O Fascismo Financeiro
Do sitio Sul21
Há doze anos publiquei, a convite
do Dr. Mário Soares, um pequeno texto (Reinventar a Democracia) que,
pela sua extrema actualidade, não resisto à tentação de evocar aqui.
Nele considero eu que um dos sinais da crise da democracia é a
emergência do fascismo social. Não se trata do regresso ao fascismo do
século passado. Não se trata de um regime político mas antes de um
regime social. Em vez de sacrificar a democracia às exigências do
capitalismo, promove uma versão empobrecida de democracia que torna
desnecessário e mesmo inconveniente o sacrifício. Trata-se, pois, de um
fascismo pluralista e, por isso, de uma forma de fascismo que nunca
existiu. Identificava então cinco formas de sociabilidade fascista, uma
das quais era o fascismo financeiro. E sobre este dizia o seguinte.
O fascismo financeiro é talvez o mais
virulento. Comanda os mercados financeiros de valores e de moedas, a
especulação financeira global, um conjunto hoje designado por economia
de casino. Esta forma de fascismo social é a mais pluralista na medida
em que os movimentos financeiros são o produto de decisões de
investidores individuais ou institucionais espalhados por todo o mundo
e, aliás, sem nada em comum senão o desejo de rentabilizar os seus
valores. Por ser o fascismo mais pluralista é também o mais agressivo
porque o seu espaço-tempo é o mais refractário a qualquer intervenção
democrática. Significativa, a este respeito, é a resposta do corrector
da bolsa de valores quando lhe perguntavam o que era para ele o longo
prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este
espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica
de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder
discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar
de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou
a estabilidade política de qualquer país.
A virulência do fascismo financeiro
reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de
modelo a instituições de regulação global crescentemente importantes
apesar de pouco conhecidas do público. Entre elas, as empresas de
rating, as empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a
situação financeira dos Estados e os consequentes riscos e oportunidades
que eles oferecem aos investidores internacionais. As notas atribuídas –
que vão de AAA a D – são determinantes para as condições em que um país
ou uma empresa de um país pode aceder ao crédito internacional. Quanto
mais alta a nota, melhores as condições. Estas empresas têm um poder
extraordinário. Segundo o colunista do New York Times, Thomas Friedman,
«o mundo do pós-guerra fria tem duas superpotências, os EUA e a agência
Moody’s». Moody’s é – uma dessas agências de rating, ao lado da Standard
and Poor’s e Fitch Investors Services. Friedman justifica a sua
afirmação acrescentando que «se é verdade que os EUA podem aniquilar um
inimigo utilizando o seu arsenal militar, a agência de qualificação
financeira Moody’s tem poder para estrangular financeiramente um país,
atribuindo-lhe uma má nota».
Num momento em que os devedores públicos
e privados entram numa batalha mundial para atrair capitais, uma má
nota pode significar o colapso financeiro do país. Os critérios
adoptados pelas empresas de rating são em grande medida arbitrários,
reforçam as desigualdades no sistema mundial e dão origem a efeitos
perversos: o simples rumor de uma próxima desqualificação pode provocar
enorme convulsão no mercado de valores de um país. O poder
discricionário destas empresas é tanto maior quanto lhes assiste a
prerrogativa de atribuírem qualificações não solicitadas pelos países ou
devedores visados. A virulência do fascismo financeiro reside no seu
potencial de destruição, na sua capacidade para lançar no abismo da
exclusão países pobres inteiros.
Escrevia isto a pensar nos países do
chamado Terceiro Mundo. Não podia imaginar que o fosse recuperar a
pensar em países da União Europeia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário