O império retoma o ataque |
Escrito por Wladimir Pomar - no Correio da Cidadania | |
Segundo notícias recentes, porta-vozes do sistema financeiro
internacional estão alertando seus acionistas de que o mercado de ações
brasileiro estaria formando uma bolha, a economia do Brasil estaria
aquecida e o real supervalorizado. Em outras palavras, parece estar
findando a lua de mel entre o sistema financeiro internacional e a
política de crescimento do governo brasileiro, embora tal sistema tenha
sido um dos que mais lucraram nos últimos anos.
O desconfiômetro deve nos conduzir a uma análise mais cuidadosa do
assunto, de modo a descobrir se há razões reais para o alerta, ou se se
trata de jogada política, tendo em vista possíveis mudanças na política
monetária brasileira. O Banco Central se apressou a tranqüilizar o
sistema financeiro internacional, afirmando que o Brasil pode adotar
medidas que impeçam um crescimento superior a 2% ao ano, desde que
retire os incentivos fiscais e aumente a taxa Selic, a taxa básica de
juros.
Ou seja, o Banco Central, numa penada, mudou toda a perspectiva de
crescimento do país. Por um lado, avisou ao governo que a política
monetária deve manter tranqüilos os acionistas dos bancos
internacionais. Por outro, informou aos empresários que não devem
investir na ampliação de sua capacidade produtiva. Primeiro, porque isso
pode causar fricções com o sistema financeiro internacional. E depois
porque vale mais a pena aplicar no jogo de ações da bolsa de valores,
que lhe garante um rentismo certo.
Estranhamente, essa encenação entre o sistema financeiro internacional e
o Banco Central brasileiro ocorre no momento em que o PT acena para a
possibilidade, com a continuidade do governo democrático e popular, de
adotar medidas para reduzir de forma mais consistente os juros e a
especulação financeira, estimular os investimentos produtivos para
aumentar a oferta e continuar estimulando a demanda através do crédito.
Em outras palavras, o sistema financeiro e o Banco Central comunicaram à
candidatura Serra que podem dizer publicamente que os planos de
crescimento da candidatura Dilma não passam de euforia sem base na
realidade. Algo, aliás, que já vem fazendo parte da campanha da oposição
e da grande imprensa a respeito da implementação do PAC. Portanto, as
notícias parecem ter mais motivação política do que econômica e
financeira.
É evidente que a redução do ritmo de crescimento e a elevação das taxas
de juros podem ter um efeito perverso sobre o emprego, a renda dos
trabalhadores, o endividamento das famílias, o mercado interno. Ou seja,
tudo que já se conhece da política levada a cabo, por vários anos,
pelos governos Collor e FHC. A posição a adotar, num caso como esse,
seria pressionar o governo para manter firmeza em sua política de
crescimento, rebaixamento dos juros e enquadramento do sistema
financeiro em seu papel de financiador da produção.
Apesar disso, intelectuais às voltas com a crise de ideais preferem
atacar a política de crédito do governo, concordando com o sistema
financeiro internacional quanto à possibilidade de uma bolha na venda a
longo prazo. Além de a admitirem, para demonstrá-la utilizam o famoso
método do absurdo, argumentando que ela pode estourar, se o emprego e a
renda dos endividados não crescerem e se os investimentos produtivos
voltados para o mercado interno não ocorrerem. Em outras palavras, se o
pára-quedas não abrir, o saltador se esborrachará; se o freio não
funcionar, o caminhão baterá; se o trilho abrir, o trem descarrilará. O
absurdo pode ir ao infinito.
A política de crédito tem por base justamente as políticas de
investimentos produtivos, rebaixamento dos juros, crescimento do produto
interno, crescimento dos empregos, ampliação da renda e do mercado
interno, configurando um novo projeto nacional que combine o
desenvolvimento das forças produtivas, com distribuição de renda e
ampliação dos direitos democráticos. Nesse processo, a disputa entre os
interesses populares e os interesses capitalistas se manterá em tensão
permanente, sendo difícil prever por quanto tempo tais interesses
poderão ser harmonizados num projeto comum.
De qualquer modo, a intelectualidade tem um papel fundamental na análise
do desenvolvimento desse processo, colocando-se firmemente ao lado dos
interesses populares e buscando as táticas que os ajudem a evitar as
armadilhas que o capital financeiro, em especial, vai antepor para
tentar romper o projeto comum. Se algum dia o projeto se romper, a única
forma de conservar a razão e ganhar a maioria do povo será fazer com
que a responsabilidade por tal rompimento seja clara e totalmente dos
interesses capitalistas.
Para tanto, a intelectualidade de esquerda necessita voltar a enxergar
sua existência como uma expressão da divisão social, da divisão de
sociedade em classes. Procurar se referenciar à classe ou às classes que
representa, consciente ou inconscientemente. Ela não pode intervir nos
rumos da História sem compreender e representar interesses e
necessidades históricas de classe, sem aderir a tais interesses, nem
ligar-se organicamente a eles.
Pela ausência de uma análise de classe mais acurada da sociedade
brasileira, e pela ação da síndrome do manual, há entre nós uma miríade
de intelectuais que não conseguem enxergar a realidade como ela é, nem
os desvios que ela impõe à política para alcançar os objetivos
estratégicos. Com isso, como vimos, podem negar-se a si próprios e a
seus interesses de classe, e argumentar como os liberais e os
neoliberais. O que pode ser dramático, nos momentos em que o império
contra-ataca.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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