sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Mariza Abreu defende formação continuada dos professores


Ex-secretária da Educação no governo Yeda, Mariza Abreu defende formação continuada dos professores | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

Rachel Duarte no SUL21

Secretária da Educação no governo de Yeda Crusius, Mariza Abreu tentou implementar mudanças no sistema de avaliação do ensino público do Rio Grande do Sul, mas o projeto foi barrado pela resistência do Cpers, que considerava a proposta uma maneira de estimular a competição entre escolas e professores, não contribuindo para a melhoria da qualidade da educação.
“O Cpers é contra qualquer proposta que cheire à vinculação de salário com resultado. E o grande problema do governo é que eles ofereceram para o magistério a perspectiva de um sonho que é colocar o piso salarial nesta estrutura de níveis e achar que vão conseguir pagar isso”, afirma a ex-secretária, em entrevista ao Sul21, que promove um debate sobre a avaliação do ensino público no Estado.
Na entrevista, Mariza Abreu defende que a melhor forma de avaliar o ensino é promovendo a formação continuada dos professores
Eu concordo que a discussão é o mérito, não meritocracia. Mérito é a palavra que os petistas utilizam e eu acho correta. A meritocracia é mais utilizada no meio empresarial. Neste debate, se tratam duas coisas que também são aceitas pelo movimento sindical: remunerar pela formação de forma diferenciada e remunerar pelos resultados do trabalho.
Eu acredito que a maneira de fazer isso, que foi a proposta que nós discutimos, é com formação continuada para os professores. Mas de forma real. O professor deve comprovar o seu aproveitamento.

Sul21 – Qual a sua avaliação sobre a proposta apresentada pelo governo Tarso?

Marisa Abreu – Eu conheço pelo que li na imprensa e pelo projeto da prefeitura de Canoas, que foi a referência. Também estudei a publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação (CNTE), de 2009, com as novas diretrizes do plano de carreira do magistério. Há uma limitação concreta na proposta por ser uma mudança feita por decreto. A avaliação dos professores no Rio Grande do Sul está, em grande parte, delineada na Constituição Estadual. Está lá a progressão na carreira alternada por atividade e merecimento, e adicionais por tempo de serviço. Para fazer este tipo de mudança tem que mudar a Constituição do Estado. Além disso, existe uma série de determinações relativas à promoção da carreira do magistério que estão na lei do estatuto do plano de carreira. Então, qualquer mudança feita por decreto só pode alterar os critérios para promoção por merecimento. Nada mais se pode mexer. Não pode mexer na alternância da promoção por atividade e merecimento, na quantidade de classes, no valor que acrescenta os vencimentos na promoção, no procedimento de vagas nas classes. Nesta proposta atual, há a intenção de considerar o rendimento dos alunos para progressão dos professores, de forma amostral. Como avaliar por amostra de escolas com notas mais altas? Percebemos que há uma tensão dentro do governo. O governador acreditando na avaliação do magistério e a secretaria de Educação desacreditando. A secretaria de Educação parece representar a posição sindical dento do governo. Quando há ataques ao governo, quem defende é o prefeito de Canoas, Jairo Jorge. A brincadeira que costumo fazer é que o secretário de Educação é a representação avançada do Cpers dentro do governo e o secretário é o Jairo Jorge.
"O Cpers é contra qualquer proposta que cheire à vinculação de salário com resultado. E o grande problema do governo é que eles ofereceram para o magistério a perspectiva de um sonho que é colocar o piso salarial nesta estrutura de níveis e achar que vão conseguir pagar isso" | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

Sul21 – A senhora acredita que o diálogo entre a categoria e o governo está mais na política do que no conteúdo da proposta?

