segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Celulares são cada vez mais importantes na África, diz ativista da FreedomFone


Amanda Rossi

A massificação dos celulares é um fenômeno vivido em toda a África. Em grande parte dos países africanos, o acesso aos telefones móveis é maior que à energia elétrica. Devido ao baixo custo do aparelho e dos serviços (muito menor que no Brasil), os celulares se transformaram em uma das poucas opções de comunicação disponíveis e assumiram diversas funções: desde de realizar pequenas operações bancárias até para receber recomendações médicas.
Considerando essa realidade, uma organização do Zimbábue chamada Kubatana procura encorajar cidadãos e a sociedade civil a usarem o celular para se mobilizarem e promoverem um “ativismo eletrônico”. Fundada em 2002, a organização desenvolveu o Freedom Fone, sistema operacional com código aberto (qualquer organização pode usar livremente o software e modificá-lo), que funciona como um disque notícias. O usuário pode receber e enviar informações em mensagens de voz ou SMS.

Efe
Upenyu Makoni-Muchemwa é ativista da Kubatana, organização que estimula o ativismo eletrônico via celular 

Upenyu Makoni-Muchemwa, ativista da Kubatana, esteve no Brasil para apresentar a experiência da organização no II Fórum de Cultura Digital, realizado entre 15 e 17 de novembro na Cinemateca, em São Paulo. Ela conversou com Opera Mundi sobre o uso dos celulares para promover cidadania e a situação de seu país, considerado o menos desenvolvido do mundo pelo último Relatório de Desenvolvimento Humano, lançado este mês.

Qual é a importância dos celulares na África? Os celulares estão se tornando cada vez mais importantes, principalmente nas áreas rurais e remotas. Há lugares no Zimbábue onde não existe nem telefonia fixa, mas existe sinal de celular, que se transforma na única ferramenta disponível para se comunicar com o resto do mundo. Nós vemos casos como a Uganda, onde as pessoas estão usando a tecnologia dos celulares para microfinanças e operações bancárias. Ao redor da África, estão usando celular na saúde.

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Qual é o número de pessoas que tem acesso a telefonia móvel no Zimbábue? Nós estimamos em 5 milhões pessoas. A população do país é de 6 milhões, segundo o último censo – realizado há 10 anos. Mais pessoas têm acesso aos celulares que à energia elétrica. A eletricidade está distribuída em grandes centros urbanos. Mas nas vilas não há eletricidade. Recentemente, foi lançado no Zimbábue um celular com bateria solar, o que o torna ainda mais acessível para as pessoas que vivem nas zonas rurais. Você não precisa mais plugar o aparelho na tomada, você apenas o coloca no sol e ele está carregado!
Como funciona o Freedom Fone? Quem o acessa, de que local, que tipo de informação as pessoas buscam? As pessoas ligam e então ouvem as informações que estão disponíveis no Freedom Fone. Você não precisa estar na Internet para usá-lo, o que o torna muito conveniente para pessoas que vivem nas áreas rurais, onde não existe acesso a computadores. O sistema também pode ligar de volta, o que é importante caso a pessoa não possa pagar.
Qualquer organização pode usar a tecnologia do Freedom Fone. Na Kubatana nós criamos um canal alternativo de mídia, em que cada número do telefone te destina para um conteúdo diferente.
Nós descobrimos que muitos estavam interessados no noticiário porque ele era equilibrado, ao contrário dos outros veículos. Não dizia que o governo era maravilhoso. Nós apenas colocamos os fatos. Quanto ao local de acesso, eu imaginava que as pessoas só escutariam em Harare (capital do Zimbábue), mas a audiência é em todo o país, mesmo nas áreas mais remotas, mesmo em uma vila com duas pessoas. Foi incrível o jeito que se espalhou.

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A informação produzida pelo Freedom Fone pode atingir mais pessoas que a produzida pelos canais informativos tradicionais, como jornais e televisão? Sim, considerando o grande número de pessoas que têm celulares - e todo mundo no Zimbábue tem celular. O nosso maior desafio no momento é fazer com que as pessoas participem, mas para isso elas precisam parar de ter medo. Há no Zimbábue a exigência de que todas as pessoas registrem suas linhas. Com o registro e a vigilância constante do governo, como fazer para que uma pessoa perceba que não há problema em ouvir informações e em informar? Sempre ouvimos a pergunta: o governo vai saber que eu estou enviando a informação, vão vir me pegar?
Em setembro, celulares foram usados para promover uma grande revolta popular em Moçambique, na fronteira com o Zimbábue, contra o aumento do custo de vida. Os celulares são um bom instrumento para mobilizar as pessoas para agendas políticas e temas sociais? No contexto africano sim e não. Os celulares têm suas limitações, mas são a mídia mais acessada e o canal mais adequado para fornecer informações para as pessoas. Então podem ser usados para promover ativismo, mobilizar. Mas o problema é que os operadores são movidos pelo lucro, não por moral. Se o governo os pressiona e diz: nós queremos saber quem está mandando essas mensagens, eles vão liberar essa informação. O registro das linhas também está ocorrendo em Moçambique. Isso torna o espaço democrático e de liberdade de discurso muito menor e ameaça o uso dos celulares para ativismo, para debater o que está acontecendo no seu país.
Recentemente, foi lançado um novo Índice de Desenvolvimento Humano, que coloca o Zimbábue na posição do país menos desenvolvido do mundo. Essa é uma realidade perceptível? Sim e não. Nós deveríamos ter progredido mais nesses 30 anos de independência. Mas em comparação com outros países, nós não estamos tão mal. Temos mais de 90% da população alfabetizada. Eu ainda não conheci uma criança zimbábueana que não soubesse ler e escrever. É verdade que nos últimos dez anos a educação sofreu muito porque não havia dinheiro, muitos professores saíram do país. Talvez, por isso, a próxima geração pode não ser tão alfabetizada quanto as que vieram antes. Eu não sei qual é o critério desse índice de desenvolvimento, mas eu não acho que seja uma classificação justa.

Em termos de desenvolvimento como eu o entendo, o Zimbábue não está mal. O país é capaz de conquistar mudança? Sim! Nosso dinheiro valia menos que nada e nós sobrevivemos. Por outro lado, se compararmos o Zimbábue com outros países, como o Brasil, com transporte público, saúde, educação, eu acho que não estamos onde deveríamos estar.
Qual é a situação do Zimbábue hoje, depois da grande crise que abateu o país?
Nós estamos lutando. Para recuperar a posição em que estávamos nos anos 90 é um trabalho grande e para avançar é um trabalho ainda maior. Estamos no meio do caminho, ainda tentando descobrir se nossa economia vai se estabilizar, se o número de empregos vai aumentar (nossa taxa de desemprego é de 90%), como essa situação vai mudar. Mas o mais importante é que o Zimbábue enfrenta hoje uma crise de liderança. Você não diz: “esta é a pessoa que vai nos tirar do ponto A e nos levar para o ponto B”. Não. Nós temos um longo caminho pela frente, há muito trabalho.

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