domingo, 18 de abril de 2010

Condenação de carrasco de Dorothy é exceção, não regra

Após mais de 14 horas de julgamento, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura foi condenado a 30 anos de prisão nesta segunda (12) por ter encomendado a morte da irmã Dorothy Stang. Segundo o repórter João Carlos Magalhães, da Folha de S. Paulo, o juiz Raimundo Flexa afirmou, em sua sentença, que a personalidade de Vitalmiro é “perversa e covarde” e seus atos “negam a própria racionalidade humana”. Um alento em meio ao exército de mortos que espera Justiça na Amazônia: Bida, como é conhecido Vitalmiro, é o único mandante de crimes agrários preso no Pará.
Proprietários rurais ou grileiros que acreditam deterem o monopólio de violência em regiões em que o poder público é cooptado, subjulgado ou parceiro do poder econômico, têm licença para matar no Pará. Pois possuem a certeza de que, na esmagadora maioria das vezes, só peixe pequeno é pego. O que, convenhamos, não é exclusividade de crimes agrários no Brasil. A condenação de Bida leva a uma mudança de paradigma? Nem de perto. Está distante o dia em que o Estado garantirá que essas pessoas saibam que também estão sujeitas aos rigores da lei.
Há cinco anos, a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos, em uma estrada vicinal de Anapu (PA). Ela enfrentava ameaças de morte de fazendeiros da região, descontentes com sua defesa dos Programas de Desenvolvimento Sustentável como modelos de reforma agrária na Amazônia. Vitalmiro Bastos de Moura, um dos fazendeiros acusados de mandantes do crime, chegou a ser julgado e condenado a 30 anos de prisão em 2007. Acabou inocentado no segundo julgamento, em maio do ano seguinte. A Justiça, então a pedido do Ministério Público, anulou a absolvição em 2009 e decretou nova prisão – o que foi seguido de um habeas corpus obtido no Superior Tribunal de Justiça para que ele permanecesse em liberdade. Finalmente, a liminar foi cassada em fevereiro e ele voltou a aguardar novo julgamento preso.
Bida permaneceu anos na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro oficial do governo federal que mostra quem cometeu esse crime. Ele foi flagrado com 20 escravos na fazenda Rio Verde, em Anapu, onde criava bovinos, distribuídos por frigoríficos e açougues à mesa do brasileiro.
Reginaldo Pereira Galvão, outro acusado de mandante do crime, continua no banco dos réus. Tem seu primeiro julgamento marcado para o dia 30 de abril. Outras três pessoas estão presas pelo crime: os pistoleiros Rayfran das Neves (Fogoió) e Clodoaldo Batista (Eduardo) e o intermediário Amair da Cunha (Tato). Como sempre, os mais pobres caíram primeiro. A repercussão internacional do assassinato de Dorothy tornou o caso simbólico, unificando temáticas como a luta pelos direitos humanos, a questão do direito à terra e a preservação ambiental. Mas toda a exposição ainda não foi suficiente para garantir que a Justiça fosse completa com a condenação de todos os mandantes.
A Justiça no Brasil, e mais especificamente a do Pará, continua fracassando. A condenação de Vitalmiro é uma distorção na curva, não um padrão. Não gosto da justificativa de um “Estado ausente”, que causaria toda essa violência. O Estado está muito bem presente na região – basta olhar as placas de financiamento público que enfeitam a paisagem das mesmas fazendas acusadas de crimes contra a dignidade humana. Mas é atua como um restaurante “self-service”, em que os mais poderosos escolhem o que lhes agrada – dinheiro, por exemplo. A parte de respeito aos direitos? Esquece…
Na década de 80 e 90, os fazendeiros do Sul do Pará resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, um dos mais atuantes na região, e assassinaram uma série de lideranças. Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Há mais de 200 pessoas marcadas para morrer no Estado. O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, vai completar 14 anos de impunidade neste sábado (17).
Não foi o general De Gaulle que disse a famosa frase, mas ela é perfeita: o Brasil não é um país sério. Recebo diariamente notícias do interior dizendo que algum trabalhador rural foi espancado, um indígena foi morto, um sindicalista levou um tiro, uma família de posseiros ameaçada. Se você não respira fundo e tenta reiniciar a CPU no final de cada dia, corre o risco de entrar em uma espiral de banalização de violência. O horror de ontem passa a ser nada diante da bizarrice de hoje, retroalimentado pela impunidade. Afinal, há mais chances de eu ser atingido na rua por um meteoro em chamas do que o Brasil garantir que os seus violadores de direitos humanos sejam sistematicamente responsabilizados e punidos.

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