Marisa Abreu – O Cpers é contra qualquer proposta que cheire à vinculação de salário com resultado, e se meteu num brete. Nem a diretoria da CNTE concorda com eles. E o grande problema do governo é que eles ofereceram para o magistério a perspectiva de um sonho que é colocar o piso salarial nesta estrutura de níveis e achar que vão conseguir pagar isso. Não quer dizer que isto não seja justo. Os professores têm direito de receber mais e todos os governadores gostariam de fazer isso. Eu tenho o maior desejo que o governo acerte a avaliação. Mas passa pela carreira, pela valorização salarial e a qualificação dos professores.

Sul21 – Qual a diferença do que propõe o governo, a promoção por merecimento e a meritocracia?

Marisa Abreu – Promoção por merecimento nós já temos. Eu não gosto da palavra meritocracia, é inadequada. “Cracia” no radical grego é “poder”. Quando falamos de carreira dos servidores não estamos falando de poder por mérito. Estamos falando de remuneração diferenciada por mérito. Eu concordo que a discussão é o mérito, não meritocracia. Mérito é a palavra que os petistas utilizam e eu acho correta. A meritocracia é mais utilizada no meio empresarial. Neste debate, se tratam duas coisas que também são aceitas pelo movimento sindical: remunerar pela formação de forma diferenciada e remunerar pelos resultados do trabalho.

Sul21 – Quais os critérios ideais para avaliação dos professores?

Marisa Abreu – Isso é um pouco complicado porque o trabalho do professor não é manual, mas intelectual. No caso, é a produção integral do aluno. O conjunto dos valores, atitudes e comportamentos deste aluno. Este resultado não se faz apenas com o professor, é responsabilidade da escola, da família, da mídia, das associações. Mas qual é a função social precípua da escola? É o desenvolvimento das habilidades e competências cognitivas dos conteúdos escolares. A escola existe para transferência da herança cultural da humanidade entre gerações. Este é o processo educacional. Então, o produto do trabalho do professor é o nível de aprendizagem e a aprovação dos alunos.

Sul21 – Critério por desempenho do aluno não é insuficiente, uma vez que o professor pode simplesmente passar os alunos?

Marisa Abreu – Primeiro, este produto é coletivo. O que o aluno aprendeu de português na 7ª série é resultado do que ele aprendeu também na 6ª. É preciso também considerar o que ele aprendeu em outras disciplinas. É muito mais conseqüente fazer esta avaliação do coletivo. Todos os estudos da educação nos mostram que quase 70% do nível de aprendizagem dos alunos é decorrente de fatores de fora da escola. O fator que isoladamente mais aparece é o nível de escolaridade da mãe ou de quem está neste papel. Mas, tem os outros 40%, 30%, que são da escola. O mesmo professor, fazendo o mesmo trabalho, com a mesma dedicação, mas se estiver em uma escola de periferia urbana ou classe social mais elevada, o nível de aprendizagem será diferente e não será resultado apenas do trabalho dele. Tudo isso tem que ser considerado. E é possível. Avaliam-se o esforço e progressão da escola ano a ano, por exemplo. Mas este é exatamente o “x” da questão: como fazer?
"Eu concordo que a discussão é o mérito, não meritocracia. A meritocracia é mais utilizada no meio empresarial. Neste debate, se tratam duas coisas que também são aceitas pelo movimento sindical: remunerar pela formação de forma diferenciada e remunerar pelos resultados do trabalho" | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

Sul21 – Em sua opinião, qual o ideal? A proposta feita no governo anterior?

