André Pereira no Sul21
Lula, o presidente mais amado da
história da Nação, é simplesmente um gênio político, dotado de uma
sabedoria inata. Esta definição, adjetivada e superlativa, poderia
nascer da boca de um assessor presidencial “baba-ovos” - para ficar na
contundência verbal do personagem a seguir aludido. Ou ser gestada pela
credulidade de uma velhinha do agreste de Garanhuns. Ou, ainda, ser
incorporada ao jargão dos marqueteiros em ritmo de campanha eleitoral
para 2010. Mas, não: a frase é da autoria de um dos jornalistas mais
respeitados do país, com reconhecimento internacional e dono de um
acúmulo profissional invejável que inclui, no mais recente escaninho
curricular, a revista Carta Capital, de leitura imprescindível como diz
seu anfitrião, Ruy Carlos Ostermann, no "Encontros com o professor", em
uma terça-feira de março, no StúdioClio inteiramente lotado.
Mino Carta, o jornalista genovês de 76
anos que adotou o Brasil desde os 14 anos, define Lula como "o
presidente mais amado da história da Nação. É simplesmente um gênio
político, dotado de uma sabedoria inata que foi sendo aperfeiçoada ao
longo da sua trajetória de vida". Mino considera que a eleição de um
ex-metalúrgico, um ex-operário que se identifica com o povo, para
presidente do Brasil, é um divisor de águas na história de um país como o
nosso que padece, entre outros males de origem, de uma colonização
feita por predadores e de ostentar o título inglório de a última nação a
declarar o fim da escravidão.
Sentado sobre uma das pernas, repuxando a
calça cinza de bainha italiana e deixando à mostra botinas marrons de
presumíveis origens itálicas que servem sobretudo para alimentar a fama
de homem elegante que acompanha suas descrições pessoais, dividindo duas
garrafas da cerveja artesanal Coruja com seu entrevistador, no palco,
Mino foi aplaudido de pé, por uns cinco minutos, ao final de quase
duas horas de descontraída conversa que contemplou algumas indagações do
público mas abrigou, sobretudo, provocações certeiras do professor
decidido a desvendar uma personalidade jornalística única na mídia
atual.
Único mesmo? "Outros jornalistas talvez
não tiveram as oportunidades que eu tive", especula. "Ou conquistei as
oportunidades que tive porque sou como sou", filosofa ele, quando Ruy
indaga se haveriam outros jornalistas da estirpe rebelada dele
trafegando na imprensa nacional, do tipo que não manda recados
para assumir suas posições, normalmente opostas as ideais camuflados da
grande imprensa, da grande midia que ele define como continuadamente
golpista e a favor dos senhores do poder, das elites.
Para Mino, uma das geniais percepções de
Lula está na proposta de criar um clima plebiscitário para o embate
eleitoral deste ano, com Dilma Rousseff encarnando sua continuidade para
opor-se ao candidato José Serra travestido de retrocesso
tucano vinculado a Fernando Henrique Cardoso. "Em todos os aspectos que
se for comparar, o governo de Lula é infinitamente superior ao de
Fernando Henrique", Mino não tem a menor dúvida. "O governo de Fernando
Henrique levou o Brasil à bancarrota, quebrou o país, deixando um rombo
enorme para Lula administrar."
Mino se orgulha de ter percebido a
diferencial capacidade política do líder sindical antes da maioria dos
colegas, mais precisamente há 33 anos, quando colocou o operário Lula
estrelando reportagem na capa da revista IstoÉ.
Em 2002, quando Lula venceu pela
primeira vez o pleito presidencial, a população queria mudanças e o
candidato petista soube interpretar o cenário forjado pelo anseio e pela
sensibilidade geral. Hoje, ao contrário, o brasileiro quer continuidade
das políticas de sucesso praticadas nos oito anos de gestão lulista.
Nem tanto pelo bem sucedido programa Bolsa Família como querem alguns
analistas, mas acima de tudo, pela abertura de crédito que permitiu à
população ampliar o poder de compra. "O Bolsa Família abarca uma
realidade que me entristece, assim como me entristece ver uma favela,
ver a miséria. Por isso me cheira um pouco a algo como esmola", diz
ele, assinalando que faltou audácia a Lula e que muito ainda precisa ser
feito no Brasil para enfrentar seu mais agudo e violento problema: a má
distribuição de renda. Segundo ele, "conquistar a liberdade não é
importante se não existir a igualdade".
Mino acredita que o golpe de 1964 impôs
danos terríveis, que o Brasil ainda não compensou. "Naqueles idos
formava-se um proletário que se robustecia e poderia ter resultado em
uma classe econômica e social que faria grande diferença no país". Ele
também minimiza o protagonismo militar no episódio. "Quem deu o golpe
foram os donos do poder, as elites; os milicos fizeram o trabalho sujo".
Conhecido pelos textos primorosos e
pelo nível superior dos veículos impressos que criou (Veja, IstoÉ,
Senhor, Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Jornal da República, Carta
Capital), Mimo fez TV, também, mas como relembrou, sofreu
contrariedades. Um desses programa, da extinta TV Tupi, sequer foi ao
ar, proibido no nascedouro pelo então ministro da Justiça, Armando
Falcão, que considerou uma discussão sobre o machismo, atentatória à
moral e aos bons costumes da ditadura brasileira. Para diversão da
platéia, ele lista entre os convidados do debate o que classifica
como atores garanhões do cinema pornô tupiniquim como David Cardoso e
Jece Valadão.O outro programa sobreviveu por alguns meses.
E a terceira experiência televisa,
"Jogo de Carta", exibido na antiga TV Record, este, sim, vingou por
três anos em sua pretensão de fazer a defesa disfarçada de Tancredo
Neves contra o indigitado Paulo Maluf. Até que o governo incomodou
demais os proprietários da família de Paulo Machado de Carvalho (aquele
mesmo bonachão Marechal do Bicampeonato Brasileiro de Futebol)
pressionando e pedindo sua cabeça.
Mino incomoda-se com a pergunta de um
estudante de Jornalismo que, na platéia, menciona, de passagem, sua
polêmica demissão da revista Veja. O menino quer sua apreciação sobre
outro tema que se perde porque Mino fixa este episódio e ressalta
definitivo: "Eu me demiti, não fui demitido", diz para repetir, várias
vezes depois, como se sua honra profissional estivesse em jogo.
Narra, indignado, que contou sua saída da revista em uma entrevista de
quatro horas de duração para o autor do livro "Notícias do Planalto",
Mario Sérgio Conti, que, entretanto, cunhou a versão indesejável do pé
no traseiro na obra que ele trata como abominável e hediondo.
Na autoconcepção pública que ele próprio
divulga, Mino é "muito chato" porque impõe um relacionamento difícil a
quem está nas suas cercanias: perde o controle, costuma gritar,
esbraveja e gesticula, teatraliza colérico e sanguíneo. "Mas
me recomponho rapidamente. Só gostaria de ser mais sábio e
sereno", afirma, sem convencer muito quem ouve recortes de sua
preciosa jornada jornalística, empreendida ainda hoje com a companhia da
sua inseparável máquina de escrever Olivetti onde diz que batuca sem
grande habilidade pois, às vezes,os dedos intrometem-se entre as teclas,
mas segue fidelíssimo a uma imperturbável e intransferível missão de
vida: "No final das contas isto é bem simples: eu só quero mesmo ser um
jornalista de verdade".
Nenhum comentário:
Postar um comentário