Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro- no Correio do Brasil
A fragmentação dos partidos da direita no país empurra uma parcela
significativa do eleitorado conservador para o centro, com a formação do
Partido Social Democrata (PSD), liderado por Gilberto Kassab, prefeito
de São Paulo, sob as bênçãos de tucanos e democratas ávidos por uma
chance de se aproximar da parcela de centro-esquerda que ocupa o Palácio
do Planalto. Esta, por sua vez, realiza um movimento de rápida
aproximação do ideário capitalista, demonstrada na recente visita do
presidente norte-americano, Barack Obama, ao Brasil e na defesa
contundente dos interesses de ruralistas por parte do deputado Aldo
Rebelo (PC do B-SP), relator das reformas no Código Florestal.
Os novos tempos da política nacional se refletem na disputa recente entre a parcela mais radical da Igreja
Católica, liderada pela Arquidiocese Metropolitana de São Paulo, e
setores outrora progressistas, hoje no campo da centro-direita, apenas
como uma barreira de contenção ao ultraconservadorismo dos signatários
daquele panfleto que acusava a então candidata, a atual presidenta Dilma
Rousseff, de defensora do aborto, prócer do comunismo ateu, líder
guerrilheira, ladra e assassina.
Às vésperas das eleições, em outubro do ano passado, por encomenda da
Diocese de Guarulhos, segundo confessaram os proprietários da gráfica
que imprimiu o panfleto intitulado Apelo a todos os brasileiros e brasileiras,
assinado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, a
Polícia Federal – a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – abriu
um processo, até agora inconcluso, para identificar a participação do
bispo D. Luiz Gonzaga Bergonzini, da Diocese de Guarulhos (SP) na
campanha de difamação contra Dilma Rousseff.
Na época, liderada pela professora Monica Serra, mulher do candidato
derrotado à Presidência da República pelo arco da direita, José Serra,
ganhava corpo uma campanha feroz contra a adversária petista. A própria
Dilma, em um dos últimos debates em rede nacional de TV, pediu a Serra
que impedisse sua mulher de seguir adiante com o bordão sobre o suposto
apoio petista ao aborto.
Além da ação dos policiais federais junto às gráficas paulistas, a
indignação da artista e coreógrafa Sheila Canevacci Ribeiro, ex-aluna de
Mônica Serra, publicada aqui no Correio do Brasil em
matéria exclusiva, na qual lembrava o momento em que a mulher de Serra
relatara em sala de aula o aborto a que teria se submetido, foi
suficiente para que o candidato recuasse e o assunto se visse afastado
do noticiário na imprensa conservadora, duas semanas antes das eleições.
A reação do Judiciário e da imprensa independente, no entanto, não
deteve o objetivo dos bispos ligados aos setores mais retrógrados da Igreja, de ganhar a Presidência da CNBB.
Até o término das eleições na CNBB, encerradas com a posse de Dom
Raymundo Damasceno, em missa rezada nesta sexta-feira, a ultradireita
tentou ocupar os cargos em disputa. Dom Raymundo foi eleito em segunda
votação, com 196 votos, pois no primeiro escrutínio, apesar da
dianteira, não alcançou a maioria necessária de dois terços, 182 votos.
Em segundo lugar ficou o cardeal Dom Odilo Scherer, com 75 votos.
No primeiro escrutínio, segundo relatório da CNBB, Dom Damasceno
obtivera 161 votos contra 91 de dom Odilo. Na primeira votação, também
foram votados o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta
(14); o arcebispo de São Luís (MA), Dom José Belisário da Silva; o
arcebispo de Belo Horizonte (MG), Dom Walmor Oliveira de Azevedo; o
bispo de Jundiaí (SP), Dom Vicente Costa; o bispo da prelazia de São
Felix do Araguaia (MT), Dom Leonardo Ulrich Steiner e o bispo de Cruz
Alta (RS), Dom Friederich Heimler, com um voto cada.
O bispo D. Waldyr Calheiros Novaes, da Diocese de Barra do Piraí e Volta Redonda, em entrevista exclusiva ao CdB, neste sábado, ao analisar o atual quadro político nacional e seus reflexos na Igreja
Católica, definiu o pleito na Conferência como um reflexo das disputas
ideológicas em curso no país. A ascensão de D. Raymundo Damasceno,
segundo D. Waldir, foi uma forma de conter o avanço da ultradireita,
após uma negociação entre os setores progressistas e a centro-direita
religiosa.
– A tentativa de setores da Igreja de estabelecer a hegemonia de São
Paulo sobre o país incomodava o Nordeste e boa parcela de religiosos de
Norte a Sul do Brasil, o que colocou de um lado o cardeal paulistano e,
de outro, os representantes das demais dioceses, representados por outro
cardeal, D. Damasceno. Embora o atual presidente da CNBB seja de uma
linha bastante moderada da Igreja, não se compara ao grupo de bispos que
fez aquela besteira (o panfleto) contra o aborto, ainda na campanha
eleitoral – avaliou.
A escolha do secretário-geral da CNBB, D. Leonardo Steiner, sucessor
do lendário bispo da prelazia de São Félix do Araguaia, D. Pedro
Casaldáliga – de atuação decisiva na luta contra a ditadura militar no
país – equilibra, de certa forma, a disputa com a ultradireita católica,
na análise de D. Waldyr Calheiros.
– A CNBB é um colegiado e, em uma estrutura como esta, a
Secretaria-Geral é decisiva no estabelecimento das linhas de apoio às
comunidades eclesiais de base, principais redutos de resistência contra a
opressão do sistema e último ponto de apoio às comunidades que não têm
voz junto à sociedade – afirmou.
Ainda assim, de acordo com o bispo progressista, que resistiu ao lado
dos trabalhadores à invasão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em
Volta Redonda, pelas forças do regime militar em 9 de novembro de 1988,
quando três operários foram assassinados e outros 40 sairam feridos do
episódio, “os movimentos de base esfriaram no Brasil”.
– As pastorais foram ocupadas por políticos de carreira e perderam
muito do objetivo de sua existência ao longo dos últimos anos, o que
deixou espaço para o crescimento do conservadorismo observado na ação
dos bispos alinhados a D. Odilo Scherer. A disputa na CNBB demonstra o
quanto foi necessário se negociar para que se chegasse a um frágil ponto
de equilíbrio, preservadas as iniciativas populares de apoio aos grupos
mais fragilizados da sociedade – concluiu.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário