“A maior parte
das pessoas detidas são menores que não podem legalmente ser sujeitos a
condenações penais. Grande número dos suspeitos detidos afirmam que
foram mandados, mas no fim de contas os responsáveis por isso não são
perseguidos e os nomes deles não são revelados ao público”. Afirmações
terríveis as do nigeriano Shamaki Gad Peter, director de uma ONG com
sede em Jos: a Liga pelos Direitos Humanos.
Infelizmente,
é também uma declaração de grande banalidade. Recolhida pelo Irin
(“Nigéria: Responsabilizar os Perpetradores da violência de massas – ou
não”, 13 de Abril de 2010), confirma realmente o que todos os nigerianos
sabem muito bem desde a implantação duma democracia de fachada, a
“Democrazy”, em 1999: de Kano a Jos, de Kaduna a Lagos, os verdadeiros
responsáveis pelos conflitos étnico-religiosos que ensanguentam a enorme
federação desde o regresso dos civis ao poder – mais de 13 000 vítimas
em dez anos – continuam a manobrar, quase sempre impunes, nas
antecâmaras do poder central.
Dos cerca de 36 estados da Federação, às antecâmaras dos 774
governos locais, estes homens e estas mulheres, que sacrificaram tudo
por uma carreira política, fazem parte dos principais intermediários das
sequências de violência que regularmente cobrem de sangue o país, com
saldos assassinos à imagem da dimensão demográfica da gigantesca África:
150 milhões de habitantes. Na Nigéria, a ferocidade das lutas políticas
para a conquista da melhor parte do bolo nacional continua com efeito a
ser a grelha principal com a qual é preciso continuar a descodificar o
menor abalo étnico-religioso.
O caso de Jos, capital do estado do Plateau, na linha fronteiriça
entre um mundo muçulmano de etnia haoussa-fulani que desceu do norte, e
um puzzle de minorias autóctones maioritariamente cristianizadas, é um
verdadeiro caso de referência. Desde os 1 000 mortos de Setembro de 2001
– um drama que passou completamente desapercebido quando o mundo estava
de olhos cravados nas ruínas do World Trade Center -, a cidade foi
teatro de várias réplicas, como as de Novembro de 2008 e as do inverno
que há pouco terminou. Ora, prossegue o Irin, as diversas comissões de
inquérito iniciadas para julgar os culpados «não deram provas de
transparência e acabaram com poucos resultados concretos, perpetuando a
impunidade».
No que se refere às inúmeras execuções extrajudiciais efectuadas
pelos membros das forças policiais anti-motim (MOPOL) executadas no
local em Novembro de 2008 – 118 casos confirmados – a ONG Human Rights
Watch conclui que não conduziram a nenhuma condenação («Mortes
Arbitrárias pelas Forças de Segurança», 20 de Julho de 2009). Para o
investigador Eric Guttschuss, encarregado deste relatório para a HRW,
«As execuções são um meio que aparenta reagir à violência mas, à medida
que o tempo passa e que diminuem as pressões incitando o governo a agir,
cada vez há menos medidas concretas destinadas a atacar as raízes da
violência e a apresentar à justiça os [presumíveis] autores».
Deve-se ao antigo homem forte nigeriano, Ibrahim Badamasi Babangida,
no poder entre 1985 e 1993, a operação da redistribuição eleitoral de
1991 que acrescentou uma centena de governos locais ao mapa eleitoral já
complexo da Nigéria. “Esta reorganização”, esclarece o investigador
nigeriano Philip Ostien, que ensina direito na Universidade de Jos,
“resultou essencialmente duma manipulação concertada visando favorecer
os membros chave da administração Babangida, assim como os seus
principais conselheiros, apoiantes dos lobbystas”. (“Jonah Jang and the
Jasawa: Ethno-Religious Conflict in Jos, Nigeria” [PDF], Agosto 2009).
No Estado de Jos, este decreto serviu para dividir o governo local
da capital – até então nas mãos dos beroms cristianizados – em duas
circunscrições, Jos Sul e Jos Norte, permitindo assim à comunidade
muçulmana haoussa-fulani, até aí mantida afastada da vida política do
Estado, dispor de uma praça forte e de um representante. Confrontando
dois sistemas clientelistas em volta duma cidade que estende a sua
influência urbana sobre os bairros suburbanos, essa clivagem contribuiu
fortemente para acentuar o ressentimento interconfessional que, conforme
vimos, se desencadeou a partir de 2001. «Segundo os cânones ocidentais,
um maior número de governos locais deveria permitir que a democracia se
aproximasse das organizações de base e estivesse mais apta a auscultar
as reivindicações locais», refere Philip Ostien. «Mas na prática, na
Nigéria, isso só serviu para contribuir para multiplicar a prevaricação
política e a violência». «A Nigéria do general Babangida dividiu o país
cinicamente, institucionalizando a corrupção e avivando as rivalidades
entre as três etnias principais, os yorubas, os ibos e os
haoussa-fulani», lembram Jean Claude Usunier e Gérard Verna, autores em
1994 de La Grande Triche. Corruption, éthique et affaires
internationales, (A Grande Falcatrua. Corrupção, ética e questões
internacionais) das edições La Découverte. Como realçava na época Didi
Adodo, um dirigente sindical nigeriano, «Os colonialistas não fizeram
tanto mal à alma nigeriana como Babangida».
«A África precisa de instituições fortes, e não de homens fortes».
Afastado do poder desde as desastrosas eleições gerais de 1993 que
roubaram a vitória ao defunto milionário yoruba Moshood Abiola e
permitiram que o cleptocrata Sani Abacha se instalasse no poder até à
sua morte em 1998, Ibrahim Badamasi Babangida, aliás IBB, aliás «The
Evil Genius» («O génio do mal»), nunca mais largou a cena política.
Regularmente consultado no seu palácio de Minna, no estado nortenho de
Níger, manteve-se um dos principais «fabricantes de reis» nigerianos,
como um garante da estabilidade da Federação. Uma influência que repousa
sobretudo na imensa fortuna acumulada durante o seu mandato, exercido
em parte durante a crise petrolífera da primeira guerra do Golfo: terão
desaparecido dos cofres do Estado nigeriano 12,4 mil milhões de dólares
de receitas do petróleo entre 1990 e 1991.
Actualmente, M. Babangida encara seriamente ser investido pelo
partido que está no poder desde 1999, o PDP, o Partido Democrático
Popular, a fim de concorrer às cruciais eleições gerais de 2011, e
suceder ao presidente interino Goodluck Jonathan. G. Jonathan
instalou-se no palácio de Aso Rock, em Abuja, depois de seis meses de
crise constitucional devida à longa doença do chefe de Estado em
exercício, Umaru Yar’Adua. Entrevistado por Christine Ananpour da cadeia
de informações americana CNN, por ocasião da sua primeira viagem
oficial ao estrangeiro – na ocorrência, os Estados Unidos – G. Jonathan
ocultou a questão da sua participação nas eleições de 2011 (“I won’t
force myself to meet Yar’Adua, diz Johathan, 14 de Abril de 2009).
É certo que, em nome do princípio de «mudança» nigeriana – que
pretende que se alterne entre os dois mandatos entre um presidente saído
do norte muçulmano e um chefe de Estado originário do sul cristão –
deveria ser novamente uma figura política muçulmana a assumir a chefia
do país. Ora as aspirações de Babangida, que aceitou manter-se no banco
desde 1999, mediante a garantia da sua impunidade, parecem desde já ter
sido entendidas por Washington. Os observadores, com os nigerianos em
primeiro plano, repararam com inquietação que este último se encontrou
discretamente, em 24 de Fevereiro passado, no seu refúgio de Mina, com
dois elos de contacto da administração Obama: O secretário de Estado
para os Assuntos Africanos, Johnny Carson, assim como o embaixador
americano na Nigéria, Robin Sanders. Não transpirou nada deste encontro,
organizado enquanto diversas outras figuras americanas se encontravam
no país: o antigo presidente George W. Bush e a sua antiga secretária de
Estado, Condoleezza Rice.
Tratava-se de abordar a questão da instalação da Africom na Nigéria?
De analisar a crise de governação de que o país acabava de sair? De
falar sobre petróleo? Ou de encarar, pura e simplesmente, o futuro? O
artigo do advogado nigeriano, Funmi Feyde-John, publicado pelo site
Pambazuka News («A crise constitucional da Nigéria e a ingerência
americana», 22 de Março de 2010), aponta algumas pistas. Johnny Carson
declara nomeadamente: «A Nigéria tem necessidade de um dirigente forte,
eficaz e de boa saúde a fim de garantir a estabilidade do país e para
reagir aos inúmeros desafios político, económico e da segurança da
Nigéria». «A África precisa de instituições fortes, não de homens
fortes» responde-lhe Gerard LeMelle, director executivo de Africa
Action, a mais antiga das organizações americanas de defesa dos direitos
humanos dedicadas ao continente, no site do grupo de reflexão americano
Foreign Policy In Focus («África Precisa de Instituições Fortes, Não de
Homens Fortes», 5 de Março de 2010). «Este encontro secreto, mesmo que
tenha sido organizado por outras razões, liga a administração Obama a
uma célula cancerosa da política nigeriana». Como é que os nigerianos,
principalmente os do Delta do Níger que foram vítimas do reinado de
Babangida, vão reagir a esta novo evolução? E o que é que vocês fariam
se estivessem no seu lugar?
Numa entrevista concedida à BBC («O ex-lider da Nigéria, Babangida,
“não vai comprar a presidência”», 13 de Abril de 2010). Babangida, que
reconhece ser «o nigeriano vivo mais vigiado do seu país, e sobre o qual
se investigou mais», declarou que não compraria a presidência… Para
Goodluck Jonathan, um ijaw originário do Delta petrolífero, uma «etnia»
principal na história do país, o tempo parece contado. O presidente
interino, que acaba de assinar uma parceria estratégica com os Estados
Unidos, decide nomear um novo presidente da muito contestada comissão
eleitoral independente a fim de substituir Maurice Iwu, na linha da mira
de Washington. M. Iwu foi especialmente encarregado de dirigir as
eleições gerais de 2007, enodoadas por irregularidades. Esta
substituição garantirá eleições gerais credíveis? Com o regresso de M.
Babangida, mais parece que o país vai avançar para uma nova zona de
temporais. E desta vez, é em Lagos, um caldeirão yoruba, especialmente
hostil a IBB, que eles se poderão desencadear.
Origem: Les blogs du Diplo
* Jornalista
Tradução de Margarida Ferreira
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