Paulo Alves de Lima Filho no Correio da Cidadania | |
"Ai esta terra ainda
Vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se
Um imenso Portugal"
(Chico Buarque-Rui Guerra)
"Pero es demasiado temprano para decir si Dilma logrará concentrarse
en la visión global. Con el agregado que no es irrelevante de que la
actual trayectoria brasileña podría llevar a la formación de la primera
potencia tropical global. ¿Sería sólo sub-imperial? ¿Sería sólo cordial?
¿O sería una nueva especie mutante, impredecible de subimperialismo
benigno?" - Pepe Escobar, Asian Times/Liberacion, 03/11/2010.
A eleição de Dilma Rousseff deveria prestar-se para exercícios teóricos
de síntese, de preferência curtos, para que sejam lidos nestes tempos de
baixo prestígio da razão. O tema é mais do que momentoso. Os
pouquíssimos donos da mídia e o punhado de donos do mundo e seus
poderosíssimos ventríloquos se apressam a estender à estreante
presidente os caminhos da preferência de seus negócios mundiais. A
expressão nacional desses anseios monopolistas se apresenta basicamente
através de dois projetos, aos quais podemos denominar provisoriamente de
imperialismo benévolo e imperialismo malévolo.
A disputa ente esses dois projetos fechará um ciclo histórico iniciado
com a revolução portuguesa de 1245-47, derrame da qual veio a ser o
Brasil, parte desgarrada do império português no século XIX, porém
sempre firme na subordinação aos desideratos da acumulação mundial do
capital. O Brasil alcançaria, pois então, a máxima expressão capitalista
mundial ora cantada polifonicamente em prosa e verso ao ser potência,
até que enfim, do capital financeiro ou monopolista. O imperialismo
benévolo, anti-colonial, galopa no projeto do núcleo dirigente do PT.
Realizar-se-á através da Unasul, de uma política externa independente e
democrática, forte apoio estatal aos grupos monopolistas nativos e pela
via de altas taxas de crescimento econômico aliado a políticas sociais
redistributivas. Bem distinto do imperialismo malévolo de caráter
colonial, representado pelas forças do PSDB-DEM, dentes arreganhados às
democracias populares e seus processos de emancipação política,
econômica e social, assim como às políticas estatais mais autônomas vis a
vis os capitais privados, principalmente os forâneos.
Impossível deter a marcha do Brasil ao seu destino imperialista. O
capital monopolista domina a esmagadora maioria das atividades
capitalistas, tanto o nativo quanto o estrangeiro. Este, majoritário nos
campos mais dinâmicos e estratégicos. Todas as forças do status quo
desejam alcançar esse destino anunciado de grande potência, a começar
pelos militares. Um imperialismo benévolo, sem seu componente belicista
dado a evoluir em espaço regional sem potência concorrente, exceto os
Estados Unidos.
Não havendo disputas hegemônicas exacerbadas e recém sepultadas as
aspirações manipuladas derivadas da guerra fria, uma atmosfera de
concórdia e unidade se estende como forma de realização das aspirações
nacionais.
O sentido do futuro
O imperialismo benévolo, definição evitada pela mídia e outras forças do status quo e substituída pela categoria potência,
marcharia rumo a um novo milagre econômico agora também social, pois
redentor da miséria. Este milagre seria derivado dos lucros do Pré-Sal e
pela irresistível expansão do mercado interno e forte empuxe
exportador, eixos de uma espiral virtuosa mais brilhante que a cúpula da
catedral de Santa Sofia.
Contudo, quão mais o Estado maior petista se afirma nessa rota, tão mais
abandona seus conteúdos emancipatórios originais, fincado que está à
estaca do centrão conservador e flertes mais à direita, aos quais
se obriga aliar para permanecer no poder e ampliar nele o seu espaço.
Isso implica em direitização do poder, regressão ideológica,
desemancipação crescente, forma particular desse neoliberalismo social,
neodesenvolvimentista, anti-colonial. Em sua benevolência, de certo modo
assemelha-se aos trajetos dos seus comparsas russos e chineses. Não à
toa o Brasil já foi chamado de Rússia dos trópicos.
Ao caminhar rumo ao seu ápice desnudando-se das suas vestes
emancipatórias, nele se acentua o predomínio da bandeira anti-colonial
como afirmação do Estado nacional, fato que paradoxalmente o enfraquece
e o torna vítima provável das forças do imperialismo malévolo, contra
as quais Dilma obteve vitória consistente somente no segundo turno.
