Notícia recente, na coluna de Elio Gaspari (É dura a Vida no Arizona,
12.01.11): “O diretor da rede escolar pública de Tucson, Estado do
Arizona, EUA, quer fechar os cursos de história e cultura latinas. Entre
os livros que pretende tirar dos currículos está a ‘Pedagogia do
Oprimido’, de Paulo Freire.”
Em novembro de 2009, em Brasília, durante o Fórum Mundial de Educação
Profissional e Tecnológica, a Caravana da Anistia promoveu o julgamento
político e declarou formalmente para a sociedade a anistia de Paulo
Freire, em nome do governo brasileiro. Escrevi: “Paulo Freire, educador
popular e cidadão do mundo, finalmente vai voltar a ser cidadão
brasileiro em sentido pleno: com direito a reconhecimento formal de sua
brasilidade e de sua contribuição à educação como prática da liberdade, à
pedagogia do oprimido, da indignação e da autonomia.” E concluía: “O
povo e o governo brasileiro o reconhecem cidadão brasileiro em sentido
pleno e o oferecem ao mundo também como seu cidadão” (Paulo Freire
Cidadão brasileiro, 23.11.2009).
A crise econômica mundial, especialmente nos países ricos (não sei se
ainda dá para dizer ‘desenvolvidos’), está levando a um rápido aumento
da xenofobia, à expulsão sumária de imigrantes, à exclusão do diferente,
seja por expulsão, segregação, repressão, e, em casos mais extremos, ao
simples assassinato e a todo um conjunto de medidas e iniciativas de
retorno a valores ultraconservadores.
“Políticos republicanos de seus Estados, entre os quais o
Arizona,querem cassar a cidadania dos filhos americanos de imigrantes
que entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Só em 2008 nasceram 340
mil. A iniciativa é inconstitucional, mas, para o Tea Party (movimento
político americano ultraconservador), atrai votos. A Constituição
americana, como a brasileira, dá a cidadania a quem nasce na terra. Numa
nação de imigrantes, a intolerância de parte da sociedade já perseguiu
negros, católicos, irlandeses, chineses, coreanos e japoneses. A bola da
vez, há tempos, são os latinos. Eles formam a maioria dos 12 milhões de
estrangeiros que trabalham no país sem a devida documentação. Talvez
700 mil sejam brasileiros. Cidadãos do Estado organizam-se em milícias
para patrulhar a fronteira com o México. Uma delas é filonazista. É dura
a vida no Arizona. Qualquer estrangeiro de aparência suspeita pode ser
parado na rua. Se não tiver os papéis, será deportado” (Elio Gaspari).
A crise do capitalismo não é apenas econômica. Vai muito além disso. O
que acontece nos EUA, também acontece nos países mais ricos da Europa. A
crise do desemprego brutal, da diminuição da renda, do enfraquecimento
da economia revela a podridão da sociedade. Baseada apenas no lucro, que
enriquece desmedidamente a poucos, a organização econômica mostra que a
mesma separação entre o luxo, a riqueza de poucos e a pobreza de
muitos, está presente também nos valores que orientam a convivência. Da
mesma forma de que quem tem tudo não precisa dos outros ou só precisa
para explorá-los, não precisa da natureza, a não ser para servir-se dela
e dela tirar seus ganhos e aumentá-los todo dia. Agora aparece à luz do
sol que quem trabalha para sobreviver sofre antes de todos as
conseqüências. Se conseguia ‘conviver’ com o opulento e sua riqueza que
antes não aparecia, e tudo parecia certo e dentro da lei e da ordem,
agora não consegue conviver com seu vizinho que é pobre, tão ou mais
pobre que ele.
Da segregação pela riqueza que vai para poucos de quem sempre apenas
sobreviveu, passa-se à segregação da convivência e das idéias.
Brasileiros, argentinos, costarriquenhos, mexicanos, haitianos têm outra
pele, outra cultura e outros costumes. Não fazem parte do ‘american way
of life – o modo americano de viver -, tão celebrado em filmes e na
arte em geral. O americano é superior, invade outros países sem pedir
licença, impõe suas idéias e valores ao resto do mundo. E agora, na
crise e na dor, mostra que seus valores supostamente superiores se
esfumaçam no vento da intolerância e do preconceito.
Paulo Freire está sendo proibido nos currículos escolares de Tucson,
Arizona (Aliás, um comentário paralelo. Lá ele está nos currículos das
escolas públicas, aqui mal é conhecido, senão rejeitado. Ora pelo exílio
forçado, ora pela desinformação, ora pela pequenez de visão e
conservadorismo dos gestores educacionais pátrios.)
O Brasil (re)declarou-o cidadão brasileiro e promoveu sua anistia
política de forma pública. E agradeceu ao mundo que durante a ditadura
militar o adotou como seu cidadão e pedagogo reconhecido, inclusive os
Estados Unidos da América, que o acolheram por um tempo. Agora, parece
que é preciso fazer um movimento para reconhecer sua cidadania
planetária, antes que queimem mais uma vez seus livros e idéias em praça
pública.
* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Originalmente publicado em Adital
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