Marisa Abreu – Eu acredito que a maneira de fazer isso, que foi a proposta que nós discutimos, é com formação continuada para os professores. Mas de forma real. O professor deve comprovar o seu aproveitamento. Na maioria das carreiras brasileiras, a avaliação de formação continuada para professor é por freqüência. Os professores participam de atividades e capacitações, mas não são avaliados sobre o real aprendizado. Eles apresentam atestados para subir na sua carreira e estes atestados são considerados para pontuação pelo número de horas. O que se observa neste processo é que 80% dos professores, a cada dois anos, fazem cursos de capacitação, e isso não faz a mínima diferença. O governo também tem que avaliar os professores, uma espécie de ENEM. A prova do concurso público tem que ser qualificada também. Eu estou muito feliz que este governo está dizendo que irá fazer isto. Tínhamos proposto que o concurso público tivesse prova especifica do conhecimento dos professores por área. Este tipo de prova poderia ser feito ao longo da vida profissional do educador. Títulos com aproveitamento e provas de conhecimentos feitos pelo governo. Além disso, como já fazem governos do PSDB e do PSB no Brasil, inclusive uma gestão do PCdoB no Paraná também fez, é pagar um 14º salário pela avaliação dos resultados anuais da escola aferidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A CNTE critica isso, não por utilizar o IDEB, não concordam com a política de 14º porque desconfiguraria a carreira, quebrando a paridade das carreiras.
"Eu acredito que a maneira de fazer isso, que foi a proposta que nós discutimos, é com formação continuada para os professores. Mas de forma real. O professor deve comprovar o seu aproveitamento" | Foto: Antonio Paz/Palácio Piratini

Sul21 – Não é uma forma de estimular uma competição desleal entre as escolas, uma vez que existe diferença de condições conforme a região e a gestão?

Marisa Abreu – Mas tem que considerar a condição de cada escola e o nível socioeconômico dos alunos. A maneira de premiar/remunerar o esforço dentro de escolas iguais. O valor do 14º salário seria comparado com elas mesmas e entre as que têm condições iguais. Mas a CNTE não concorda por quebrar a paridade entre ativos e inativos. Mas quem acabou com isso foi o Lula. Pela reforma da Previdência feita pelo Lula em 2003, quem entrou em janeiro de 2004 e não tinha os 20 anos de serviço público, o valor do provento foi calculado pela média das maiores remunerações correspondentes a 80% do período contributivo. Uma vez definido este valor ele passa a ser reajustado pelos mesmos índices e datas do regime geral da previdência, ou seja, pelo INSS. Não existe mais integralidade e paridade para os servidores brasileiros e o Lula estava certo. Agora terá teto para as categorias, mas os governos têm que mandar suas propostas de regime complementar. Só dois governos fizeram isso: o Lula e a Yeda. No governo Yeda teve rejeição por parte da oposição e a proposta foi vetada em dezembro de 2010. A proposta do Lula está tramitando e a Dilma mandou andar para ser votada nas comissões da Câmara. Aqui, o Tarso se subordinou de tal forma ao Cpers que enviou um artigo nos dois projetos de lei garantindo a paridade mesmo àqueles que não têm pela reforma do Lula. É uma impropriedade conceitual e técnica.

Sul21 – É possível falar em qualidade de ensino, sem cumprir os 35% do PIB para educação previstos da Constituição Estadual e o piso do magistério?

Marisa Abreu – Estes 35% da Constituição Estadual não conseguimos cumprir e não vamos cumprir de jeito nenhum. A Constituição Federal diz 25%. Não podemos colocar 25% e cumpri-los? Esta é outra façanha do Rio Grande do Sul. Estamos sempre contra e brigando. A questão do piso é outra piada de mau gosto. Não existe este negócio que o governo está falando que irá pagar o piso em quatro anos. Nós já fizemos os cálculos. Quando o governo começou no início do ano a diferença entre o piso e o vencimento básico era de 66%. O governo deu 10,9% de reajuste em maio e baixou para 50%. O reajuste do piso nacional será de 16,6% em janeiro de 2012. Isso vai aumentar a diferença do piso do magistério para 65%. É uma linha no horizonte que se afasta. Tarso não irá cumprir nunca este plano de carreira. Nunca. Agora, qual é o problema do plano de carreira do Rio Grande do Sul? É que é o único feito antes da Constituição de 1988. Há uma diferença entre o vencimento médio e o superior de 85%. É impagável. Nós propomos 30%. Em Canoas é 33%. Não tem como pagar.

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