Por Lincoln Secco, no amálgama
No final do século XIX o escritor Max Nordau publicou uma obra chamada As mentiras convencionais de nossa civilização.
Uma adaptação deste título tão feliz pode ser feita para a educação
brasileira a partir de duas notícias salvacionistas para a escola.
Primeira notícia: o Governo do Estado de São Paulo vai investir em
lousas digitais. Dessa forma, afirmam os especialistas, o aluno terá
mais interesse nas aulas. De acordo com as pesquisas sobre uso de
tecnologia na educação (Folha de São Paulo, 5 de abril de 2012), a
modernização tecnológica não melhora o aprendizado.
Segunda notícia: o governo paulista não está só. O MEC prometeu
distribuir 600 mil tablets para professores. Trata-se de uma prancheta
eletrônica que permite acesso à internet, entre outras coisas (como
desenhos, jogos e entretenimentos). É possível que a maioria dos
professores sequer saiba o que é isto e talvez fosse mais fácil o
governo ter usado o termo português “tablete”. Outra ideia do ministro
da Educação (Veja, 19 de março de 2012) é alfabetizar as crianças mais
cedo e aplicar uma prova aos oito anos de idade para observar seu grau
de alfabetização.
Bem, escolhi duas notícias ao acaso já que todo mundo apresenta
ideias para a escola. Mas a maioria delas está ancorada numa das
mentiras convencionais desmentidas abaixo:
1. Não é verdade que alfabetização até os oito anos
seja indispensável. Várias pesquisas (mas a história também) mostram que
alfabetizar mais cedo pode até ser prejudicial e que é preferível
brincar a estudar antes daquela idade. Cada criança tem um ritmo próprio
de aprendizado e a escola deveria respeitar isso.
2. Não é verdade que tecnologia facilite o
aprendizado por torná-lo mais atraente. Ninguém deseja que a escola
volte aos padrões rígidos de um século atrás. Mas jogar pedra na casa do
vizinho ou fazer sexo sempre será mais atraente do que fazer análise
sintática ou resolver equações de segundo grau. A escola tem uma
dimensão disciplinar inescapável e sem ela não podemos aprender.
3. Não é verdade que a escola pública era boa porque era para poucos e hoje é ruim porque atende a todos. Ela se tornou ruim porque o Estado preferiu investir somente na sua expansão física e passou a gastar proporcionalmente menos com professores e equipamentos tradicionais (livros, laboratórios, bibliotecas, piscinas e anfiteatros). Massificação com ampliação de recursos não seria problema algum. E de onde viriam os recursos? Bem, o Estado optou por construir Brasília, sustentar a corrupção da Ditadura Militar e gastar com pagamento de juros.
3. Não é verdade que a escola pública era boa porque era para poucos e hoje é ruim porque atende a todos. Ela se tornou ruim porque o Estado preferiu investir somente na sua expansão física e passou a gastar proporcionalmente menos com professores e equipamentos tradicionais (livros, laboratórios, bibliotecas, piscinas e anfiteatros). Massificação com ampliação de recursos não seria problema algum. E de onde viriam os recursos? Bem, o Estado optou por construir Brasília, sustentar a corrupção da Ditadura Militar e gastar com pagamento de juros.
4. Não é verdade que a redução da idade de ingresso
na escola atendeu critérios pedagógicos. Como as creches se tornaram um
direito reivindicado pelas mães e custa mais barato abrir um turno na
escola fundamental, os governos reduziram a demanda por creches fazendo
as crianças saírem mais cedo delas.
5. Não é verdade que aumento salarial substancial
não melhora a educação. O problema é que um professor carece de salário e
status. A relação pedagógica é baseada principalmente na autoridade
conferida ao docente pela avaliação, idade, conhecimento e respeito
social. Como vivemos numa sociedade capitalista, é claro que a maior
parte desses atributos depende da renda. Ou seja: do salário!
6. Não é verdade que o investimento dos governos em
tecnologia educacional tenha por escopo melhorar a educação. Na verdade
este tipo de investimento é adotado porque é mais barato e aparece mais.
7. Não é verdade que determinar novos conteúdos para
o currículo escolar melhore a cidadania. Mas é verdade que pode piorar o
estudo de conteúdos já tradicionais como Matemática, História ou Língua
Portuguesa. O problema do trânsito, a religião, atividade sexual,
prevenção de doenças, ecologia, direitos humanos, criminalidade, drogas
etc., são sempre problemas que os políticos deixam para a escola
resolver. Basta um congressista ter uma ideia e já temos uma nova
obrigação para os professores. Perguntar se uma lei é exequível em
função do orçamento é algo comum, mas ninguém se pergunta se os novos
conteúdos obrigatórios “cabem” no currículo e no tempo de aula. É que
todos esquecem que a educação não se dá apenas na escola. Só uma parte
da educação juvenil é escolarizada porque na maior parte do tempo o
aluno está submetido a outros educadores: amigos, família, polícia,
deputados, más ou boas companhias, namorados etc. Por isso, pouco
adianta ensinar ética se o Congresso Nacional perdoa seus parlamentares
corrompidos.
É preciso dizer que a instituição escolar está em crise (como a
família, as Forças Armadas, a Igreja e os partidos). As relações entre
jovens e velhos, filhos e pais, chefes e subordinados mudaram.
Impotentes, todos esperam que a escola seja a única a resolver uma crise
civilizacional. É possível que a escola não exista mais num futuro
longínquo. Afinal, a escolarização em massa é muito recente na história.
Mas por enquanto precisaremos dela. Quando um ministro diz que os
alunos estão no século XXI e a escola no século XIX, esquece que em
alguns lugares (como o Brasil) nós passamos diretamente de um país
ágrafo para outro que assiste televisão e manipula ícones no computador.
Não tivemos (como no Velho Mundo) a fase do livro e da leitura. Ainda
precisamos um pouco de século XIX: professores respeitados, giz, quadro
negro, alunos na sala de aula e livros à mão cheia.
Um comentário:
Excelente ! Ainda estou tonto com a forma como o texto evoluiu!Imaginei um final panfletário. Parabéns!
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