Bertha Oliva é fundadora do Comitê de Familiares de
Detidos Desaparecidos em Honduras (Cofadeh), organização pró-direitos
humanos surgida há 29 anos. Oliva sofreu na própria pele a violência e a
impunidade daqueles anos. O marido, Tomás Nativí Galvez, dirigente da
União Revolucionária do Povo (URP), foi sequestrado e desapareceu na
noite de 11 de junho de 1981, quando ela estava grávida de três meses.
Naquele momento, Oliva iniciou uma longa e incansável luta em defesa dos
direitos humanos dos hondurenhos, o que lhe custou perseguições,
intimidações e ameaças constantes.
A longa trajetória de compromisso pessoal com Honduras foi um dos principais motivos que levaram o governo da Holanda a lhe conceder o Prêmio Tulipa dos Direitos Humanos 2010. Logo após receber o prêmio, Oliva conversou com Opera Mundi sobre o momento atual vivido por Honduras e ressaltou a necessidade de lembrar a sociedade hondurenha dos perigos que rondam o país desde os anos 1980.
Qual é a relação de Honduras com a memória histórica e coletiva?
A longa trajetória de compromisso pessoal com Honduras foi um dos principais motivos que levaram o governo da Holanda a lhe conceder o Prêmio Tulipa dos Direitos Humanos 2010. Logo após receber o prêmio, Oliva conversou com Opera Mundi sobre o momento atual vivido por Honduras e ressaltou a necessidade de lembrar a sociedade hondurenha dos perigos que rondam o país desde os anos 1980.
Qual é a relação de Honduras com a memória histórica e coletiva?
O povo não pode e não deve esquecer o que aconteceu a partir dos
anos 1980 e o que continua acontecendo agora, depois do golpe de Estado.
Há uma dívida pendente e é preciso educar o povo. Esta educação serve
justamente para não esquecer, para observar e estudar os fenômenos
sociais que vimos enfrentando há muitos anos, porque os violadores, os
torturadores, os represores, são os mesmos. O que muda são só os nomes
das novas vítimas. Além disso, serve para criar novas sociedades, para
construir gradualmente um tecido social no qual os jovens sejam capazes
de entender as dinâmicas de ontem e de hoje, envolver-se em um processo
de mudança da sociedade. O que também estamos fazendo é resgatar a
memória no âmbito da região centro-americana inteira, para criar aos
poucos uma transferência geracional, para uma juventude comprometida e
consciente em toda a região, e isto mantém viva a esperança.
Na cerimônia de entrega do Tulipa 2010 em Haia, a senhora falou de esperança e de sonhos. Quais são estes sonhos para a Honduras de hoje?
Na cerimônia de entrega do Tulipa 2010 em Haia, a senhora falou de esperança e de sonhos. Quais são estes sonhos para a Honduras de hoje?
A esperança é poder conquistar mudanças reais em nossa sociedade
e, para que isto seja possível, não podemos aceitar que se negocie a
justiça. Quando uma pessoa mantém esta esperança, pode sonhar, e é
preciso continuar construindo os sonhos, mesmo que seja em um momento
tão difícil quanto este que vivemos, com uma reacomodação das forças
poderosas e oligárquicas em âmbito planetário. Por esta esperança, por
este sonho pode-se também morrer. Morrer pela esperança, semeando este
novo tecido social de dignidade, conhecimento e compromisso. Não importa
quanto sacrifício é necessário.
A senhora também falou de verdade e justiça, algo muito distante da realidade em seu país...
A senhora também falou de verdade e justiça, algo muito distante da realidade em seu país...
Em Honduras, é preciso deixar de ser hipócrita. Devemos reunir os
diferentes setores e vislumbrar objetivos comuns para poder desenhar uma
estratégia. O que os arquitetos do mal fazem é dividir as forças
sociais, e esta é uma arma que funciona. Temos vontade de encontrar a
verdade e a justiça, mas precisamos nos manter unidos.
