‘No lugar dos valores da vida, preferiu-se o poder, o sucesso e a riqueza por si mesmos’ (Freud, 1930)
Quem
analisa o século passado, da urbanização mundial, encontra um traço
profético nessa afirmação do ‘pai da psicanálise’. No Brasil, o
desenvolvimento econômico também tem se baseado na exacerbação da
cultura individualista e na degradação da esfera pública. Mas não há
progresso real se não se supera a desigualdade e o atraso político.
Nesses aspectos essenciais continuamos mal.
Entre
nós, onde os 10% mais ricos ainda ganham 40 vezes mais que os 10% mais
pobres, o abismo social ganha tom de tragédia: enlutados, vejamos a
condição da maioria absoluta dos vitimados nas enchentes de verão.
Não
se culpe o destino ou uma fatalista ‘ira divina’ e sim a falta de
prioridade para políticas públicas que poderiam amenizar essa dor
indizível. Não se atribua tudo a fenômenos naturais, alguns de fato
inéditos. O imprescindível planejamento urbano raramente desce de
virtuosas Leis Orgânicas, Planos Diretores e Estatuto das Cidades para a
vida. Os insuficientes investimentos em macro-drenagens, contenções e
programas habitacionais contrastam com os custos adicionais bilionários
da reforma do recém-reformado Maracanã, por exemplo. No plano global, as
políticas contra o aquecimento, que implicariam em mudanças drásticas
do nosso modo de produzir e consumir, não avançam com a celeridade das
crescentes oscilações climáticas.
O
país emergente que celebra crescimento tem sua dimensão política
soterrada pela avalanche do interesse menor, alimentado pela enchente do
desinteresse coletivo. A comovente e episódica onda de solidariedade
não tem conseguido transformar-se em torrente cidadã permanente.
Promessas de prevenção das autoridades vão embora com as águas de março
ou fecham-se após as chuvas de abril.
Ocupar
função pública, salvo exceções, não é mais missão de serviço e sim
carreira promissora, inclusive com plano de vencimentos e oportunidades
de negócios alentadores. Muitos no Executivo, no Legislativo e no
Judiciário distanciam-se da sociedade, fechados em estamentos que se
auto-regulam e tornam-se espaço de interesses privados. A moeda de troca
nas alianças políticas é a distribuição de cargos e empenhos para
consolidação dos ‘currais’ modernos de legitimação pelo voto – até nos
recursos para a Defesa Civil! Os palácios só costumam ter alguma conexão
com as praças quando ocorrem tragédias ou nos períodos bienais de
captação de votos. Hannah Arendt lembrava que “a
sociedade burguesa, baseada na competição e no consumismo, gerou apatia
e hostilidade em relação à vida pública, não somente entre os
excluídos, mas também entre elementos da própria burguesia”.
Desde
os primórdios os povos enfrentam dois desafios: adequar-se à natureza,
para não perecer, e limitar o poder, para as maiorias não serem
escravizadas por poucos. Caminhamos entre intenções cruzadistas e suas
guerras nada santas, entre avanços tecnológicos que propiciariam o bem
viver e relações de dominação que excluem amplos setores desses
benefícios.
É imperativo o resgate da vida pública cooperativa, transparente, participativa. Res publica
livre do interesse mercantil e/ou demagógico – inclusive em relação ao
solo urbano. As centenas de mortes que se repetem a cada ano nos
interpelam de forma dramática.
*Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ)
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
O ATRASO DO PROGRESSO
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