Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA | |
No último dia 14, o Senado brasileiro aprovou a Medida Provisória
511/10, que autoriza o empréstimo de 20 bilhões de reais ao consórcio
vencedor da licitação pelo Trem de Alta Velocidade (TAV), o trem-bala,
que fará a ligação Rio-São Paulo. Para debater mais um mega-projeto dos
governos petistas, o Correio da Cidadania conversou com o deputado
federal do PSOL-RJ Chico Alencar.
De acordo com ele, o governo se equivoca em lançar mão de um projeto que
antes de tudo não tem teto orçamentário, uma vez que há quase um
consenso de que a previsão de custo de R$ 30 bilhões é de baixa
confiabilidade. Além disso, o deputado lembra que "com os recursos
destinados ao trem-bala (públicos, do BNDES) poderiam ser construídos 10
quilômetros de metrô ou VLT em cada uma das nas 9 regiões
metropolitanas do Brasil, onde vivem 65% da população".
Dessa forma, considera que o projeto do Trem de Alta Velocidade ocupa
lugar remoto na tabela de prioridades nacionais, e vem em momento muito
inconveniente, logo após o governo anunciar o corte de 50 bilhões de
reais do Orçamento Público. O deputado não menospreza a necessidade de
se retomar uma política ferroviária, mas sublinha que isso deveria
começar pela ampliação da malha urbana, saturada e insuficiente.
Correio da Cidadania: Como você recebeu a Medida Provisória 511/10,
que autoriza a União a oferecer garantia para financiamento de até R$ 20
bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
ao consórcio que construirá o Trem de Alta Velocidade (TAV), conhecido
como trem-bala, que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro?
Chico Alencar: Mais uma reversão total daquilo que o PT sempre
pregou. A recuperação do transporte sobre trilhos no Brasil, que começou
a se deteriorar nos anos 50 com a ênfase dada à indústria
automobilística é importantíssima, é verdade.
Porém, o trem-bala surge sem que a gravíssima crise que afeta a
população mais pobre no transporte urbano sobre trilhos seja resolvida –
metrô, trens, VLT... Nada disso está sendo implementado. Com os
recursos destinados ao trem-bala, públicos, do BNDES, poderia se
construir 10 quilômetros de metrô ou VLT nas 9 regiões metropolitanas do
Brasil, onde vivem 65% da população.
Governar é escolher prioridades a partir das necessidades mais sentidas de nossa gente.
Não vou nem falar de educação, vamos ficar na parte do transporte sobre
trilhos mesmo: dá pra dizer tranquilamente que o trem-bala não é
prioridade. Poderia se fazer algumas adaptações e melhorar a ligação
ferroviária Rio-SP, mas o trem-bala vai exigir vultosos investimentos,
com recursos do BNDES. Além disso, não admite passagens difíceis, vai
exigir muitos túneis, pode dividir cidades ao meio, terá impactos
ambientais violentíssimos... E ainda dizem que a passagem vai custar 300
reais...
Correio da Cidadania: Pela projeção divulgada pelo governo, os custos
da passagem ficarão entre 150 e 200 reais, por uma viagem de uma hora e
meia. Ou seja, mesmo que sejam custos um pouco menores do que os
mencionados por você, ainda seria mais caro e demorado que a viagem de
avião. Como você enxerga esse aspecto?
Chico Alencar: Pois é, e já começaram as reivindicações de várias
cidades. Querem que pare em Volta Redonda, tem que parar em Resende, em
São José dos Campos, em Jundiaí... Todo mundo quer uma parada em sua
cidade. Quanto à duração da viagem, seria de cerca de duas horas e meia.
Mas os detalhes técnicos são menos importantes do que outro fator,
aquele que elenca prioridades. Não que eu seja contra o trem-bala por
princípio. Todo transporte de massa é bem vindo, toda tecnologia que
comprima tempo e espaço com segurança é ótima, mas no Brasil temos
etapas e ferrovias, outros trilhos, urbanos e suburbanos, a serem
implementados antes. Os metrôs do Brasil são de dimensões muito
pequenas. O Rio, por exemplo, tem o metrô mais caro do Brasil e a menor
extensão; o de Brasília é ridículo... Existem outras prioridades.
