Código Ambiental: 90% dos produtores descumprem lei
LILIAN MILENA
Agropecuaristas querem reforma do Código Florestal
Nacional alegando incompatibilidade das regras federais à realidade do
produtor brasileiro. A Comissão Especial, que analisa as diretrizes, se
reúne esta terça-feira (27) para definir o cronograma de trabalho das
discussões.
Os reformistas estimam que 90% dos produtores
brasileiros transgridem de alguma forma a Lei nº 4.771/65, o que
significa 5 milhões de pessoas. Segundo o deputado federal, e relator da
proposta de reforma, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a alta taxa de fazendeiros
que não se adéquam às regras ambientais é motivo suficiente para
revisão das diretrizes nacionais de conservação e preservação de biomas.
Em contrapartida, ambientalistas reforçam a
necessidade de se manter a proteção de áreas de mananciais, encostas e
florestas, considerando os benefícios indiretos à economia agrícola e
seus impactos sobre o clima local. André Lima, coordenador de Políticas
Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), lembra
que os últimos desastres ambientais sofridos pelas populações dos
estados de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro foram resultados
da combinação de fenômenos hidrológicos e desrespeito à legislação
ambiental.
O porta-voz do IPAM alega que não existem estudos
confiáveis de que 90% dos produtores, em todo o Brasil, não cumprem as
diretrizes do Código Florestal. Lima concorda que as diretrizes federais
podem ser aprimoradas, mas no sentido de aumentar a proteção dos
recursos hídricos e da biodiversidade. Já em relação às regiões do país
que mais sofreram perdas da sua biodiversidade (Sul e Sudeste), o
ecologista aponta que há alternativas sustentáveis como a reposição de
florestas perdidas além das propriedades.
Os reformistas querem que as áreas de proteção
permanente (APP) e as reservas legais (RL), tenham territórios limitados
abaixo do estabelecido pelo código federal. As APP são espaços com
vegetação nativa, essenciais para conter processos de erosão ao longo de
rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em
geral, nascentes, topos de morros nas montanhas, serras, encostas e
restingas. Proprietários de áreas classificadas como APP não podem
alterá-las.
O limite mínimo de corredores marginários ao longo
do curso de águas, reservatórios e nascentes, além do limite das cheias
anuais, por exemplo, é de 30 metros. Logo, toda pessoa que tiver
terreno em área de manancial não pode produzir culturas, criar gado ou
construir nessa faixa.
Já as Reservas Legais são estabelecidas em toda e
qualquer propriedade rural. O Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA) avalia que a RL garante a conservação e reabilitação dos
processos ecológicos e conservação da biodiversidade. A cobertura
vegetal seria responsável por benefícios econômicos indiretos como
amenização de cheias e da erosão, regulação do clima local, controle de
pragas e proteção dos rios.
A lei determina que proprietários em áreas de Mata
Atlântica mantenham 20% da cobertura vegetal original – se estiverem
desmatadas, o dono do terreno terá que replantar os 20%. Proprietários
no Cerrado devem proteger 35% do bioma, e na Amazônia, o índice mínimo
de preservação é de 80%.
Os ruralistas propõem redução na Amazônia dos
atuais 80% para 50% (alguns até mesmo para 20%), e no Cerrado, dos
atuais 35% para 20%, como o estabelecido na Mata Atlântica.
Jean Paul Metzger, biólogo e ecologista do
Instituto de Biociência da USP, destaca que simulações e pesquisas em
campo, realizadas em diferentes áreas preservadas, apontam que para
garantir o equilíbrio de espécies da flora e fauna e a interação delas
ao ambiente, cerca de 60% da paisagem original deve ser preservada em
qualquer bioma.
“Apesar deste valor ter sido definido para
paisagens aleatórias, estudos considerando três padrões distintos de
fragmentação na Amazônia sustentam a ocorrência de mudanças bruscas em
valores próximos a 60%”, completa em seu artigo onde discute as bases
científicas do Código Florestal.
Segundo o biólogo se as APP estiverem entre 10% e
20%, as RL devem ser de pelo menos 50%, ou mais de 60%. A consolidação
dessas paisagens em grandes espaços, e/ou interligadas por corredores
verdes, garante a conservação da biodiversidade e seus benefícios as
atividades humanas, assim como controle do clima local.
Em relação aos corredores junto aos cursos
hídricos, as pesquisas apontam para uma área superior aos 60 metros (30
metros de cada lado do rio) estipulados pela lei federal. Os valores
mínimos deveriam ser de 50 metros para cada margem, independente do tipo
de bioma. A manutenção de 30 metros resulta na conservação de apenas
60% das espécies locais.
Os reformistas querem incluir as APP no cômputo
das RL. A legislação prevê a proteção de 20% da Mata Atlântica num
determinado território, isso é, considerando apenas as reservas legais. A
exigência é para que as áreas de proteção permanentes se somem às
porcentagens de reservas legais, em âmbito regional.
Para os ambientalistas RL e APP se complementam.
Enquanto a primeira visa a conservação da biodiversidade e uso
sustentável de recursos naturais, a segunda tem função de preservar
recursos hídricos, paisagens, além de garantir estabilidade geológica em
morros e biomas típicos de matas ciliares. Portanto seria um erro
ecológico considerá-las equivalentes.
Outro ponto da reforma que não tem agradado nem um
pouco os ecologistas é a proposta de transformar o Conselho Nacional do
Meio Ambiente, o CONAMA, num órgão consultor técnico. Atualmente o
Conselho, do Ministério do Meio Ambiente, é consultivo e deliberativo,
composto por representantes de cinco setores: da federação, estados,
municípios, do setor empresarial e da sociedade civil.
O CONAMA ajuda a estabelecer medidas propostas
pelo IBAMA e demais entidades que integram o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (SISNAMA), ou seja, normas e critérios para o licenciamento de
atividades de impacto ambiental em todo o país. E, para os ecologistas, a
transformação do Conselho em uma instituição apenas consultiva tende a
tornar as discussões menos democráticas.
“A transformação do CONAMA num órgão consultivo é
um retrocesso secular. O Conselho é uma conquista da sociedade com
participação direta de diferentes setores, incluindo agricultores,
madeireiros, estados, municípios e ONGs. Essa estrutura tem auxiliado no
engajamento para o cumprimento das normas ambientais”, defende André
Lima.
Para acessar o relatório "O Código Florestal tem base
científica?" na íntegra, clique aqui.
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