Camponeses marcham contra a Monsanto e pela soberania nacional
A marcha foi uma resposta à
doação de 475 toneladas de milho híbrido que a multinacional Monsanto
ofereceu ao governo do Haiti no último mês de maio
Thalles
Gomes
Enche
/Haiti
Lanbi
é o termo em kreyòl para designar uma espécie de concha marítima
muito comum no litoral haitiano e que costuma servir de alimento para
o povo dos litorais. Mas lanbi não é somente uma concha. É também
um instrumento de guerra. Nos tempos da colônia, os escravos
haitianos sopravam seus lanbis ao calar da noite e o som grave que
saia deles era o sinal para convocar as reuniões que planejariam os
passos da independência haitiana. Foi ao som dos lanbis que se levou
a cabo a primeira revolução vitoriosa de escravos que se tem
notícia na história da humanidade. O ruído grave e oco do lanbi
foi o prenúncio da libertação das Américas.
Na
última sexta-feira, 04 de Julho de 2010, o som do lanbi voltou a ser
ouvido na pequena ilha do Caribe. Na região de Papay, no
departamento Central do Haiti, milhares de camponeses e camponesas
marcharam ao ritmo dos lanbis. Eles vinham de todos os confins do
país e gritavam em uníssono: “Abaixo a Monsanto. Abaixo as
sementes transgênicas e híbridas. Viva as Sementes Nativas
Crioulas!”
A
Marcha foi uma resposta à doação de 475 toneladas de milho híbrido
que a multinacional Monsanto ofereceu ao governo do Haiti no último
mês de maio. Esta doação está sendo encarada pelas famílias e
movimentos camponeses como um verdadeiro presente mortal e
representa um “ataque muito forte à agricultura camponesa, aos
camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas
que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no
Haiti”, de acordo com Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP
(Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana,
responsáveis pela convocação e coordenação da Marcha.
Percorrendo
uma distância de dez quilômetros desde a região de Papay rumo ao
centro da capital departamental Enche, a marcha contou com a presença
estimada de 8.000 a 12.000 pessoas, de acordo com seus organizadores.
Além da Via Campesina Haiti, participaram também diversas
articulações e movimentos camponeses como o FONDAMA, RENAHSSA,
PLANOPA, KABA GRANGOU, VETERINAIRES SANS FRONTIÈRES, FRÈRES DES
HOMMES, DÉVELOPPEMENT ET PAIX, FONDASYON MEN KONTRE AYITI e
ACTIONAID.
A
solidariedade internacional mostrou-se presente com lideranças
camponesas oriundas da República Dominicana, Estados Unidos, França,
Itália e Brasil. Os camponeses e camponesas que compõem a Via
Campesina Brasil externaram sua “indignação e preocupação”
com a entrada da Monsanto no Haiti, afirmando em carta pública que
“não podemos concordar que a catástrofe de 12 de Janeiro seja
utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses
e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma
ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos
pelas tropas da MINUSTAH – vergonhosamente liderada pelo exército
brasileiro - e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do
país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social
que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.”
Durante
a Marcha, sementes de milho crioulo foram distribuídas e plantadas
pelos camponeses de Papay para demonstrar sua firme posição em
defesa das sementes nativas. Imbuídos dessa mesma convicção, ao
final do ato os camponeses queimaram simbolicamente uma pequena
porção do milho transgênico da Monsanto que começou a ser
distribuído pelo Ministério de Agricultura do Haiti. "Temos de
lutar por nossas sementes locais", afirmou Chavannes enquanto o
milho transgênico ardia no chão. "Devemos defender a
nossa soberania alimentar", concluiu.
Os
manifestantes não esconderam sua indignação com o Presidente Rene
Preval. As atitudes do presidente haitiano após o terremoto de 12 de
Janeiro de 2010 – que vitimou mais de 300 mil pessoas e desabrigou
milhões de famílias – vêm sendo bastante contestadas. A anuência
com a permanência das tropas de ocupação da MINUSTAH, a aprovação
de uma Lei de Emergência que prorroga seu mandato por mais 18 meses
e que cria uma Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti
sob o comando geral de Bill Clinton, somadas a este acordo com a
multinacional Monsanto, vêm transformando o nome de Rene Preval em
sinônimo de subserviência e corrupção nos meios populares. "Estou
aqui porque estou com raiva do Preval", afirmou o marchante
Pierre Charité, camponês de 61 anos que cultiva milho, banana e
cana-de-açúcar no departamento Central do Haiti. "Ele aceitou
esse milho ruim da Monsanto que vai matar o milho do Haiti. Eu não
vou usá-lo", asseverou Pierre.
O
terremoto de 12 de Janeiro derrubou casas e destruiu estradas, mas
não abalou a força dos camponeses haitianos. O som do lanbi voltou
a ecoar pelas montanhas da ilha.
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