O Cofadeh acaba de completar 29 anos de existência. Qual a importância do trabalho desenvolvido por esta organização?
O Cofadeh acaba de completar 29 anos de existência. Qual a importância do trabalho desenvolvido por esta organização?
Ser parte da história do Cofadeh, vê-lo crescer, desenvolver-se,
viver todos esses momentos, muitos dos quais foram muito difíceis, não
foi fácil. Mas foi uma escola para mim. Nos primeiros anos, ninguém
falava de direitos humanos. Era algo desconhecido e sofríamos todo tipo
de ataque. As perseguições, ameaças, infiltrações, desqualificações, os
julgamentos nos tribunais eram a ordem do dia, e dias muito difíceis
viriam. Tivemos de ser fortes, nos sacrificar, e conseguimos porque
estamos seguros de nossa tarefa, porque há um povo que está conosco,
porque o Cofadeh é uma casa aberta, construindo história, verdade,
exigindo justiça, com amor e esperança.
Qual é a situação dos direitos humanos em Honduras?
Qual é a situação dos direitos humanos em Honduras?
É uma realidade extremamente grave. Mantém-se uma política de
Estado tenebrosa, cínica e mentirosa. Os últimos meses foram muito
sangrentos, com muita pressão social e muita repressão por parte dos
agentes do Estado e de grupos paramilitares, como por exemplo contra as
organizações camponesas do Bajo Aguán. O presidente Porfirio Lobo criou a
Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e quer promover uma Comissão
Internacional contra a Impunidade, para limpar a imagem do regime,
reintegrar Honduras à OEA (Organização dos Estados Americanos) e ter
acesso a fundos internacionais. É preciso estar atento, pois são
instâncias que serão controladas pelos mesmos autores do golpe. O que
não vemos é a vontade política para mudar as coisas.
Em algum momento a senhora teve medo de perder a vida?
Fui ameaçada insistentemente, mas perdi o medo na noite em que Tomás (Nativí) foi "desaparecido". A dor e o desejo de saber o que havia acontecido com ele venceram o medo. E hoje as injustiças cometidas a cada dia contra a população me fazem vencer o medo. Não creio que esteja a salvo, mas não deixarei de fazer o que acho certo. Não vou sucumbir ao medo e às ameaças, porque preciso saber, caminhar, acompanhar, não desistir, pois acredito na causa dos direitos humanos, abracei todo o sofrimento do povo do passado e convivo com a dor do povo do presente. Entrei em um caminho que não tem volta e não quero voltar. Ao contrário, quero avançar.
Desde sua criação, em 2008, o Prêmio Tulipa foi concedido a mulheres. A senhora acredita que isso tenha algum significado em particular?
Em algum momento a senhora teve medo de perder a vida?
Fui ameaçada insistentemente, mas perdi o medo na noite em que Tomás (Nativí) foi "desaparecido". A dor e o desejo de saber o que havia acontecido com ele venceram o medo. E hoje as injustiças cometidas a cada dia contra a população me fazem vencer o medo. Não creio que esteja a salvo, mas não deixarei de fazer o que acho certo. Não vou sucumbir ao medo e às ameaças, porque preciso saber, caminhar, acompanhar, não desistir, pois acredito na causa dos direitos humanos, abracei todo o sofrimento do povo do passado e convivo com a dor do povo do presente. Entrei em um caminho que não tem volta e não quero voltar. Ao contrário, quero avançar.
Desde sua criação, em 2008, o Prêmio Tulipa foi concedido a mulheres. A senhora acredita que isso tenha algum significado em particular?
Simplesmente acho que chegou a vez das mulheres. Sempre acreditei
que os seres humanos, homens e mulheres, que se comprometem com a causa
dos direitos humanos são extraordinários e extraordinárias. Como mulher,
tive de enfrentar momentos difíceis, porque o machismo é muito forte e
não gosta de reconhecer as vitórias das mulheres. E quando uma mulher se
sobressai, há muitos problemas, porque não nos consideram capazes de
dar tudo em troca de nada, só por amor à justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário