domingo, 21 de março de 2010

Oficina ligada a rede de lojas escravizava imigrantes




Do blog do Sakamoto
Uma operação de auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) inspecionou as instalações da Indústria de Comércio e Roupas CSV Ltda., registrada em nome do boliviano Valboa Febrero Gusmán, em 18 de fevereiro. Na oficina de costura que funciona no sobrado de uma igreja evangélica no bairro de Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte da capital paulista, foram encontradas 16 bolivianos (um deles com menos de 18 anos) e um jovem peruano trabalhando em condições análogas à escravidão na fabricação de roupas femininas. Entre elas, peças com etiquetas para a rede de magazines Marisa.
A partir daí, um rastreamento da cadeia produtiva da oficina realizado pela auditores fiscais confirmou que as peças eram produzidas para a rede, que possui mais de 220 lojas e 44 milhões de clientes/ano. A fiscalização e a investigação foi acompanhada pelo jornalista Maurício Hashizume, que publicou um um surpreendente relato do caso na Repórter Brasil, do qual trago alguns trechos importantes:
Foram apreendidos documentos que trazem indícios de tráfico de pessoas entre a Bolívia e o Brasil e também de endividamento forçado com a oficina de costura. As jornadas de trabalho começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h. As refeições eram feitas de modo improvisado numa diminuta casa no mesmo cortiço que abrigava a oficina. O irmão do dono da oficina permanecia todo o tempo junto com os trabalhadores e atuava como uma espécie de vigia permanente da oficina de costura. Em apenas um cômodo mal iluminado nos fundos de um dos imóveis, construído na realidade para ser uma cozinha, sete pessoas dormiam em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros incompletos completavam o cenário.
Abaixo, os trabalhadores na oficina de costura no momento da libertação…
Para o Ministério do Trabalho e Emprego, a Marisa é “inteiramente responsável pela situação encontrada” e “comanda e exerce seu poder de direção e ingerência de diversas formas sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, com exclusividade, a seu preço e à sua clientela”. A empresa, por sua vez, afirma que “não mantém e nunca manteve vínculos com trabalhadores estrangeiros em situação de vulnerabilidade ou trabalhadores contratados com condições de irregularidade” e que “a situação detectada pelos auditores não é de responsabilidade direta ou indireta da Marisa”.
A reportagem inteira pode ser acessada clicando aqui.
… e o mesmo tipo de peça de roupa encontrada na oficina exposta em um arara de uma das lojas. Fotos de Maurício Hashizume
PS: Os preços baixos de roupas em ruas de comércio paulistanas como a José Paulino ou a Oriente, que tanto atraem os consumidores do varejo e do atacado, muitas vezes são obtidos através da redução dos custos no processo de produção. Parte considerável da mão-de-obra utilizada na confecção dessas roupas é composta por imigrantes latino-americanos. Bolivianos, paraguaios, peruanos, chilenos formam um verdadeiro exército barato e abundante em São Paulo. Saem de seus países de origem em busca de uma vida melhor em solo brasileiro, fugindo da miséria. Muitos acabam caindo em situações de exploração e degradação.
A Anistia concedida pelo governo federal no ano passado contribuiu para tirar muitos deles da ilegalidade e, portanto, conferir-lhes direitos. A solução também passa, por exemplo, por legalizar as pequenas oficinas de costura, para que elas possam registrar seus funcionários. E atuar na rede de compradores, cuja demanda de mais por menos impulsiona esse processo.
Parte do processo de combate ao trabalho escravo rural no Brasil tem passado por uma ação de conscientização junto aos consumidores e pressão sobre os atores da cadeia produtiva. No caso dos imigrantes latino-americanos, não é diferente. Pois se esse tipo de exploração existe é porque alguém acaba ganhando dinheiro com ele. E, creio eu, não são os imigrantes, nem mesmo as oficinas.

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