Diário Liberdade -
[Laerte Braga] A maior parte da população do Brasil não tem
conhecimento das atrocidades cometidas por militares e todo o aparato de
repressão (polícias civis e militares nos respectivos estados) durante o
período da ditadura militar.
São poucos os que conhecem ou têm ciência da Operação Condor. Junção dos
serviços repressivos dos países do chamado Cone Sul (Uruguai,
Argentina, Paraguai e Chile) para a prática de prisões, assassinatos de
lideranças de oposição, marcada por forte presença de agentes
norte-americanos.
Países
como Argentina e Chile, notadamente o primeiro, têm se destacado na
apuração dos crimes cometidos por militares e agentes da repressão
durante o período ditatorial.
No
Brasil, por uma lei canhestra e contrária aos acordos internacionais de
direitos humanos os criminosos permanecem impunes. A anistia, que,
aparentemente permitiu a volta de exilados e a libertação dos presos
condenados por crime de “subversão”, na prática eximiu os militares de
qualquer culpa em crimes de tortura, assassinato, estupro, toda a
barbárie que caracterizou o regime militar.
A
Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados
Americanos – condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime
militar brasileiro durante a guerrilha do Araguaia. A sentença foi
trazida a público na terça-feira, 14 de dezembro e responsabiliza o
Estado brasileiro pelo desaparecimento de sessenta e duas pessoas entre
os anos de 1972 e 1974.
É a
primeira vez que o Brasil é condenado por crimes contra os direitos
humanos praticados à época da ditadura militar (1964/1985). A decisão da
Corte terá que ser respaldada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Este
ano o assunto chegou a ser discutido entre os ministros daquele
tribunal sem que se tenha chegado a um acordo sobre a obrigação de
acatar uma sentença de corte internacional, mesmo sendo o Brasil
integrante da OEA e signatário de tratados de direitos humanos.
A
sentença condenando o Estado brasileiro foi divulgada pelo juiz Roberto
de Figueiredo Caldas. No teor da decisão está dito que a Lei de Anistia,
assinada em 1979, é um obstáculo à punição de torturadores e funciona
como álibi para esses criminosos, já que a Constituição brasileira não
deixa portas abertas para esse tipo de punição.
Todo
esse certo jurídico para garantir torturadores resultou e resulta de
pressões de militares ainda fortes e acentuadas nos dias atuais.
A
decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que o Brasil,
na condição de signatário do Pacto de San José da Costa Rica deveria
respeitar as normas da própria Corte e adequar a carta magna do País aos
princípios estabelecidos naquele acordo.
“Os
dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção
Americana, carecem de efeito jurídico e não podem continuar
representando um obstáculo para a investigação dos fatos”. É uma parte
do texto da sentença.
Um
outro ponto da sentença diz respeito “a violação de direito de acesso a
informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, já que o
governo brasileiro se negou a divulgar e liberar o acesso aos arquivos
em poder do Estado com informação sobre os crimes cometidos por
militares durante a ditadura militar.
A
sentença obriga o Brasil a reconhecer o crime de desaparecimento forçado
de pessoas e estabelece que os culpados devem ser punidos
As
dificuldades para o reconhecimento da sentença se prendem ainda a reação
de militares brasileiros, infensos a qualquer atitude que possa ameaçar
torturadores fardados. É recente a quase rebelião de militares das três
armas ao Plano Nacional de Direitos Humanos proposto pelo governo do
presidente Lula.
Segundo
o governo brasileiro o que se constrói aqui é uma “reconciliação
pacífica”. Essa, no entanto, é uma afirmação que difere do entendimento
do presidente da República e tenta evitar atrito com os militares.
Se
reconhecida a sentença, pela primeira vez na história militares
brasileiros terão que estudar direitos humanos nos seus cursos de
formação e isso, certamente, vai embaralhar a cabeça da turma à hora das
marchas.
As
forças armadas brasileiras, desde o grande expurgo promovido a partir de
1964 e durante o período ditatorial, pensa como força auxiliar dos
Estados Unidos. A imensa e esmagadora maioria dos militares brasileiros
ainda teme encontrar comunistas debaixo de suas camas.
E na cabeça dessa maioria direitos humanos são acessórios desnecessários em função do culto ao bezerro de ouro, os EUA.
Como
um gigante adormecido, os militares brasileiros são os principais
parceiros das elites latifundiárias, dos interesses das grandes empresas
estrangeiras no Brasil e imaginam uma espécie de confederação com a
América do Norte para nos transformar num adereço cercado de bases
militares contra terroristas imaginários (mas interesses econômicos
visíveis) confirmando a máxima do pensador inglês Samuel Johnson que “o
patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.
A
decisão deve repercutir nos quartéis, devem aumentar as pressões para
manter impunes torturadores, estupradores, assassinos chancelados pelas
forças armadas e pela ditadura militar.
Sabem
da cumplicidade de muitas lideranças políticas ainda vivas e atuantes
(José Sarney, presidente do Senado), Helio Costa (senador e ex-ministro
das Comunicações), a maioria da mídia privada (Globo, Folha de São
Paulo, Veja, etc) e isso acaba reforçando as dificuldades para que sejam
abertos arquivos da ditadura e punidos boçais travestidos de democratas
a garantir a segurança nacional (deles), a lei e a ordem (deles e dos
comandaram a ditadura, os de fora).
Um
detalhe que merece ser observado nesses tempos de WikiLeaks é a
constante criminalização do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra). A reforma agrária é um dos mais sérios obstáculos à colonização
do Brasil pelo agronegócio (controlado de fora) e ao controle de
reservas minerais estratégicas e fundamentais ao País e ao seu futuro,
por grandes empresas privadas como a Vale.
Nos
últimos dias foi revelado que José Serra já havia acertado com empresas
dos EUA a entrega do pré-sal “assim que fosse eleito”, confirmando as
negociações feitas por FHC em Foz do Iguaçu com investidores e
captadores de recursos estrangeiros.
Para
além da sentença há toda uma teia envolvendo militares (maioria
esmagadora) e elites políticas e econômicas de direita, confirmando o
caráter apátrida dessa gente.
Mas é um avanço, um significativo avanço, numa luta que ainda não acabou.
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