Após mais de 14 horas de julgamento, o fazendeiro Vitalmiro
Bastos de Moura foi condenado a 30 anos de prisão nesta segunda (12) por
ter encomendado a morte da irmã Dorothy Stang. Segundo o repórter João
Carlos Magalhães, da Folha de S. Paulo, o juiz Raimundo Flexa afirmou,
em sua sentença, que a personalidade de Vitalmiro é “perversa e covarde”
e seus atos “negam a própria racionalidade humana”. Um alento em meio
ao exército de mortos que espera Justiça na Amazônia: Bida, como é
conhecido Vitalmiro, é o único mandante de crimes agrários preso no
Pará.
Proprietários rurais ou grileiros que acreditam deterem o monopólio
de violência em regiões em que o poder público é cooptado, subjulgado ou
parceiro do poder econômico, têm licença para matar no Pará. Pois
possuem a certeza de que, na esmagadora maioria das vezes, só peixe
pequeno é pego. O que, convenhamos, não é exclusividade de crimes
agrários no Brasil. A condenação de Bida leva a uma mudança de
paradigma? Nem de perto. Está distante o dia em que o Estado garantirá
que essas pessoas saibam que também estão sujeitas aos rigores da lei.
Há cinco anos, a missionária norte-americana naturalizada brasileira
Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73
anos, em uma estrada vicinal de Anapu (PA). Ela enfrentava ameaças de
morte de fazendeiros da região, descontentes com sua defesa dos
Programas de Desenvolvimento Sustentável como modelos de reforma agrária
na Amazônia. Vitalmiro Bastos de Moura, um dos fazendeiros acusados de
mandantes do crime, chegou a ser julgado e condenado a 30 anos de prisão
em 2007. Acabou inocentado no segundo julgamento, em maio do ano
seguinte. A Justiça, então a pedido do Ministério Público, anulou a
absolvição em 2009 e decretou nova prisão – o que foi seguido de um habeas
corpus obtido no Superior Tribunal de Justiça para que ele
permanecesse em liberdade. Finalmente, a liminar foi cassada em
fevereiro e ele voltou a aguardar novo julgamento preso.
Bida permaneceu anos na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro
oficial do governo federal que mostra quem cometeu esse crime. Ele foi
flagrado com 20 escravos na fazenda Rio Verde, em Anapu, onde criava
bovinos, distribuídos por frigoríficos e açougues à mesa do brasileiro.
Reginaldo Pereira Galvão, outro acusado de mandante do crime,
continua no banco dos réus. Tem seu primeiro julgamento marcado para o
dia 30 de abril. Outras três pessoas estão presas pelo crime: os
pistoleiros Rayfran das Neves (Fogoió) e Clodoaldo Batista (Eduardo) e o
intermediário Amair da Cunha (Tato). Como sempre, os mais pobres caíram
primeiro. A repercussão internacional do assassinato de Dorothy tornou o
caso simbólico, unificando temáticas como a luta pelos direitos
humanos, a questão do direito à terra e a preservação ambiental. Mas
toda a exposição ainda não foi suficiente para garantir que a Justiça
fosse completa com a condenação de todos os mandantes.
A Justiça no Brasil, e mais especificamente a do Pará, continua
fracassando. A condenação de Vitalmiro é uma distorção na curva, não um
padrão. Não gosto da justificativa de um “Estado ausente”, que causaria
toda essa violência. O Estado está muito bem presente na região – basta
olhar as placas de financiamento público que enfeitam a paisagem das
mesmas fazendas acusadas de crimes contra a dignidade humana. Mas é atua
como um restaurante “self-service”, em que os mais poderosos escolhem o
que lhes agrada – dinheiro, por exemplo. A parte de respeito aos
direitos? Esquece…
Na década de 80 e 90, os fazendeiros do Sul do Pará resolveram acabar
com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, um dos mais
atuantes na região, e assassinaram uma série de lideranças. Os casos
foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Há
mais de 200 pessoas marcadas para morrer no Estado. O Massacre de
Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou
mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para
desbloquear a rodovia PA-150, vai completar 14 anos de impunidade neste
sábado (17).
Não foi o general De Gaulle que disse a famosa frase, mas ela é
perfeita: o Brasil não é um país sério. Recebo diariamente notícias do
interior dizendo que algum trabalhador rural foi espancado, um indígena
foi morto, um sindicalista levou um tiro, uma família de posseiros
ameaçada. Se você não respira fundo e tenta reiniciar a CPU no final de
cada dia, corre o risco de entrar em uma espiral de banalização de
violência. O horror de ontem passa a ser nada diante da bizarrice de
hoje, retroalimentado pela impunidade. Afinal, há mais chances de eu ser
atingido na rua por um meteoro em chamas do que o Brasil garantir que
os seus violadores de direitos humanos sejam sistematicamente
responsabilizados e punidos.
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