Rachel Duarte no Sul21
Popularizada no Brasil após cinco anos de sua instalação, a Lei Maria da Penha ainda não é suficiente para garantir a prevenção de casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. A legislação sancionada no dia 7 de agosto de 2006, agiliza o atendimento de mulheres vítimas de violência e o processo contra os agressores, mas a rede de proteção ainda é deficiente. No Rio Grande do Sul, estima-se que 80% dos processos não têm continuidade.
De acordo com o juiz Vara da Violência Doméstica de Porto Alegre, Roberto Lorea, no primeiro semestre deste ano o Ministério Público gaúcho encaminhou 750 denúncias de agressões contra mulheres. “Temos 20 mil processos tramitando”, revela o juiz. O tempo de 120 dias que leva para a primeira audiência faz com que muitas mulheres repensem sua decisão e desistam do processo. “Elas têm que ser sujeito e não objeto do processo e da lei. Em alguns casos, a prisão preventiva salva vidas. Em muitos outros elas não querem processar ninguém, mas abrem o processo porque é só o que podem fazer além de ir à delegacia registrar ocorrência”, afirma. Para Lorea, o que falta são serviços para amparar as mulheres agredidas.
Titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, Nadine Farias Anflor critica a falta de Centros de Referência para as Mulheres no Estado, que poderiam oferecer atendimento psicológico, jurídico e de saúde.“A mulher vai à delegacia, porque não tem outro lugar para ir. Onde a mulher pode ir? Não há um atendimento universalizado ou um serviço de referência. A referência ainda é a delegacia”, diz.
A delegada concorda que é necessário ampliar as redes de atendimento para evitar que as mulheres precisem ir até as delegacias. “A rede ainda é muito pessoal para resolver os casos. Um serviço liga para o outro e vamos atendendo. Temos que ter resolutividade em todas as partes do processo, para que todas possam ser amparadas de forma igualitária”, explica.
Mesmo assim, Nadine avalia que os cinco anos de Lei Maria da Penha criaram uma cultura segundo a qual as mulheres procuram se defender da violência doméstica. “Existe um fenômeno antes e outro depois da Lei Maria da Penha. Antes, elas procuravam depois de ter apanhado várias vezes. Hoje mudou. Elas acreditam na lei e na rede e buscam logo que sofrem a violência”, afirma.
Centros de referência, geração de empregos e independência
Pela Lei Maria da Penha, as mulheres deveriam contar com uma gama de serviços de proteção. De acordo com a lei, as violências física, sexual, patrimonial, moral e psicológica estão sujeitas à penalização.
Pela política nacional de enfrentamento da violência contra a mulher, os centros de referência deveriam contar com equipes de mulheres habilitadas para encaminhar os casos judicialmente, atender as vítimas com psicólogas e assistentes sociais, além de articular a rede mais próxima da vítima. No Rio Grande do Sul, funcionam 19 centros, sendo um estadual que funciona em Porto Alegre e acaba atendendo também a demanda da capital. “Falta a prefeitura se posicionar e investir nesta área”, cobra o juiz Roberto Lorea.
No Centro de Referência da Mulher do Estado, uma enxuta equipe dá conta de quase 600 atendimentos este ano. As vítimas chegam por conta própria, por recomendação das delegacias ou pelo serviço de escuta telefônica. “A Escuta Lilás é diferenciada. Levamos muito tempo ouvindo as mulheres para saber o que tem por trás daquela ligação”, diz a assistente social Marília Menezes.
Ela recorda um caso delicado que gerava constrangimento à vítima e que, não fosse o tempo de escuta e a investigação das atendentes, a mulher não revelaria e não teria atendimento. “Atendemos um caso em que a mulher era submetida à violência sexual recorrente e, quando não aceitava, o homem se masturbava e ejaculava em cima dela. Uma senhora com quase 60 anos. Ela chegou só querendo saber os direitos da separação, mas quando tu vais tratar com a psicóloga, descobres que tem mais coisas”, conta.
Segundo a advogada do CRM, Rudineia de Souza, os casos de lesão corporal normalmente estão associados ao uso de drogas pelo agressor. “Não acreditamos que este é o fator gerador da violência, mas influencia na agressão”, avalia. As complicações encontram-se nos casos de violência psicológica, pois atuam mais no campo subjetivo e levam muitas mulheres a um complexo de culpa. “Elas se sentem parte daquilo, por permitirem sofrer naquela relação e não conseguem ver como sair”, explica.
A secretária estadual de Política para as Mulheres, Márcia Santana, afirma que a prioridade do governo é qualificar o Centro de Referência da Mulher e fortalecer a rede estadual. Segundo ela, a secretaria trabalha para apurar um diagnóstico dos serviços disponíveis. “Não podemos ter apenas atendimento especializado, como delegacias e centros de referência. Temos que dar atendimento em saúde e gerar trabalho para as mulheres, pois muitas não deixam os maridos por serem dependentes financeiramente”, afirma.
Ela considera que a lei gerou mudanças importantes na sociedade e no empoderamento das mulheres, mas aponta um caminho fundamental para mudar a cultura machista que ainda prejudica o atendimento. “A educação não sexista é prioritária para a construção de uma nova cultura que forme os homens e mulheres que queremos no Brasil. Não mais esta cultura que separa gênero e classes, e sim, uma cultura de paz, de igualdade. Nosso principal desafio agora é a mobilização e sensibilização social”, completa.
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