Diga-se assim: a marcha do Brasil potência benévola e benfeitora vai
enfraquecendo seu projeto nacional. Esta ocorre sob o império da fissão
prolongada e sucessiva do núcleo original do PT, cujo penúltimo episódio
foi a evicção do PSOL e a saída de Marina Silva o último. Repete-se a
recente regressão histórica do PMDB e, grosso modo, do bloco de forças
derrotado pelo golpe de 1964.
O momento histórico
Todavia, o momento histórico é outro e o sentido do processo, idem. Na
ausência histórica de uma burguesia nacional autônoma, democrática,
popular e dirigente, a nova pequena burguesia - ou classes médias, como
queiram -, em seu afã de realização social, se apresenta na cena, para
susto das velhas classes médias, com seu incontido apetite pelo poder a
todo o custo e estonteante balé para nele manter-se. Quem, senão o
Estado lhe permitiria realizar tal tarefa propriamente burguesa? Ele é o capitalista coletivo através do qual esse estrato burguês se afirma entre as potências do capital como grande capital
– propositalmente enfraquecido pelas privatizações, esse o sentido
delas, aliás -, subvertendo, assim, o jogo monopolista privado. O Estado
liquidado pelo golpe de 64 possuía forte presença nacionalista, em
momento histórico que ameaçava levar ao poder crescentes maiorias
populares antiimperialistas e, assim, passar à construção de um
capitalismo nacional autônomo e soberano, popular e democrático. Tal
projeto, assim como o socialismo chileno e outros arroubos nacionalistas
- populistas, na vulgata pró-colonial -, foi devidamente liquidado pela longa marcha da contra-revolução capitalista, como bem notaram Florestan e muitos outros. Impôs-se, nesta, a revolução monopolista como obra-mestra das ditaduras.
No entanto, este Estado das novas pequenas burguesias urbanas no poder e
dos movimentos sociais sob sua tutela, o Estado do PT e aliados, deseja
afirmar a sua autonomia para os negócios nacionais, para a
mundialização do imperialismo brasileiro, benévolo e democrático. Ou
melhor, para a mundialização solidária, pró-imperialista, capaz de
inserir mundial e dinamicamente, com um mínimo de autonomia, esses
negócios do capital monopolista nativo. E até de modo ecologicamente
sustentável, como quer uma parte desses negócios, apoiadores generosos
da candidatura de Marina Silva.
O neodesenvolvimentismo, projeto dessas forças, expressa esse rumo ao
Brasil Potência, imperialista, anti-colonial e anti-belicista. Porém, de
modo inabalável, decidido a construir seu complexo industrial-militar
adequado à sua condição de potência terrestre e, agora, mais ainda do
que antes, Atlântica, devido ao Pré-Sal. Este se torna objeto a exigir
soberania nas águas territoriais brasileiras, como veementemente se
expressou Jobim em conferência no Forte de Copacabana (BBC-Brasil,
3/11/2010). Uma miscelânea complexa, sem dúvida. Nada mais complexo que o
decorrer das revoluções burguesas conservadoras.
O novo mito redentor
Atente-se para o mito da erradicação da miséria, servido expressamente
como doação de certo valor para a minoração da fome secular, que não vem
acompanhado da promessa de universalização dos direitos republicanos ou
da democracia como poder crescente das maiorias politicamente
emancipadas na República. Nem como expressão do controle sobre a
reprodução social, seja sobre o capital financeiro, os meios de
comunicação, a ciência e a tecnologia, a função social da terra ou o
meio ambiente.
Enfim, o anunciado fim da miséria não vem acompanhado pela emancipação
nacional e social, como se a miséria fosse atributo exclusivo das
maiorias trabalhadoras, dos miseráveis, e não da sociedade da miséria,
que a produz e reproduz desde os seus primórdios como forma histórica do
capital, colonial e escravista. Como se a miséria não fosse uma forma
de produção miserabilizante da riqueza.
Por fim, os dois projetos históricos imperialistas em disputa, colonial e
anti-colonial, promovem guerra de vida ou morte para ver quem, com mais
zelo, carrega os despojos do país herdado da contra-revolução
capitalista. A última flor do Lácio desabrocha nos funerais das
emancipações.
Paulo Alves de Lima Filho é membro do IBEC (Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos) e um dos fundadores do Grupo Rosa Vermelha.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
A longa marcha do imperialismo benévolo
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