domingo, 11 de setembro de 2011

Produção do agronegócio fica longe da mesa do brasileiro


Virginia Toledo, Rede Brasil Atual
Desgastado por estar no centro dos argumentos contra as mudanças no Código Florestal, o agronegócio brasileiro tenta se associar a uma "agenda positiva". De um lado, há a aposta no discurso de uma produção sustentável; de outro, a ideia de que a produção em larga escala no país vai garantir alimentos para o mundo.
Um exemplo foi um evento realizado na semana passada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a organização presidida pela senadora Kátia Abreu (ex-DEM, a caminho do PSD-TO). O lema do Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento Agropecuário e Respeito ao Clima (Feed 2011) foi direto: "o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas".
A referência é à população estimada do planeta no ano de 2050, feita pelo órgão responsável por estudos sobre demografia da Organização das Nações Unidas (ONU). As empresas agrícolas brasileiras colocam-se como a "galinha dos ovos de ouro" da produção de alimentos, colocando em xeque a segurança alimentar num mundo sem a indústria agropecuária.
Na programação do fórum da CNA, discussões voltadas a questões ambientais, formas de tornar a produção mais eficiente – inclusive do ponto de vista ambiental, já que a segunda maior fonte de emissões de gáses de efeito estufa é a pecuária.
Na abertura do evento, Kátia Abreu afirmou que o Brasil é o único país do mundo que optou por abrir mão de terras agricultáveis e férteis em nome da preservação ambiental. Ela qualificou a medida como um "legado" do país para o mundo, mas afirmou que isso demandaria contrapartidas dos outros países para retribuir com esse bônus oferecido durante tanto tempo.
Nem parece o mesmo grupo que defende alterações no Código Florestal brasileiro, em tramitação no Senado, com redução nas áreas de preservação permanente (APPs) e a possibilidade de os estados legislarem sobre o tema, diminuindo ainda mais o espaço em que atualmente a manutenção de áreas florestais é obrigatórias.
Qual o intuito de colocar a si próprio a obrigação de suprir a fome da população mundial? A necessidade de justificar a expansão da fronteira agrícola – que será legitimada em caso de aprovação das mudanças no Código Florestal.

Longe da mesa

O conceito de segurança alimentar envolve bem mais do que a produção de alimentos em quantidade necessária para a população. Para se considerar que a condição de um país, de uma cidade ou de uma comunidade oferece segurança alimentar é preciso, por exemplo, que a comida consumida venha de áreas próximas. A ideia é que, deslocamentos muito grandes aumentam os riscos de problemas de abastecimento, por exemplo.
A ideia de colocar o Brasil como "celeiro do mundo", responsável por "alimentar" a população do planeta até a metade do século, tenta responder a um desafio colocado mundialmente, mas com uma resposta convencional.
Mas as contradições vão bem além. Dos alimentos consumidos pela população brasileira, 70% dos que têm origem agropastoril vêm de propriedades da agricultura e da pecuária familiar. Quer dizer, arroz, feijão, leite, mandioca e outros itens básicos da dieta do brasileiro são produzidos por pequenos ou médios agricultores, em propriedades que não demandam a devastação total do bioma em que se encontram.
Outro dado: apesar da pretensão de alimentar a população do mundo, a agroindústria nacional ainda está longe de dar conta da demanda em seu próprio quintal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 mostra que 30,2% da população brasileira ainda vive em situação de insegurança alimentar.
Contudo, nosso agronegócio segue quebrando recorde atrás de recorde da produção de grãos – com destaque para a soja, pouco consumida in natura no país -, e para a cana-de-açúcar, cada vez mais voltada para a produção do etanol para fazer rodar nossos veículos. Os números da produção para exportação aumentam, as reivindicações do empresariado por mais terra agricultável se intensificam, mas o sustento da população do país ainda está longe de garantida. 
O geógrafo Ariovaldo Umbelino, professor da Universidade de São Paulo, é um dos críticos à insistência de que o agronegócio precisa de mais áreas para suprir as necessidade de alimentar o mundo. "Se o agronegócio ainda não consegue alimentar o Brasil, como será capaz de ser o protagonista da solução do problema da segurança alimentar mundial?", questiona.
"A produção do agronegócio não é uma produção de alimentos", resume Raul Krauser, coordenador da Via Campesina e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). "É uma produção de commodities destinada à exportação para o mercado internacional, em que grande parte da soja é usada na fabricação deração de animais, ou combustível, sobretudo na Europa", pontua.
Para Krause, a atual legislação ambiental foi construída numa perspectiva de uso sustentável da natureza e dos recursos naturais. Entretanto, o setor do agronegócio quer expandir desenfreadamente suas fronteiras agrícolas, sem sequer rever as áreas de pastagens extensiva, que apresentam baixíssima produção por hectare.
É hora de rever conceitos. É preciso deixar de ver a floresta como uma barreira ser derrubada e é preciso também que se entenda definitivamente que a produção de alimentos - de qualidade e acessível a todo cidadão, sem exceção - não é tarefa para quem visa apenas e tão somente o lucro, nada mais.

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