Retomar Telebrás seria chance de impor mínima disciplina ao mercado |
Valéria Nader e Gabriel Brito - Correio da Cidadania | |
Desde o início do ano, vêm surgindo informações dando conta de que o
governo federal teria intenções de reativar a Telebrás, de modo a tê-la
como seu carro-chefe no anunciado Plano Nacional de Banda Larga, que
visa atingir cerca de 70% das residências brasileiras. O anúncio do PBNL
já fez ventilar hipóteses de que o processo também incluiria uma
espécie de retomada estatal no setor, totalmente privatizado na era FHC.
Para tratar do assunto, o Correio da Cidadania conversou com o
jornalista Samuel Possebon, que já concedeu diversas consultorias na
área das telecomunicações. Para ele, o governo acerta ao tentar voltar a
ter alguma rédea no setor, o que, ainda que não signifique uma real
reestatização – o novo alvo de estridente combate por parte de nossa
mídia, diante de um suposto viés neo-estatizante do governo Lula -,
poderia disciplinar o mercado. Como se sabe, o Brasil ocupa as
primeiríssimas posições em tarifas telefônicas, fixa e móvel, de modo
nada condizente com a média de renda de seu cidadão.
No entanto, o também professor do Departamento de Comunicação da UNB
descarta a possibilidade de retomada estatal no setor, pois vê os atores
privados e a cultura de concorrência aberta em posições já afirmadas.
Possebon reconhece as melhorias tecnológicas oferecidas pelo mercado,
mas ressalta ser importante uma maior acessibilidade da população e uma
redução nos custos ao consumidor.
Correio da Cidadania: Como vem encarando as discussões acerca das
Telecomunicações no Brasil nos últimos meses, especialmente em função da
polêmica sobre a expansão da banda larga, que o governo parece querer
encampar como um projeto estatal através da Telebrás e aquisição das
linhas da Eletronet (antiga empresa estatal, atualmente em estado
falimentar, detentora de uma rede de cabos de fibra ótica)?
Samuel Possebon: O governo tenta através do Plano Nacional de
Banda Larga e a retomada da Telebrás equilibrar um pouco o setor,
oferecendo novas opções para o acesso à banda larga. Porém, ainda não
são muito claras as diretrizes desse plano e qual seria o grau de
protagonismo do governo. Portanto, fica um pouco difícil saber qual será
o sucesso da empreitada e se atingirá seus objetivos declarados.
De toda forma, creio ser uma idéia correta, pois coloca em cena um novo
ator no setor, na figura do próprio Estado, e que vai no sentido de
abrir o leque de concorrência, fazer preços baixarem e o acesso da
população à banda larga aumentar. Mesmo assim, é cedo para vislumbrar
qual alcance e efetividade terá o plano.
CC: A propósito, o que é hoje a Telebrás, uma vez que, ao contrário
do ocorrido no setor elétrico (cuja privatização veio de forma mais
segmentada), sabemos que as Telecomunicações foram privatizadas em bloco
no governo FHC, e a estatal foi praticamente extinta?
SP: O que aconteceu é que, no processo de privatização do setor,
em 97 e 98, vários funcionários que seriam incorporados à Anatel não
podiam ser demitidos ou aposentados de uma vez, sendo incorporados
também pelas empresas que entraram no setor. Isso fez com que a empresa
praticamente fechasse, com seus quadros passando para a agência
reguladora ou outras empresas que passaram a atuar nas telecomunicações.
Como no setor elétrico o processo foi mais diluído, não houve a mesma
necessidade.
CC: As ações da Telebrás tiveram valorização expressiva nos últimos
anos, e também nos últimos dias, em função das notícias sobre os
projetos do governo. O que pensa dessa valorização?
SP: Isso foi um movimento natural de mercado, que sempre ocorre
no campo da especulação. Aconteceu a mesma coisa, por exemplo, quando
começaram os boatos de venda da Sadia. A empresa estava falida, mas, com
as notícias que circulavam, seus papéis na bolsa se valorizavam e as
ações subiam do mesmo jeito.
O mesmo ocorreu na compra do Unibanco pelo Itaú. É um movimento natural
que sempre acontece no mercado especulativo, e agora não foi diferente.
