Samir Oliveira no SUL21
A música de Geraldo Vandré, Para não dizer que não falei das flores, parece ser o único ponto de convergência entre o Cpers e o governo gaúcho. Espécie de hino da luta contra a ditadura militar no país, a canção foi citada pela secretária-adjunta de Educação, Maria Eulalia Nascimento (PT), durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira (24) para justificar as mudanças que a administração estadual pretende implementar no Ensino Médio. No mesmo dia, exatamente o mesmo verso foi entoado pelos manifestantes que protestavam contra as alterações na escola pública em frente ao Palácio Piratini: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Professores da Capital e do Interior, juntamente com estudantes e militantes do PSOL e do PSTU, transformaram a praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre, na trincheira da oposição de esquerda ao governador Tarso Genro. Do caminhão de som, ouviam-se discursos que tentavam emparedar o Partido dos Trabalhadores à direita. Indignados, integrantes do Cpers se revezavam na exigência imediata do pagamento do piso nacional de R$ 1.187,00 e nas críticas às mudanças que o governo pretende pôr em prática no Ensino Médio público.
Os grevistas entoavam palavras de ordem como “Ô Tarso! Fora da Lei! De esperar eu já cansei!”. E sindicalistas subiam o tom nos discursos, acusando o governador de estar “à serviço do Banco Mundial e do capital internacional”.
As declarações evidenciam a ruptura que há entre o Cpers e o governo do PT. Apesar de ser presidido por uma petista, Rejane de Oliveira, o sindicato é comandado por uma coalizão que engloba PSOL e PSTU. E o ato de quinta-feira em frente ao Piratini deixou claro que esses dois partidos estão dispostos a ir para o embate ideológico com Tarso.
“Vamos erguer nossa voz contra esse governo que está à serviço da classe dominante”, vociferou um professor, enquanto outro se surpreendia com os atos da administração petista: “Jamais pensamos que estaríamos nos contrapondo a um governo que se diz dos trabalhadores”.
Uma sindicalista usou contra Tarso os mesmos argumentos que o próprio governador elenca reiteradas vezes para justificar suas políticas no Estado, de que “o capital internacional está retirando direitos dos trabalhadores no mundo inteiro”. “Aqui também”, continuou, enfurecida, acusando o governo gaúcho de “utilizar a mídia burguesa, à serviço do capital, para jogar a sociedade contra a greve”. Sua camiseta estampava uma foto da capa do filme O grande ditador, clássico de Charles Chaplin, com o rosto de Tarso no lugar do humorista. A vice-presidente do Cpers, Neida de Oliveira (PSOL), chegou a sugerir o impeachment do governador. “Esse é um governo fora da lei, que não paga o piso, por que não pedir o afastamento de Tarso?”, sugeriu, sendo fortemente aplaudida.
Dentre bandeiras de partido de extrema-esquerda e da Conlutas, entidade sindical ligada ao PSTU, dois outros símbolos se fizeram ausentes: da CUT e do PT, que tradicionalmente apoiaram movimentos grevistas do magistério durante as gestões de Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006) e Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010). O ato político contou, inclusive, com um ex-presidenciável. O sindicalista Zé Maria, que concorreu ao Palácio do Planalto pelo PSTU em 2010, veio ao Rio Grande do Sul especialmente para engrossar o coro de vozes contra o governador Tarso Genro na tarde desta quinta-feira.
Rejane é barrada na porta do Palácio Piratini
A segurança foi reforçada no Palácio Piratini. Do outro lado da praça da Matriz, um contingente de 25 policiais militares bloqueava o acesso à sede do Poder Executivo. Cumprindo uma das deliberações do encontro, o comando geral da greve do Cpers se encaminhou para a porta do Palácio para solicitar o que chamam de “auto-agenda” – ou seja, aparecer sem hora marcada para tentar uma reunião com o governo. Recebida pelo chefe-adjunto da Casa Militar, a presidente do sindicato aguardou mais de meia hora até que o assessor lhe comunicasse que o governo conversaria, sim, com o Cpers — desde que fosse na calçada e que as pessoas que se amontoavam ao redor do Piratini se retirassem.
Rejane não aceitou as condições, que chamou de “desrespeitosas”, e esperou mais um pouco, até que o coordenador-adjunto da Assessoria Superior do Governador, João Vitor Domingues, apareceu para lhe dizer que uma reunião só seria feita após o Cpers enviar um ofício formal explicando quais pautas seriam tratadas. Indignada e com o microfone na mão, a sindicalista deixou um dos assessores mais próximos do governador Tarso Genro falando sozinho, deu as costas e anunciou que o governo não receberia os professores. “O governo disse a semana inteira na imprensa que está disposto ao diálogo. Agora está claro que é uma mentira”, criticou.
Enquanto ela retornava para o carro de som, João Vitor explicou à imprensa que “a auto-agenda não é o processo correto de se estabelecer uma negociação séria” e questionou a representatividade dos grevistas que solicitavam a audiência. “Tem apenas metade do comando de greve aqui. Queremos receber a totalidade do grupo”, comentou. Nesse momento, por volta de 16h30 de quinta-feira (24), o governador Tarso Genro se encontrava a caminho de Porto Alegre, retornando de uma agenda em Santana da Boa Vista.
Secretário diz que governo está aberto ao diálogo
Assim que terminou a assembleia-geral do Cpers em frente ao Palácio Piratini, a Secretaria Estadual de Educação convocou uma coletiva de imprensa para manifestar a posição do governo sobre o ato dos sindicalistas. O titular da pasta, José Clóvis de Azevedo (PT), leu uma nota que foi enviada ao Cpers, sustentando que o governo está aberto ao diálogo e que ocorrerá uma reunião assim que o sindicato solicitá-la formalmente. “Reafirmamos nossa posição de negociação. Mas ela deve ser feita em cima de propostas concretas e o Cpers ainda não propôs nenhum discussão de conteúdo, apenas exigiu a retirada das medidas”, explicou o secretário.
A secretária-adjunta de Educação, Maria Eulalia Nascimento (PT),lembrou que o sindicato rompeu as conversas quando decidiu convocar a greve. “O diálogo foi abalado unilateralmente. Uma reunião séria para que debatamos conteúdo não pode ser feita de improviso”, comentou.
O Cpers acusa o governo de querer “desmontar a educação pública” ao propor que as escolas de Ensino Médio passem a oferecer também uma formação profissionalizante aos alunos. “Querem formar mão de obra barata para os empresários”, critica Rejane de Oliveira.
Em resposta a esses argumentos, o secretário José Clóvis não poupa recriminações à direção do sindicato. “Há uma absoluta falta de condições de compreenderem nossa proposta. Os dirigentes do Cpers não dominam os conceitos que fazem parte dos nossos projetos, nunca trabalharam ou tiveram intimidade com eles. Transformaram rapidamente uma proposta séria, com raízes acadêmicas, em palavras de ordem”, disparou o petista, que já integrou a direção do Cpers em gestões passadas.
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