Pepe Escobar: O Irã, o Brasil e “a bomba”
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LD30Ak01.html
tradução de Caia Fittipaldi no Viomundo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi tão
polido quando preciso e claro, em conferência conjunta de imprensa, ao
lado de seu contraparte Manouchehr Mottaki em Teerã nessa 5ª.-feira.
Amorim disse que “o Brasil está interessado em participar de uma
solução apropriada para a questão nuclear iraniana.”
“Apropriada” é palavra em código para “dialogada” – não uma quarta
rodada de sanções lançada pelo Conselho de Segurança da ONU, muito
menos a opção militar, que o governo Barack Obama insiste, com
estridência, em manter à mesa. Assim, ao posicionar-se como um mediador
em busca de solução pacífica, o governo brasileiro põe-se em rota de
colisão “soft” com o governo Obama.
O presidente Luiz Inacio Lula da Silva do Brasil estará em visita a
Teerã, mês que vem. Aos olhos dos falcões do “pleno espectro de
dominação” nos EUA, é anátema. Tanto quanto para a ‘mídia’ ocidental de
direita, veículos brasileiros inclusos, que não se cansam de martelar
Lula, non-stop, por sua iniciativa de política exterior.
Pouca diferença faz que, mais uma vez, Amorim tenha repetido, com
destaque, que absolutamente não há consenso na chamada “comunidade
internacional” quanto a isolar Teerã. “Comunidade”, mais uma vez nesse
caso significa Washington e uns poucos países europeus. O Sul global
vota pelo diálogo. O Movimento dos Não-alinhados [ing. Non-Aligned
Movement (NAM)] é unanimemente contrário a mais sanções. O Grupo
dos 172 (todos os países exceto o Grupo dos 20) é também contra mais
sanções.
O Brasil e a Turquia, ambos contrários a novas sanções, ocupam
atualmente lugares não-permanentes no Conselho de Segurança da ONU. A
posição de ambos é idêntica, em essência, à de China e Rússia – que são
membros permanentes do Conselho de Segurança. A tática russa de nada
deixar transpirar, e a da China, que concordou com “discutir” pacotes
de sanções, têm sido distorcidas e mal interpretadas pela mídia
corporativa e vendidas como se esses países estivessem aceitando as
exigências de Washington.
Não aceitaram. No encontro dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China)
em Brasília, há menos de duas semanas, esses países mais uma vez
definiram que a ‘solução’ de novas sanções não é solução, e repetiram
que toda a questão deve ser decidida pela Agência Internacional de
Energia Atômica (IAEA).
Em Teerã, Mottaki e Amorim também discutiram a proposta iraniana de
troca de combustível nucelar, como “medida para construir confiança”
que beneficiaria o Irã, em relação a Washington e capitais europeias. O
Brasil ofereceu-se para enriquecer urânio para o Irã.
O problema é que a nova rodada de sanções está sendo discutida em
New York exclusivamente entre os cinco membros permanentes mais a
Alemanha – e só depois dessa fase a discussão será aberta aos membros
não permanentes, como Brasil, Turquia e Líbano, que mês que vem
assumirá o assento rotativo do Conselho de Segurança.
O xis da questão
Cada ator tem suas próprias razões para opor-se às sanções. Moscou –
que já fornece ao Irã tecnologia de reatores nucleares, além de armas
–, sabe que, mais cedo ou mais tarde Washington terá de aceitar o
óbvio; que o Irão, produtor chave de energia, é uma potência regional
natural. Para Pequim, o Irã é assunto de segurança nacional energética;
mais sanções põem sob risco a estabilidade regional e caem na
categoria de delírios-desejos da secretária de Estado Hillary Clinton.
Nova Delhi dificilmente não terá visto, até agora, que, no
Afeganistão, Washington embarcou em aliança sem volta com Islamabad; a
Índia, portanto, precisa de um Irã estável como contrapoder, para
enfrentar a influência do Paquistão no Afeganistão, onde o Paquistão
pode, outra vez, reengajar os Talibã. Brasília quer expandir os
negócios com Teerã; e Lula, por sua vez, não abre mão da ideia de que
mais sanções só farão abrir caminho para mais guerra, não para evitar
guerras.
Os diplomatas, na mais recente reunião dos BRICs, tocaram no xis da
questão. Os líderes dos BRICs – o poder atual, novo, multipolar que
seriamente se tem dedicado em manter sob xeque as ambições de hegemonia
dos EUA – avaliaram atenta e cuidadosamente todos os sinais complexos,
desde a carta “secreta” do supremo do Pentágono Robert Gates a Obama,
em janeiro passado, na qual revisa as opções militares “que continuam à
mesa” contra o Irã, até o discurso do almirante Mike Mullen, da Junta
de Comando do Estado-maior, na Columbia University, que disse que o
ataque sempre seria sua “última escolha”. Avaliaram o nível de
ansiedade de Washington. E concluíram que os EUA não atacarão o Irã.