CC: Acredita estar em curso um projeto ou uma ‘séria’ tentativa de
retomar de alguma forma o controle do setor de telecomunicações, dando
mais corpo e nova vida à Telebrás? Enxerga relação com a própria questão
da soberania nacional?
SP: Não. Acredito que o governo queira apenas dar um pouco mais
de regulação ao setor, de maneira a também expandi-lo e criar um maior
alcance nacional.
Mas não se trata de uma retomada estatal no setor. Ele pretende somente
colocar uma nova opção no mercado, de modo que se abra um pouco mais o
leque de concorrência e as demais empresas sejam obrigadas a baixar seus
preços e também melhorar a qualidade dos serviços, ainda muito
deficientes, apesar de todos os avanços tecnológicos.
Não vejo intenções governamentais no sentido de alguma reestatização,
não é essa a idéia do plano. O que buscam é melhorar a competitividade e
controlar mais o mercado.
CC: Como você enxerga hoje esse setor no Brasil? Caminhamos, conforme
se aventa, melhor do que teria sido sem a privatização?
SP: É difícil falar em hipóteses, sobre o que seria sem a
privatização. São inegáveis os avanços que as empresas privadas
ofereceram, no que se refere à tecnologia e qualidade de alguns
serviços, que não existiam antes, apesar do preço e da impossibilidade
de acesso de grandes parcelas dos brasileiros.
Por outro lado, é certo que hoje as condições econômicas do país também
são bem diferentes, o que permitiria que o serviço por parte do governo
também se encontrasse em outro nível.
CC: O que pensa do fato de sermos o país com uma das mais altas
tarifas de celular e telefonia fixa do mundo, ao lado de possuir um
serviço de internet também caríssimo e ainda muito restrito?
SP: Esse é um ponto a se discutir bastante. É verdade que precisa
ser dado um desconto por conta da altíssima carga tributária deste
país, principalmente em serviços, de modo que o consumidor acaba sendo
bastante afetado, pois as empresas acabam incluindo essa carga no preço
final.
Mas também é preciso uma melhoria em tal ponto, pois, apesar de todos os
avanços tecnológicos oferecidos, as tarifas são realmente muito
elevadas, além de sabermos que há um altíssimo número de reclamações das
pessoas com relação às empresas que prestam tais serviços. É também por
isso que o governo entrou na questão, para rearranjar os níveis de
preços e aumentar a acessibilidade a tais serviços, ainda muito
distantes de grande parte da população.
CC: Você apoiaria algum tipo de reestatização no setor?
SP: No momento é difícil falar em reestatização, pois todo um
modelo já está afirmado na sociedade e é complicado tocar nos atuais
parâmetros de mercado.
Acho importante e não vejo nada de errado em uma maior atuação estatal
no setor, até para regular e controlar melhor os preços de telefonia
fixa e móvel, além de internet.
Não vejo nada de errado em contar com a participação simultânea do
Estado e dos atores privados, desde que nas mesmas condições e regras de
mercado, sem que um seja claramente favorecido em relação ao outro no
que se refere às condições de oferecer os serviços de telecomunicações.
Se for assim, pode ser positivo para o país e os consumidores um modelo
que inclua os dois lados.
CC: Como encara a fusão Oi/BrTelecom? Há estudiosos que nela enxergam
pontos positivos, na medida em que seria uma forma de o setor retomar
corpo em sua atuação, único modo de chegar aos grotões. Mas não se
caminha ao mesmo tempo em direção contrária à concorrência tão
reverenciada na justificativa do desmembramento e privatização no setor?
SP: Foi uma fusão bem complicada. Sabemos que o governo alegava
se tratar de uma questão importante para que o país tivesse um ator
competitivo globalmente, podendo disputar espaços de mercado fora do
país também.
No entanto, esses resultados estão bem abaixo do esperado, inclusive
internamente, e até hoje ainda não se viu uma grande evolução dentro
daquilo que foi prometido para justificar a fusão das empresas.
Além do mais, o processo não foi conduzido da melhor maneira, mas agora
Inês é morta e é preciso dar continuidade ao crescimento do país no
setor e também a essa questão da oferta de serviços de telecomunicações
às localidades tidas como menos interessantes pelo mercado.
Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do
Correio da Cidadania.
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