seus
críticos consideram que, além de não significar qualquer ruptura com o
status quo anterior, a chegada do PT ao Estado teria significado a
desconstrução da hegemonia que havia conquistado na sociedade. O que
nos remete da sociedade industrial para a sociedade política.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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