O desastre natural no Japão retirou, na mídia, um espaço que poderia
ser utilizado para discutir tragédias mais próximas de nós, ocorridas
no feriado de carnaval; e que nos atingem mais diretamente que as do
outro lado do mundo. Não que o espaço utilizado para cobrir o ocorrido
no país asiático não seja importante; um abalo de proporções épicas
sempre será notícia prioritária.
Além das imagens impressionantes; o desastre japonês deveria nos
fazer refletir sobre o que temos logo ali, na volta da esquina. Análise
do número oficial de mortos na calamidade japonesa mostra absurdo da
quantidade de vítimas em acidentes nas ruas e estradas do Estado e do
país.
Em 2010, só no RS, acidentes de trânsito tiraram 1.600 vidas. Sem
contar os que morreram depois, após dolorosa agonia. E os mutilados,
nos diferentes graus. Nas estradas federais do Brasil, apenas no
carnaval de 2011, ocorreram 4.165 acidentes, com 2.441 feridos e 213
mortos. Desastre de proporções também épicas que, ao contrário do
japonês, não causa mais perplexidade. E que se repete, dia após dia.
A cada tragédia, a pergunta: até quando? A resposta: até
compartilharmos responsabilidades individuais e coletivas; exigindo
políticas de investimento em vias e diferentes modais de transporte;
educação continuada; fiscalização rigorosa, penalidades mais duras e
tolerância zero para a transgressão no trânsito.
Precisamos de coisas importantes:
Leis mais severas, que sobreponham o interesse público às posturas
individuais, principalmente quando atentam, criminosamente, contra a
vida e integridade dos demais.
Melhores estradas; com investimento do compulsoriamente arrecadado
dos cidadãos na malha viária. No RS, últimos investimentos de porte em
estradas foram feitos ainda na década de 70. Continuamos perdendo para
os governos militares em infra-estrutura de transporte.
Discutir modais alternativos; revendo opção que prioriza o
transporte rodoviário, caro e ineficaz; graças ao lobby das montadoras
de veículos e transportadoras; contra as quais poucos têm a coragem de
se opor.
Legislação que racionalize utilização de estradas. Na Comunidade
Européia, proíbe-se que motoristas de passageiros e cargas dirijam mais
que 4 horas sem parada obrigatória de, no mínimo, 45 minutos; sendo
restrito tráfego de ônibus e caminhões à noite. No Brasil,
profissionais são obrigados a cumprimento de horários e percursos
absurdos; colocando em risco sua vida e dos outros. Não por acaso, a
maioria dos acidentes de trânsito sempre tem um caminhão envolvido.
Ou isso, ou continuaremos a perder vidas tão preciosas quanto às do
Japão. Com uma diferença: nosso desastre nada tem de natural.
* Advogado
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