Talvez estejam errados. Por trás de espessa cortina de espelhos e
fumaça na mídia corporativa, há furiosa luta de gatos em curso em
Washington, entre os ativistas do “espectro de plena dominação” – desde
is militares ao pessoal do Instituto “American Enterprise”. Mas só
discutem uma coisa: quando atacarão o Irã, ou mais cedo, ou mais tarde.
Entre os falcões está decidido que Washington jamais permitirá ao
Irã “adquirir capacidade nuclear”. É o mesmo que falar de guerra
preventiva. O “crime” do Irã, até aqui, teria sido já ter um programa
de energia nuclear aprovado pelo Tratado de Não-proliferação e
inspecionado como se ante o juiz do Juízo Final.
Nesse cenário de ansiedade altíssima, não importa que o Líder
Supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei tenha recentemente pregado o total
desarmamento global e repetido sua fatwa, contra, até, o uso
de armas de destruição em massa. São haram (proibidas) nos
termos da lei islâmica.
O Pentágono, via Gates, insiste na ofensiva – ameaçando o Irã com
uma explícita “todas as alternativas continuam à mesa”, quer dizer,
bomba atômica incluída; e Obama, em obra prima de duplifalar
orwelliano, acrescentou que os EUA “manteremos nosso [poder nuclear] de
contenção”, como “incentivo” para Irã e Coreia do Norte. Incentivo ao
suicídio seppuku, quem sabe?
Assim sendo, o que acontecerá?
Mês que vem, em New York, haverá nova revisão do Tratado de
Não-proliferação. O governo Obama já começou a pressionar o Brasil para
que aceite um protocolo adicional. O Brasil recusou.
Na essência, o Tratado de Não-proliferação é extremamente
assimétrico. Nações que pertençam ao clube da bomba atômica recebem
tratamento VIP, em relação aos demais. O protocolo adicional aumenta
ainda mais essa discriminação – e dificulta até a pesquisa para
finalidades pacíficas, nas nações não-nucleares.
O Brasil que – diferença crucial nesse contexto – ostenta tradição
pacifista – defende o direito de qualquer país soberano adquirir
“capacidade de tecnologia nuclear”. Foi onde o Irã subiu ao barco,
conforme todas as evidências disponíveis. Assim sendo, o Brasil está em
evidente rota de colisão com Washington, no que tenha a ver com o
Tratado revisto de Não-proliferação. Para Brasília, seria submeter-se à
interferência estrangeira.
Quanto às sanções, Washington precisa cair na real. Acreditar que os
BRICs ou países da Ásia ou Europa deixarão de comprar gás e petróleo
do Irã; que não venderão gasolina ao Irã, e que os bancos iranianos não
encontrarão meios de continuar a operar na economia global (eles têm
parceiros, por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e na Venezuela) é
viver no País das Maravilhas.
As majors chinesas do petróleo já vendem gasolina
diretamente ao Irã. Em 2012, o Irã terá dobrado a produção de gasolina,
depois de expandir 10 refinarias, e está investindo cerca de 40
bilhões na construção de sete novas refinarias. O Irá continuará no
negócio dos produtos do petróleo – principalmente com as “stans” da
Ásia Central. O que mostra, por exemplo, que pode importar gasolina
contornando o sistema bancário internacional.
E, sobretudo, há o mercado negro. Jordânia e Turquia contrabandeiam
rios de petróleo para fora do Iraque ‘sancionado’ durante os anos 90s.
Com novas sanções sobre o Irã, será a vez de uma nova geração de
iraquianos ganharem a sorte grande. Quanto à ditadura militar do
mulariato em Teerã, os mulás adorarão consumir seus lucros de energia
para reforçar seu escudo protetor.
Os líderes dos BRICs – Lula entre eles – podem, sim, ter visto a
estrada por trás da cortina de espelhos e fumaça. Bomba? Mas que bomba?
Todos sabem que o Irã não pode fabricar uma bomba, por exemplo, em
Natanz, não, com certeza, enquanto as instalações forem inspecionadas
até o esqueleto descarnado pela IAEA. Suponha-se que o Irã supere a
Coreia do Norte, engane todos os inspetores, dê um chapéu no Tratado de
Não-proliferação e decida fabricar uma bomba em local secreto.
Precisariam de quantidades enormes de água e energia – e os satélites
lá estão, para ver qualquer movimentação desse tipo.
Os líderes dos BRICs já concluíram, isso sim, que Washington nada
pode fazer quanto a o Irã adquirir “capacidade nuclear”, além de
invadir o país, em edição conjunta remix das operações
Tempestade no Deserto + Choque e Pavor, e provocar um banho de sangue
para troca de regime.
Nem rodadas e mais rodadas de sanções conseguirão excluir essas
opções. Bombas “de precisão” israelenses, dos EUA ou híbridas, poderão,
no máximo, atrasar um pouco o processo iraniano – e, isso, sem
considerar as muitas possibilidades de retaliação. Tudo isso
considerado, só há uma solução viável.
Washington tem de sentar-se à mesa com Teerã com o tal “punho
aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à
busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio –
pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer
dizer, fim, também, para as bombas atômicas “secretas” de Israel.
Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da
guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.
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