Correio da Cidadania: Isso no momento em que o governo Dilma corta 50
bilhões do orçamento, atingindo, como manda a tradição, os serviços
essenciais dirigidos à maioria da população que carece, e padece, deles?
Chico Alencar: Pois é! É completamente contraditório a essa
política de arrocho e contenção de gastos que a Dilma promove em seu
governo. A gente se choca com isso. É uma iniciativa de ‘alta
velocidade’ contra a política de contenção.
Correio da Cidadania: Aliás, essa previsão orçamentária encontra base
na realidade ou ainda nem se calcularam precisamente os custos totais
do projeto? Em outras palavras, você enxerga tendência de inchaço dos
valores, tal como visto em diversas obras de infra-estrutura nos últimos
anos?
Chico Alencar: Não, não tem a menor base real. É só pra tentar
edulcorar um pouco o projeto e atrair a iniciativa privada. É claro que
podemos temer por inchaço de custos. Nesse país a diferença entre
orçamento inicial e custo final vai a uma diferença que pode chegar a 10
vezes.
É algo fora de lugar fazer esse trem-bala. Apesar das deficiências, ir
de São Paulo ou Campinas para o Rio, ou o contrário, ainda é fácil. Tem o
transporte aéreo e ferroviário, e não há um estrangulamento dessa rota,
a Dutra não está estrangulada.
Inclusive, tivemos a experiência de revitalizar o trem de prata Rio-SP e
não foi bem sucedida, por causa do custo. Não foi nem pela demora, já
que se podia dormir bem nele. Mas só durou uns dois anos depois de
reativado até voltar a cair em desuso.
Correio da Cidadania: Dessa forma, nem do ponto de vista de uma malha
integrada do transporte nacional a obra adquire viés positivo?
Chico Alencar: Acho que não, pois deveríamos começar pelas redes metropolitanas.
Correio da Cidadania: E o que pensa da criação da Empresa de
Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), estatal que seria
dedicada exclusivamente ao gerenciamento do projeto?
Chico Alencar: Aí é uma conseqüência. Quando se aprova
financiamento para construção do trem-bala, que pelo menos haja uma
estatal enxuta que possa controlar o processo e evitar abusos que são
praticados ao bel prazer da livre iniciativa.
Correio da Cidadania: Não se podia deixá-lo a cargo da Valec, a atual empresa gerenciadora da malha ferroviária?
Chico Alencar: Poderia também, mas alegam que a Valec tem outras
preocupações etc. Na verdade, a criação de nova estatal serve pra
ressaltar a prioridade que se pretende dar ao trem-bala.
Correio da Cidadania: Ainda que sejam questionáveis os custos do
projeto em meio às necessidades nacionais, o Brasil não precisa retomar
políticas estratégicas no setor ferroviário, hoje em dia praticamente
reduzido às rotas de transporte dos minérios e outros itens da cadeia
produtiva da Vale?
Chico Alencar: Precisa, claro, quanto a isso não há duvida. O
Brasil precisa de uma rede ferroviária, e tem condições disso, o que é
muito importante. O transporte ferroviário é de massa, não apenas
coletivo, é a rede do futuro, inclusive.
E essa política que era forte nos anos 30, 40, começou a minguar nos
anos 50 e nunca mais voltou. Precisamos retomar, mas fazê-lo com o
trem-bala é retomar com bases equivocadas, embora já esteja aprovado na
Câmara e no Senado.
Correio da Cidadania: E qual seria a estratégia ferroviária mais adequada ao país?
Chico Alencar: Fazer as ligações ferroviárias nas grandes cidades
e suas regiões metropolitanas, melhorar a qualidade dos trens urbanos,
reativar ligações inter-estaduais, mesmo que sem o trem de alta
velocidade, que é caríssimo e exige condições especiais, e a partir
disso acumular condições para transportes mais complexos como o
trem-bala.
Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
'Trem-bala não é o projeto mais conveniente à retomada de autêntica política ferroviária'
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