sexta-feira, 27 de maio de 2011

Uma vitória da dignidade


Decisão da Suprema Corte exige que Califórnia reduza a população carcerária e torne suas penitenciárias mais humanas

Anthony Kennedy, apontado para a Suprema Corte por Ronald Reagan, vem há anos condenando as condições desumanas das prisões norte-americanas. Natural da Califórnia, ele também se interessou pela particularmente horrenda superlotação carcerária do estado. Em Los Angeles, no ano passado, ele considerou “doentio” que os carcereiros e guardas das prisões estaduais tenham patrocinado uma iniciativa popular que, juntamente com outros excessos, agora mantém uma enorme quantidade de californianos presos.
Logo, não chegou a ser uma surpresa que Kennedy tenha sido o autor do texto da opinião majoritária em uma decisão de 5 votos contra 4 nessa semana, que exige que a Califórnia reduza sua população carcerária. A capacidade total é definida como um prisioneiro por cela, o que no estado significaria 80 mil prisioneiros. Mas as prisões da Califórnia muitas vezes abrigam o dobro de presos, com detentos alojados em beliches nos ginásios. No momento a lotação das prisões californianas é de 175%. A decisão da Suprema Corte exige que esse número seja reduzido para 135% nos próximos dois anos.
A superlotação não significa apenas um aumento na violência, mas também tratamento médico e mental inadequado, com um aumento no número de mortes e suicídios. “Como você vai evitar ou conviver com pessoas sentadas sobre suas fezes por dias em um estado perturbado?” perguntou a juíza Sonia Sotomayor a um advogado representando a Califórnia em novembro do mês passado. Em seu discurso nessa semana, Kennedy mencionou um detento que havia sido “mantido em uma jaula por quase 24 horas, coberto por sua própria urina, praticamente catatônico”.
Tais condições são, nas palavras de Kennedy, “incompatíveis com o conceito de dignidade” e se somam ao “castigo cruel” inconstitucional. Os quatro juízes considerados liberais concordaram. Os quatro conservadores discordaram. Para o juíz Samuel Alito, o caso não era de dignidade, mas de segurança pública. A decisão, diz ele, forçará a Califórnia a colocar nas ruas “46 mil criminosos – o equivalente a três regimentos do exército”.
Essa afirmação é um exagero, e não apenas nos números. Em primeiro lugar, a decisão por si só não ordena que os presos sejam liberados. Na teoria, a Califórnia poderia construir novas prisões ou enviar detentos para outros estados. Considerando a crise no orçamento californiano, essa medida é improvável. Mas a Califórnia também poderia enviar presos para as penitenciárias dos condados. No momento, o governador Jerry Brown, está tentando fazer exatamente isso, e está em conflito com as administrações locais.
De maneira geral, muitos prisioneiros podem ser liberado sem nenhuma ameaça à segurança pública. O que causou essa superlotação foram as leis draconianas que mandaram, sem necessidade alguma, para trás das grades, enormes números de presos não violentos: pessoas presas por fumar maconha ou passar cheques sem fundo, ou por faltarem a reuniões com os agentes da condicional.
Mais surpreendente foi o tom usado por outro que não concordou com a decisão, o juiz Antonin Scalia. Chamando o procedimento de “farsa judicial”, Scalia escreveu que a decisão irá beneficiar detentos que “sem dúvida serão grandes espécimes físicos, que desenvolveram músculos intimidadores puxando ferro no ginásio da prisão”. Essa foi a linguagem do sarcasmo, não da dignidade.

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